sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Não coloque uma autoimagem na experiência

A mente está condicionada a funcionar desta forma: identificando-se com o corpo e com o que ele faz, vendo-se responsável, para receber apupos ou aplausos, elogios ou críticas. Isso tem a ver com o condicionamento da mente.
Simplesmente, veja que o pensamento “fala” a partir de uma autoimagem. Olhe para sua experiência com clareza, com simplicidade, com naturalidade, sem a intervenção do pensamento, e você não terá imaginação, não terá a ação dessa imagem. Seja simples quanto a isso. Veja o que o pensamento diz sobre você e observe que isso está baseado na imaginação, na ação de uma imagem, não na experiência.
A preocupação de fazer e agradar é uma preocupação com a autoimagem, assim como de fazer e desagradar. Todos vocês têm isso! Você pode trabalhar num escritório, diante de um computador, trocando meia dúzia de palavras com alguém ali, passar a maior parte do tempo lidando apenas com documentos ou acessando a internet, no entanto lá vai estar a sua autoimagem.
Não é o mundo que lhe causa dor, é o seu condicionamento mental, é a sua representação mental da experiência. Então, vou repetir: veja o que o pensamento fala sobre você e veja que isso não é verdade. É um quadro que, de uma forma imaginária, ele cria sobre a experiência. Não é a experiência o problema, e o outro faz parte da experiência.
A Liberação é algo muito lindo porque é a “Coisa” sem nome. Não é uma liberdade em que nada dá errado ou nada ruim acontece; também não é a liberdade de falhar, de errar. Não é isso! A Liberdade é a própria “coisa” da Liberdade! Essa é a Liberdade de não se importar com a experiência, de não ser ninguém! Ninguém fazendo ou sendo isso e aquilo.
Não faça as coisas para as pessoas! Aqui está a coisa toda! Se você faz as coisas para as pessoas, é a sua autoimagem envolvida nisso. Isso é condicionamento! A cultura, a sociedade, o mundo em que fomos criados, nos educou a fazer as coisas para as pessoas. Na realidade, eles estão nos ensinando que precisamos fazer as coisas para nos sentirmos bem com nós mesmos, mas nem sempre isso dá certo. Na maioria das vezes, essa exigência nos torna neuróticos e, então, erramos. Erramos só porque queremos acertar, e queremos acertar para agradar as pessoas.
É sempre a sua autoimagem tendo esse investimento. Isso vale tanto para uma apresentação pública quanto para sua relação com o seu marido, esposa, filhos e netos. Você está preso no mesmo jogo! Tudo o que você está fazendo é para agradá-los. Não faça as coisas para o outro, pois o ego está investindo em sua autoimagem quando isso acontece. Você vai dizer “então eu faço as coisas para mim?”. Também não! Na verdade, é isso que você já tem feito! Você tem feito para você, para a sua autoimagem. Você sempre se vê como alguém precisando de alguma coisa, então, se você fizer para você, você estará investindo na sua autoimagem, estará fazendo para ganhar alguma coisa.
O condicionamento egoico é de tal qualidade que você nunca faz nada por fazer; você faz sempre para ganhar ou para se livrar de alguma coisa. Você faz sempre as coisas por desejo ou por medo, porque esse é o condicionamento, e outros sempre estão envolvidos nisso, porque são eles que podem lhe dar a recompensa ou a punição. A recompensa são os aplausos; a punição são os apupos, a vaia. A recompensa é o elogio; a punição é a crítica.
Então, pare de fazer para o outro ou para si mesmo, o que dá no mesmo. Faça o que precisa ser feito, mas não coloque seu ego envolvido nisso, porque ele vai atrapalhá-lo. Você pode ser um marido sem ego, uma mãe sem ego, um cantor, uma dançarina, uma namorada sem ego. Você pode ser qualquer coisa sem ego! Isso porque, sem ego, você não é internamente aquilo. Com ego, você internamente entroniza essa atitude de pai, de marido, de pintor, de ator, de artista, de cantor, de músico… e, quando faz isso, você cultiva o condicionamento egoico.
Traga clareza para esse movimento do hábito, para essa força do hábito. Você tem que observar o quanto isso o preenche, o quanto essa imaginação o preenche, o quanto você se sente preenchido ao ver o outro o aplaudindo, o elogiando, o reconhecendo... As relações entre casais é esse inferno porque ambos estão no mesmo jogo. Eles são uma espécie de vampiro, precisando de sangue. Cada um está vendo o outro com base em sua autoimagem, então eles são uma espécie de vampiro carente de apreciação, de elogio, de reconhecimento, e vivem assustando um ao outro, tentando amedrontar um ao outro, tentando gerar punições e sofrendo punições também. É uma exploração mútua! São dois vampiros numa relação.
O que estou dizendo? Faça tudo o que você sempre fez, mas agora traga atenção para isso. Você não tem que deixar o relacionamento, mas precisa deixar a “pessoa” que está investindo nisso; você precisa se livrar dessa imagem que você tem. Mas, como para o ego é mais fácil se manter na rotina, no hábito – na verdade, a palavra não é hábito, é vício – de ser alguém, porque isso não requer nenhum trabalho interno, nenhuma Atenção, nenhuma Presença, nenhuma Consciência, então você se mantém assim.
O resultado não é seu quando não existe autoimagem, mas, quando existe essa autoimagem investida aí, o resultado é para você, aí tudo tem que dar certo, e isso produz o medo de que não dê certo, de que dê errado. Veja que você está sempre nisso: autointeresse.
O ego é o centro dessa ação. Como você terá verdade nisso se o ego é o centro dessa ação? Como é que uma relação entre duas pessoas, como amigos, ou namorados, ou marido e mulher, vai dar certo se o ego é o centro dessa operação?
A Vida não tem ego e o ego não tem vida. É impossível a infelicidade sem o ego. É impossível a Felicidade com o ego, porque ele é esse movimento de medo e desejo.
Então você às vezes vai se orgulhar do que faz, porque o seu ego está investindo nisso; é a sua autoimagem se achando importante nisso. Então, se você canta, se você dança, se você faz o melhor hambúrguer da cidade, você se sente o melhor. Ou então você se sente a melhor esposa, o melhor marido, o marido perfeito, tão perfeito que você cobra da esposa que ela não faça nada errado. Repare que contradição, que absurdo: você é tão perfeito que não aceita que ninguém faça nada errado à sua volta, que ninguém tenha algum erro, algum pecado, de tão santo que você é. Autoimagem!
Não faça nada para alguém – aqui, esse “alguém” é você – apenas faça. Não receba disso o preenchimento que o ego procura. Você pode até receber, mas, com a recompensa, você recebe também a punição, e essa recompensa não representa a Real Felicidade.
No ego, você está numa prisão que não tem porta. Curiosamente, você nunca entrou lá, mas não pode sair. Paradoxalmente, você não está lá, mas ela está aí – é uma prisão.
Seja simples quanto a isso e veja o que o pensamento fala sobre você e veja que isso não é verdade: está baseado na imaginação. Viva com as implicações disso, assumindo a verdade do que surgir. Deu certo? Ok, e daí? Deu errado? Ok, e daí? O público gostou? Ok, e daí? O público não gostou? Ok, e daí? Alguém está comprando o meu produto? Ok, e daí? A maioria não quer saber do meu produto? Ok, e daí? Tive apoio, ajuda e muita cooperação? Ok, e daí? Ninguém apoiou, deu tudo errado, não foi para frente? Ok, e daí?
Assuma as implicações do que estiver acontecendo, mas não se coloque como alguém nessa experiência, porque senão você vai ter que voltar para a primeira parte da fala, para a recompensa e a punição. Vai voltar para descobrir que não vale a pena viver no ego. Está vendo como eu pinto o quadro com as minhas palavras, mas quem precisa ver o quadro é você com a sua experiência? É sempre você com a sua própria experiência.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 21 de novembro de 2020, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Sofrimento é resistência à Vida

Nós estamos aqui trabalhando a questão da mente e o seu movimento. Afinal, o que é a mente? Como ela se movimenta aí? A pergunta é se você está consciente de si mesmo verdadeiramente. Quando você explora essa questão, você vê o quanto está disperso. A identificação com a mente é o estado comum, então você nunca está, de verdade, consciente de si mesmo, de suas ações, pensamentos, sentimentos e reações.
É muito importante, fundamental, que você consiga ver isso, pois, de outra forma, você se manterá preso numa cadeia psicológica. A mente egoica é uma prisão! O paradoxo dessa situação é que essa é uma prisão imaginária para um prisioneiro imaginário, mas essa prisão se mostra muito real, com um prisioneiro muito vivo dentro dela.
Então, há sempre tensão, há sempre uma ou outra forma de conflito. Na verdade, o conflito com o outro, com o mundo, é o conflito consigo mesmo. Então, há muita tensão, há muito medo do qual você nem mesmo tem consciência. Existe sempre alguma forma de resistência, uma reação inconsciente, um conflito sempre presente, ansiedade, medo, estresse... O sofrimento é o que temos de mais comum na mente, e é isso que eu acabo de chamar de tensão. Há muita tensão!
Aqui, o ponto é que a mente é “muito esperta”, e ela é contra a Vida. No fundo, ela sabe que não existe espaço para ela na Vida, na Vida como Ela é, como Ela se mostra, então, de uma certa forma, ela é contra a Vida, e tenta se proteger Dela. Com esse sentido de autoproteção, ela cria essa tensão que se manifesta como resistência, como conflito, como ansiedade, como medo, como toda forma de imaginação negativa. Então, há essa coisa “esperta” da mente, um movimento bem ladino, bem astucioso, de autoproteção, o que, na verdade, é um movimento contra a Vida como Ela é. Ela sabe que não há espaço para ela, então ela tenta se proteger.
Eu arriscaria dizer que você vive assim em 98% do seu dia, e que apenas 2% fica fora disso, sendo bem generoso. Assim, 98% do seu dia é de completa identificação com todo e qualquer movimento psicológico, que significa um movimento de crenças que se colocam de uma forma astuciosa, esperta, contra a Vida. É assim que a mente egoica funciona! Eu fui generoso em dizer que você tem 2% de algum nível de percepção, de consciência, que não é de todo verdade, e essa inconsciência representa ausência de Paz, de Inteligência, de Liberdade, de Felicidade, de Amor.
Esse peso de crenças psicológicas que a mente egoica sustenta é uma total dispersão de energia. A mente vive em dualidade, vive vendo o mundo e ela mesma como coisas distintas e separadas – ela se vê sendo o sujeito, e o mundo ou o outro sendo o objeto. Não há verdade nessa memória psicológica que se baseia em crenças, produzindo constante conflito, problemas inumeráveis de toda ordem, de todo tipo. Tudo isso se mantém no campo da inconsciência. Apenas 2% de energia está sendo usada de uma forma prática na sua vida, enquanto que 98% está envolvida com esse falso “eu”, com essa falsa entidade que você acredita ser, vivendo em conflito, em resistência, em medo, em desejo, contra a Vida.
Então, o que falta? Na verdade, não há falta; é uma questão de sobra! O que você traz em Si não está sendo utilizado, porque você não tem consciência Disso. Você não tem consciência da Consciência que traz, da Consciência que Você é! Então, você está nessa dispersão psicológica, nessa memória psicológica, mantendo essa personalidade, esse “senso de pessoa”.
A minha ênfase está em você descobrir a beleza da Meditação. Meditação significa o abandono desse centro falso, desse falso “eu”, dessa falsa identidade, dessa “pessoa” que você acredita ser. Então, quando essa personalidade – que é esse prisioneiro numa prisão imaginária – não mais se movimenta, ela não é mais mantida, porque não existe mais essa crença, essa memória psicológica, essa energia dispersa psicologicamente em atividades orientadas pela imaginação.
Quando você descobre a inutilidade desse movimento de pensamentos, desse movimento de imagens que o pensamento cria o tempo todo, com relação ao passado e ao futuro, o que nada mais é do que imaginação, a sua energia fica disponível para o Silêncio, para a Consciência, para a Inteligência. Haverá uma memória funcional, naturalmente, mas essa memória psicológica não tem mais razão para existir. Esse é meu convite para você em Satsang, um convite ao Silêncio, à Consciência, à Inteligência. Aqui, o tempo e o espaço não são mais necessários, pensamentos não são mais necessários.
O pensamento é uma disfunção! Essa é uma grande descoberta no Despertar, na Realização. A mente egoica faz uso do pensamento porque é tudo o que ela tem, mas isso é uma disfunção, uma espécie de doença crônica. Você, em seu Ser, não precisa da mente egoica, não precisa dessa memória psicológica. Existe uma memória funcional, e ela é natural. A lembrança faz parte dessa memória funcional. Mas essa lembrança psicológica, como a de um trauma, por exemplo, que lugar ela tem? Isso é uma disfunção, não é natural. Essa memória traumática, essa dor psicológica da memória, como a culpa, o medo, a ansiedade, o desejo, tudo isso faz parte dessa disfunção. Não há mais razão para isso na Consciência, em seu Estado de Pura Inteligência, em seu Estado Real, em seu Estado Natural.
Sofrimento é parte disso, e você não nasceu para sofrer. O propósito do seu nascimento é descobrir a Realidade, a Verdade do seu Próprio Ser, Daquilo em Você que não nasce e, portanto, não morre. Você nasce para descobrir que não nasce! Você nasce para descobrir que não morre! Você nasce para viver como Pura Consciência! Essa Consciência, esse Silêncio, essa Verdade, não está no tempo, não faz parte do espaço, não faz parte dessa resistência, desse conflito, desse movimento astucioso, capcioso, “esperto”, que a mente egoica tem contra a Vida. Essa Consciência, essa Inteligência, é o fundo, é a base, é o background, que sustenta tudo!
Então, quando você não está mais preso a um ponto de vista pessoal, você se torna naturalmente eficiente, há uma energia econômica aí. Antes, essa energia estava dispersa, estava envolvida nessas atividades da egoidentidade – medo, desejo, escolha, imaginação, antecipação, memória psicológica –, mas isso agora não está mais presente. Interessante isso tudo, não?
Então, no momento que eu o convido para esse Silêncio, estou convidando-o para essa Inteligência, para essa Liberdade, que é a Liberdade de viver fora dessa prisão. Agora há pouco falei da prisão para um prisioneiro imaginário... Nessa prisão, há uma batalha constante, uma luta constante. Você não é economicamente eficiente vivendo assim. Essa é uma maneira estúpida de se viver! Eu tenho chamado isso de “mente miserável”, pois isso é viver em miséria. Viver fora da Consciência significa viver fora da Verdade, fora do Amor, fora de Deus, fora da Sanidade. Isso interessa a você ou não? Será que isso é algo que é importante para você ou não?
Repare nas pessoas: elas não estão bem. Nenhuma pessoa está bem! Viver nesse “sentido de pessoa” é conflito, é sofrimento. Você precisa olhar para dentro de si mesmo e descartar por completo essa astúcia, essa “esperteza” de ser contra a Vida como Ela é; olhar para dentro de si mesmo e se livrar desse movimento egoico. Essa “esperteza” é estupidez, essa resistência é pura ignorância! Olhar para dentro de si mesmo e se livrar disso é fundamental, de outra forma você estará sempre dando as boas-vindas ao nervosismo, ao estresse, a ansiedade, às preocupações, a essa ou aquela forma de sofrimento.
No momento em que você percebe que não está vivendo mais nesse falso centro, nessa falsa identidade, você percebe com clareza que a Vida começa a tomar o lugar dela, sem qualquer esforço da sua parte. Para todas as direções que você olha, a Vida tem o movimento Dela. Você não está mais nessa indisposição contra a Vida, então percebe que está tudo no lugar, e o sofrimento termina aí. Percebem a beleza disso? Você está relaxado, em seu Estado Natural, não está tenso. É sempre na mente egoica que existe essa tensão.
Conhecer a Si mesmo não é psicologicamente entender a si próprio, mas saber que não existe alguém presente na experiência. Não existe um prisioneiro, não existe uma prisão, não existe por que pensar, não existe por que viver nessa disfunção, nessa ignorância, nessa desordem interna. Eu tenho falado muito sobre a importância de compreender a Si mesmo, mas não é se compreender como “pessoa”, é se compreender fora da “pessoa”. A abordagem comum é: “Conheça a si mesmo”. A minha é: “Desaprenda tudo sobre si, tudo que você aprendeu sobre si mesmo”.
A sociedade, o mundo à sua volta, é um belíssimo espelho – como as pessoas sentem, se movem, fazem as coisas, pensam, falam, desejam, o que elas procuram, para onde elas caminham... Olhe para esse espelho! Perceba que elas estão confusas, e o que você está vendo é só o reflexo de si mesmo. A sociedade é o espelho onde você se vê. Como “pessoa”, é assim que você se move no mundo. A sociedade é a sua face, é o seu rosto. Então, como não é possível fugir da sociedade, o melhor aqui é tomar ciência e encarar esse espelho, olhar para ele. Quando você olha para ele, você consegue ver o que se passa aí dentro de você – suas reações, suas lembranças, suas memórias, seu modo de sentir, de pensar, de acreditar, de viver.
É necessário ir além disso, além da sociedade, dar a si mesmo a oportunidade de sair dessa condição, dessa medíocre condição. Descubra a real cura para essa doença crônica, essa doença congênita, só então você poderá descobrir o que significa uma vida em Alegria, em Liberdade, uma vida sem resistência, uma vida que é a expressão do Divino, da Verdade.
Você não nasceu para sofrer! O sofrimento é resistência, é estar contra aquilo que a Vida representa. Você é a mesma Presença, a mesma Consciência que é a Vida, não pode estar em conflito. Se está em conflito, ele se baseia nessa resistência, a qual está nessa atitude da mente egoica, nessa ignorância, nessa condição de doença congênita.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 29 de janeiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Apenas há clareza quando não há sofrimento

Satsang representa o fim da confusão, dessa confusão psicológica, interna, que é a causa do sofrimento. Aquilo que nós chamamos de ignorância é essa confusão. Não é a ignorância da falta de um conhecimento específico, e sim no sentido da falta da Compreensão direta da Verdade sobre Si mesmo.
Neste mundo, hoje mais do que nunca, todos têm acesso ao conhecimento, mas conhecimento não é garantia de Felicidade. Aquele conhecimento que é adquirido não pode ser Real. Tudo o que você adquire, você pode perder. Você pode ter um grande conhecimento, que adquiriu ao longo dos anos, mas, se levar uma forte pancada na cabeça, uma determinada parte do cérebro será danificada e aquele conhecimento não estará mais aí disponível.
Quando falamos do Real Conhecimento, estamos falando da Compreensão da Verdade, e isso não é um conhecimento que se adquire, portanto não é um conhecimento que você possa perder. Assim, esse encontro representa algo muito importante para sua vida: a possibilidade do fim da confusão, da ignorância.
Se você é um cientista, não está em melhor condição do que um trabalhador braçal, do que um ajudante de pedreiro ou um camponês. Essa ignorância, que é essa confusão, é comum a todos. Não importa se você tem uma pós-graduação, se é um PHD, pois, se há sofrimento, é sinal de que existe ignorância presente. Compreende?
Isso significa que aquilo que você chama de conhecimento, de preparação para a vida, é algo completamente inútil do ponto de vista da Real Felicidade, porque toda essa preparação não elimina a confusão.
O Real Conhecimento é a Real Inteligência, e Isso não se adquire nem se perde. Mesmo que o cérebro de quem vive essa Inteligência sofra alguma avaria, essa Verdade continuará presente, essa Compreensão permanecerá.
Eu não sei se estou enfatizando de forma suficiente para você a importância de um encontro como esse, o valor de estar em Satsang, porque aqui nós tratamos dessa Realização Divina, dessa Realização da Verdade, do Despertar Disso.
Esse Conhecimento depende de quão profundamente você compreende a questão da relação entre esse sujeito que você acredita ser e o mundo em que você acredita estar vivendo. Em outras palavras, Isso depende muito da compreensão do sofrimento, porque toda relação desse sujeito com o mundo à sua volta é confusa, e se sustenta, em boa parte do tempo, com representações de dor, de sofrimento. Não há Alegria, não há Paz, não há Liberdade. Assim, é fundamental compreender essa questão do sofrimento, não como um conceito, uma ideia, mas de uma forma direta.
Eu estou falando com você hoje sobre o fim da confusão. O que você fizer a partir desse estado de confusão não lhe proporcionará Liberdade, apenas alimentará ainda mais esse estado. Não há Liberdade a partir da confusão! Então, é necessário render, entregar o sofrimento, e isso significa ver essa relação direta entre o sujeito que você acredita ser e o mundo no qual ele acredita estar vivendo.
Essa direta percepção do sofrimento é o fim dele, porque não há mais confusão e você não se coloca mais para agir. Repare que estamos indicando para você algo muito raro nesse mundo – não tomar nenhuma atitude, nenhuma ação, não assumir nenhuma postura, nenhum comportamento até que haja clareza, até que você possa ver a confusão em que essa falsa identidade, que é “você”, está se envolvendo nesse seu mundo imaginário.
Se isso não puder ser visto, não haverá clareza; sem clareza, a confusão permanece e, na confusão, você toma atitudes e faz coisas pelas quais, é claro, você responderá. Então, você tem que compreender o que é rendição, o que é entrega, o que é a renúncia desse sofrimento. Se você renuncia esse sofrimento, renuncia a essa ilusão, à ilusão do “eu”. Apenas há clareza quando não há sofrimento, e se você está sofrendo, então todas as teorias não servem para nada. A real rendição significa deixar toda a imaginação, todas as ideias, deixar tudo isso ir. Assim, a energia que antes estava disponível para a imaginação, para as ideias, sustentando o sofrimento dessa falsa identidade, agora está disponível para a Liberdade, o desprendimento, o desapego. O ego não sabe nada de renúncia! Ego vive sustentando crenças, certezas absolutas; ele é arrogante.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 08 de janeiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

O mundo não é o responsável por sua confusão

Todos procuram a Liberdade, a Paz, mas o próprio pensamento e o sentimento que eles têm sobre quem eles são, sobre o que a Vida é, sobre o que o outro é, é o que os impede de viver nessa Paz, nessa Liberdade. Aquele que se sente nessa Liberdade, nessa Paz, é exatamente aquele que não pensa – não pensa estar vivendo, não acredita estar vivendo. Aquele que não se sente nessa Paz e nessa Liberdade não pode saber o que é a Felicidade, porque ele pensa e sente como uma entidade separada, como alguém que controla tudo, ou deseja controlar tudo, mas não pode. No fundo, você sabe que não pode, e mesmo assim insiste. No fundo, você sabe que os seus pensamentos são interpretações sobre a vida, sobre o mundo, sobre o outro, sobre quem você é, e esses pensamentos o aborrecem, o entristecem, o ferem, o magoam, o fazem sofrer.
Sem investigar a natureza desse que pensa e sente, você se mantém perturbado, naturalmente confuso. Assim, o que prevalece é sofrimento. Não há Paz nesse estado! A sua guerra é o que produz o conflito em que você vive, e não o que está acontecendo externamente. Todo sofrimento é uma autoprojeção, é algo que está acontecendo dentro de você. Não é o mundo, não é a vida, não é o outro o responsável por sua confusão e, portanto, pelo seu sofrimento, por essa guerra e conflito em que você se encontra. É necessário remover esses obstáculos, e é o pensamento que os sustenta.
O sentimento é algo muito ligado ao pensamento, algo que se encontra dentro de uma grande limitação. Você se confunde com isso, se identifica com isso, se perde nisso. É sobre isso que temos falado com você. As ações que você toma são baseadas nas impressões que o pensamento causa, impulsionadas pelo sentimento estreito e limitado, ligado ao pensamento. Portanto, suas ações nascem dessa confusão e produzem mais conflito, mais guerra, mais sofrimento.
Uma vez confuso, você deveria parar e observar o que se passa aí dentro. Não deveria tomar nenhuma ação ou fazer qualquer coisa até que houvesse clareza. Mas não pode haver clareza quando se está confuso, não se pode agir inteligentemente quando se está perturbado. Isso explica por que há tanto sofrimento no mundo. Você se vê como uma pessoa capaz de resolver os problemas que a sua própria mente está criando, capaz de se livrar da confusão que, de uma forma inadvertida, você se envolveu. Tudo isso está acontecendo dentro de você! Por mais que você tente se livrar, você não consegue, porque sua ação nasce da confusão e, se ela nasce da confusão, sua busca para se livrar disso não é verdadeira.
Você não sabe o que é Liberdade para poder encontrar Isso buscando. Mas, na mente, você projeta se livrar disso fazendo alguma coisa. Nessa confusão, você se mete a fazer e se envolve com isso. É evidente que, se você não sabe o que é Liberdade… o que você pode fazer? Apenas fugir! Então, a sua ação é para se livrar do desconforto, da situação em que a mente, em que o seu próprio pensamento e sentimento o colocou – o que é uma característica muito presente nessa falsa identidade, nesse ego. Então, você se encontra sofrendo, confuso, em guerra, em conflito, buscando... Não a Liberdade, porque você não sabe o que é Liberdade, mas alguma coisa para aliviar essa dor. No entanto, o que quer que você faça não vai resolver.
Assim, você passa dos 20 anos de idade, vive mais 20 anos, mais 40 anos, mais 60 anos, e depois você morre, mas continua na mesma condição. Não há Felicidade, não há Amor, não há Paz, não há Inteligência, porque o que prevalece é a confusão, é a identificação com o que o pensamento produz, com o que o sentimento produz – você acredita nas coisas que eles dizem. Isso se confirma vez após vez, por evidências externas. Tudo o que a mente egoica sabe fazer é se confirmar, fazendo com que o mundo, o que acontece, pareça muito real. Isso é um velho truque do ego, um velho truque da “pessoa”, para continuar vivendo sua história.
Então, a coisa acertada é ficar quieto, se liberar de todo esse conteúdo, de todo esse peso interno, de toda essa confusão, mas você não pode. Apenas uma ação da Graça Divina, uma ação da Verdade, pode pôr fim à ilusão, e isso acontece quando você para. Precisa ficar quieto, precisa descobrir o que significa estar verdadeiramente quieto. Sua mente está colocando você em estados. Você é aquele em que todos esses pensamentos e sentimentos surgem, mas o seu hábito é se confundir com isso, é acreditar nisso, é preservar isso.
Você é algo além do pensamento e do sentimento, além da confusão, portanto além do sofrimento, da guerra e do conflito que surgem em razão disso. Mas você não se conhece, nada sabe sobre si mesmo, não conhece a Verdade de sua Natureza Real. Existem atividades internas criando essa agitação. O corpo está agitado, a mente está agitada, os sentimentos estão agitados... você está agitado! Você está se confundindo com o corpo, com a mente, então não há Consciência. Quanto mais consciente você se torna, mais fica claro que você não é isso. Na razão direta dessa inconsciência, maior é a confusão, mais a ilusão se estabelece como sendo verdadeira.
Então, uma ação Divina, uma ação da Graça, que surge dessa Quietude, se faz necessária para que haja maior Consciência, até que essa Consciência se torne absoluta e o conflito termine, a ilusão desapareça, a guerra não esteja mais aí dentro de você. Então, não haverá mais sofrimento. Permanecer nessa Luz de pura Consciência, que se assenta nessa Quietude por uma ação da Graça Divina, traz o reconhecimento da Verdade sobre quem Você é. Estar ali significa uma vida livre de sofrimento, uma vida livre dessa egoidentidade, com toda a confusão que ela produz. Você não tem referência disso à sua volta. Você vive e convive todos os seus dias com pessoas, e a primeira e mais importante pessoa é a mais difícil com quem você tem que lidar – essa pessoa é você! A pessoa número um na sua vida é a mais confusa.
O meu convite é para que você descubra a Verdade sobre quem é Você. Enquanto essa Verdade não se estabelece, o que não é Você prevalece, e isso sofre, sim, as consequências do que sente, das atitudes que toma, das ações que pratica... Sofre as consequências de acreditar ser “alguém”. É necessária uma profunda investigação e uma grande entrega à Verdade de que você não é o corpo, de que você não é a mente, para depois você dizer: “Não sou eu que faço. Não estou fazendo nada, não há alguém aqui para fazer.” Enquanto isso não se estabelece de uma forma real, isso é puro engano. Ainda é a mente egoica tentando se passar pela Verdade.
Participante: O que mais quero é conseguir essa desidentificação com esse falso “eu”, mas como conseguir isso?
Mestre Gualberto: Não é possível. Não se trata de algo que você irá conseguir; se trata de algo que você irá assumir. Você assume Isso quando há Consciência. Se não há Consciência, todo e qualquer esforço para alcançar Isso é apenas ainda o movimento desse falso “eu”. Na verdade, o que ele está buscando é se livrar de desconfortos momentâneos. Realização, essa Compreensão da Verdade sobre si mesmo, é a morte dessa condição de “identidade presente”, dessa “pessoa” que o pensamento dentro da sua cabeça tenta reafirmar o tempo inteiro, trazendo o senso de um “eu” presente, de “alguém” sentindo, pensando, fazendo, resolvendo…
É preciso que a gente compreenda isso sem o intelecto, porque, no intelecto, a gente fica dentro da dualidade. A gente pode desenvolver, intelectualmente, toda forma de crença sobre isso, falar sobre dualidade, sobre não dualidade, repetir frases inteiras, falas, palestras, ou muitas coisas que foram lidas em livros, mas, mesmo assim, isso não representará absolutamente nada. Por isso, o meu convite sempre será para essa Quietude, para esse Silêncio, para esse Descobrimento, dentro da pura Visão da Consciência, que é a Meditação. Só então será possível estar além dessa dualidade, dessa identificação “eu sou o corpo” e também da crença “eu não sou o corpo”.
Tudo o que você precisa é descobrir o que é estar Consciente e permanecer nessa Consciência. Há uma Presença Divina imutável e Ela se mantém apesar do que o pensamento e o sentimento estejam produzindo. Aqui, a questão é que vocês se identificam com o que o pensamento produz e não tomam ciência Disso que está presente e que não se altera nunca. Essa Presença é sua Verdadeira Natureza. Tomar ciência disso é essencial, é fundamental! O toque da Graça torna isso possível. É necessário se abrir para Isso, estar aberto e receptivo para Isso e, assim, descobrir o que estamos dizendo aqui.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 04 de janeiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Tome ciência de suas ações, reações e resistências

Satsang é uma oportunidade para você olhar para dentro, para aquilo que se passa aí. Na mente, há muita confusão – esse é o estado comum da “pessoa”. Você não está consciente de suas ações, reações e resistências presentes. É muito importante você ver suas resistências, de outra forma você se mantém na prisão, na cadeia da resistência. Ver as suas reações é a única oportunidade de se libertar delas, de outra forma você continua preso a elas.
Quando suas ações nascem dessas reações, elas são ações de um prisioneiro, e um prisioneiro não age com liberdade. No momento em que vê isso, você está fora disso. Somente quando está realmente fora dessas ações reativas, dessas reações psicológicas e dessa resistência, você se depara consigo mesmo em absoluta Liberdade.
Por isso, é muito importante estar em Satsang. Aqui, você pode investigar isso e ir além dessa mente egoica. Esse momento chamado “Satsang” é primoroso, é muito valioso, de muita importância! Aqui, tudo cai, tudo se dissolve, tudo desaparece! Não existe mais tensão, nem conflito ou medo, apenas Silêncio, Verdade, Inteligência, Liberdade... Liberdade é a coisa mais importante!
Não há Liberdade quando você está preso. Quando preso, você age como um prisioneiro. Assim são suas ações e reações dentro dessa resistência da velha identidade que você acredita ser. A natureza da mente é viver em conflito. Você tem toda forma de problema, toda forma de sofrimento. Você não pode resolver os problemas porque, na mente, você é o problema. Você se mantém preso a isso.
O que é importante aqui é você perceber que o que estamos dizendo procede totalmente. Ações, reações e resistências: o antigo e velho movimento da mente egoica. A vida na mente é contradição – você sente uma coisa, pensa outra, diz outra e faz uma outra coisa totalmente diferente de tudo isso. É ou não é assim? Não há Lucidez, não há Clareza, não há Liberdade.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 25 de janeiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O estado humano comum não é natural

A pergunta que as pessoas se fazem é "como vai, tudo bem?" Por que será que as pessoas fazem esse tipo de pergunta umas às outras? Todos sabem por que isso é perguntado: você nunca sabe como aquela pessoa, que estava tão bem ontem, vai estar hoje; ou, que estava tão bem há dez minutos, vai estar agora, depois que se passaram dez minutos. Por que isso acontece? Porque aquilo que nós chamamos de “consciência humana” são estados mutáveis de emoções, sentimentos e pensamentos. É assim que o ser humano vive. Essa tem sido a nossa experiência comum.
Mas eu quero questionar isso. Isso é algo essencialmente humano do ponto de vista comum, mas não é essencialmente humano do ponto de vista Real. Tudo o que sabemos é como ser um ser humano comum, mas nada sabemos sobre como ser um ser humano Natural. Então, do ponto de vista comum nós perguntamos: "E aí, tudo bem? Como vai?" Mas você não precisa perguntar, basta olhar para o rosto da pessoa que você já tem uma leitura: ela está irritada, estressada, aborrecida, triste... Isso na melhor das hipóteses, porque ela pode estar muito pior! Não é assim?
Com você é assim também? Não conhece alguém assim? Dentro do seu círculo de amizade comum, as pessoas não são assim? Então, esse é o estado humano comum, não é o Estado Natural. O Estado Natural humano é não dual, de plena Consciência; é um Estado livre do “eu”.
Participante: Mestre, o “eu” e o medo são uma coisa só?".
Marcos Gualberto: Não só o “eu” e o medo são uma coisa só, mas o “eu” e o conflito, o “eu” e o sofrimento, o “eu” e o desejo, o “eu” e a inconsciência. Basicamente o que é esse “eu”? O que é que você chama de “eu” quando você fala de si mesmo ou de si mesma? Repare que esse “eu” uma hora é tristeza, outra hora é euforia, outra hora é arrependimento, conflito, medo... A gente não separa nunca esse “eu” dessa experiência emocional, sentimental, ou dessa experiência de pensamento.
Então, quando nós perguntamos "como vai você?", o que estamos querendo saber é “em que estado nesse momento você se encontra?” É como dizer: “Está com raiva? Está triste? Chateada comigo? Com o mundo? Com você mesma?” A gente só, educadamente, diz “e aí, como vai?”, mas o que estamos perguntando é isso. Estamos perguntando “que espécie de ‘eu’ você tem agora para me mostrar?” “Qual é o ‘eu’ que está presente no momento?” Não é isso?
Você que tem namorada ou namorado, ou vive num relacionamento mais próximo com alguém, sabe bem do que eu estou dizendo. Uma hora essa pessoa sorri, faz juras de amor. Dez minutos depois, ela está beliscando você, porque está cheia de pensamentos imaginários sobre traição, sobre estar sendo traída ou sobre a possibilidade de vir a ser traída. Então o ciúme toma posse daquele corpo, daqueles olhinhos bonitos, daquele rostinho meigo e, agora, ela parece o próprio demônio, possuída pelo ciúme. Não é isso?
Então com que “eu” estou tratando nesse momento? Numa relação com outra pessoa, você estranha o quanto ela muda, mas não percebe o quanto você muda, porque você tem vários “eus” também: uma hora é o “eu-conflito”, outra hora é o “eu-raiva”, o “eu-medo”, o “eu-desejo”, o “eu-…”, e por aí vai. Tem o “eu-amor” e o “eu-ódio”; o “eu” que ama e o “eu” que odeia. Você nunca é um só! Isso é fácil observar. Dificil é observar isso em si mesmo, mas no outro é muito fácil. Em si é que está a complicação. É fácil perceber que o outro é louco ou que está à beira da loucura. Então, do que tratamos em Satsang? Tratamos do Estado Natural humano, e não do estado comum da humanidade. Nós investigamos o estado comum da humanidade, mas não apontamos para ele como um real objetivo de vida, de existência. Nós estamos apontando para a não dualidade. Sabe o que significa não dualidade? Significa “não dois”. “Eu-amor” e “eu-ódio”; “eu-alegria” e “eu-tristeza” – isso é dualidade! “Eu e o outro”, “eu e o mundo”, “eu e o sofrimento”, “eu e o desejo”, e por aí vai – isso é dualidade!
Estamos falando da não dualidade, desse sentido de Realidade fora da mente, que é como um senso de conexão com a Vida. Então, essa ilusão de ser uma testemunha desaparece, a ilusão de ser “alguém” numa relação com o mundo desaparece – isso é não dualidade! Na não dualidade, você não vê o mundo – o mundo e você desaparecem. Você não vê uma montanha, não há “você” e não há montanha; ou só há a montanha, mas não tem “você”. Não tem “você e o mundo”. O mundo está presente, mas sem o sentido de um “eu” separado, e, quando não há essa separação, não há medo, não há o “eu-medo”. Quando não há essa separação, não há “eu” e a inveja, porque não existe objeto de desejo. Não há “eu e o controle”, então não há “eu e o ciúme”, porque não existe o medo de perder, o medo de não dominar, o medo de não controlar, que é o que sustenta a inveja, o ciúme, todos esses estados internos mentais conflituosos, infelizes e complicados dessa dualidade.
Estamos juntos até aqui? Percebem isso em vocês mesmos ou apenas no mundo em volta, no outro? É o outro que é assim? Você não vê isso em você? Esse sentido de dualidade, esse sentido de separação, esse desejo de fugir, de punir, de se vingar? Esse desejo de se proteger ou de não sofrer? Isso é sofrimento, isso é conflito. Não desejar sofrer já é sofrimento. Há um grande conflito nesse desejo de escapar do sofrimento. Percebam que é sempre o “eu” com esse perfil, é ele carregando esse perfil. Sem o sentido do “eu”, só há a montanha, não há “eu e a montanha”. Sem o sentido do “eu”, não existe o amigo do outro lado nem o inimigo. Não existe aquele de quem “eu” gosto e aquele de quem “eu” não gosto. Compreendem isso? Compreendem que gostar de pessoas é como não gostar de pessoas? O problema está presente.
A raiz de todo sofrimento humano está na ignorância dessa simples e direta Verdade – a Verdade de que não há dois. Só há essa Consciência em toda parte! Alguns sábios chamaram essa Consciência de Deus. A única Realidade, a única Verdade presente em toda a manifestação, em toda existência, em toda parte! Só há Deus! Não existe “você e Ele”.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 13 de janeiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Desidentifique-se do corpo e da mente

Nesses encontros, nosso grande objetivo, nosso grande propósito, é nos voltarmos para o Coração, nos voltarmos para dentro. Estamos tratando de Algo que já está presente como nosso próprio Ser. Não é alguma coisa que vai chegar; é Algo que já está presente. Portanto, nosso propósito é entrar em contato direto com Aquilo que somos, agora mesmo, aqui, neste instante. Quando falamos da Natureza da Consciência, da Natureza do Ser, estamos tratando de Algo sempre presente. A mente está sempre procurando novas experiências, novas sensações, mas seu Ser não é uma experiência nova, nem é uma sensação nova. Seu Ser é essa Realidade presente!
Nós passamos uma vida inteira alimentando e sustentando essa falsa identidade, que é quem está sempre buscando, procurando, tentando encontrar algo novo. A mente faz isso em razão da sua insatisfação. A natureza da mente é se afastar do Coração, Daquilo que está presente agora, aqui, neste instante. Todo nosso interesse, em Satsang, está em constatar Aquilo que somos, entrar em contato diretamente com Aquilo que somos neste instante, neste momento presente. A mente tem construído o tempo. Ela se move nele. Assim, ela está sempre buscando experiências e sensações. Quando você faz isso, você se identifica com o corpo e com a mente.
A base de toda miséria humana é essa identificação com o corpo, a ilusão de uma identidade presente dentro do corpo. Se você é alguém dentro do corpo, está preso à noção de tempo e espaço, vivendo na procura de experiências e sensações. Toda a sua vida gira em torno dessa ideia central: a ideia de que você é uma pessoa.
Em uma certa manhã, um homem esteve diante de Ramana Maharshi. Ele era um missionário e também professor de inglês. Ao entrar e se prostrar diante do Mestre, ele estava em grande tristeza, porque havia perdido o seu filho na guerra. Naquele momento, ele perguntou ao Mestre: “Afinal, qual é o meio de se obter essa libertação da dor?”. Ramana olhou para ele, se manteve em silêncio por alguns minutos, e respondeu: “Toda sua tristeza está apenas na sua mente”. Ramana lhe disse que toda aquela dor estava sendo criada pelo pensamento. O Mestre lhe disse: “Sua tristeza é só o seu pensamento; a sua Natureza Verdadeira é Paz”. E continuou: “O seu remédio é investigar, dentro de sua própria Natureza, quem é Você. É porque o pensamento diz que o seu filho não existe mais que você sente tristeza. Se no pensamento você ainda acreditasse que ele está vivo, você não sentiria nenhuma tristeza”.
Ramana também lhe contou uma história, que eu vou contar para você aqui. É a história de dois jovens que saíram juntos numa peregrinação. Eles chegaram numa aldeia, no norte da Índia, e um deles morreu. Aquele que ficou vivo arrumou um emprego e começou a trabalhar. Depois de um certo tempo, ele decidiu voltar para sua cidade, mas, nesse intervalo, ele conheceu alguém, um outro peregrino que estava voltando antes dele para sua cidade. Então, ele pediu para o peregrino avisar à família daquele seu amigo que ele havia morrido. Assim, o peregrino transmitiu as notícias, mas, ao fazer isso, trocou o nome dos rapazes. Como resultado, os parentes e amigos do falecido estavam contentes, porque acreditavam que ele estava vivo, enquanto o pessoal do peregrino vivo estava pesaroso e muito triste, todos chorando, pensando que esse tinha morrido. A notícia foi trocada!
Então, Ramana lhe contou isso, e é isso que estamos falando com você nesse encontro aqui, em Satsang: enquanto você se identifica com a ideia da pessoa que você acredita ser, todo o seu mundo gira em torno de pensamentos. Identificado com o corpo e com a mente, você é uma pessoa no mundo – um mundo de crenças, conceitos, conclusões, opiniões. Esse é o sentido de escravidão, o sentido de uma egoidentidade.
A Iluminação, ou o Despertar, ou Realização de Deus, é o definitivo rompimento com essa crença “eu sou alguém” – alguém que tem família, parentes e amigos. Na mente, você sempre vive no medo de perder o que tem, e o que você tem só existe na sua cabeça. Esse é o seu mundo! O que eu estou dizendo em Satsang, todos os dias, é que Você já é a Paz, já é a Liberdade, já é a Felicidade, mas somente quando não tem nada. Quando você não tem nada, Você é a Felicidade! Quando você tem alguma coisa, você é miserável.
Seu sentido de pessoa é tão miserável que projeta miséria para além da vida do corpo. Vocês esperam morrer e ir para um “outro lado”, se encontrar com seus medos, desejos e apegos, encontrar algumas pessoas que estão “do lado de lá”. O medo é a base da mente. Em razão do medo, a mente tem criado todo tipo de vinculação com coisas, pessoas, lugares... Esse é o estado miserável da pessoa, desse “mim”, desse ego.
Você precisa “morrer” para tudo isso, “morrer” para a pessoa que você acredita ser, e “morrer” para todas as coisas que você acredita que tem, o que significa parar de buscar experiências e sensações. A Paz, a Liberdade, o Amor, a Felicidade está aqui e agora quando você não está, quando a sua mente não está, quando essas imagens na sua cabeça não estão mais aí. Então, de fato, você “morre”, o seu mundo desaparece. Agora, Você está além da vida e da morte, além da ilusão de que um dia nasceu e de que um dia vai morrer. Você é esse Espaço que nunca se agita, esse Espaço que não se move.
Você aqui tem uma sala e pode movimentar os móveis dentro dela. Você pode criar agitação de objetos dentro dessa sala, mas o espaço dela não se move. Quando você Realiza a Verdade sobre Si Mesmo, Você é esse Espaço que não se move. Todos os seus parentes, um dia, irão morrer. Um dia, todas as coisas que você tem, você perderá. Quando você perde o próprio corpo, você perde tudo! Quando, fisicamente, seu corpo vai para a sepultura, você perde tudo, instantaneamente, imediatamente, de uma vez só. Mas agora você sabe que não é o corpo, e como você não é o corpo, você não perde nada. Isso é Realização! Jesus chamava Isso de “nascer no Reino de Deus”. Um dia, ele disse: “Aquele que crê em minhas palavras nunca morrerá!”. Se você também confiar em minhas palavras, nesse momento você poderá ir além da ilusão dessa “pessoa”. Nesse Despertar, nessa Realização, você nasce de novo!
*Transcrito de uma fala ocorrida em 28 de junho de 2017, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Viva como a flor de lótus

É importante que você faça suas descobertas. O que eu posso lhe dar aqui são indicações sobre o que você irá descobrir dentro deste trabalho. Essas indicações são, na verdade, revelações do que você precisa descobrir por si mesmo. A flor de lótus nos dá o exemplo: suas folhas vivem na água, ela bebe dessa água, retira vida dela, retira beleza dela, mas a água não a toca. Ela está no lago, mas a flor, em si, está na superfície da água. Quando a chuva vem e cai sobre ela, as gotas rolam para o lago, e a flor continua na superfície, não é tocada pela água. A flor de lótus se livra da água quando ela tenta tocá-la.
Você também precisa se tornar consciente da realidade do seu mundo. Você vive nesse mundo, sua vida física está nesse mundo, que é um mundo de pensamentos. O pensamento tem produzido isso tudo à sua volta! Sua existência física e sua história, como criatura humana, vão acontecer em mais um ano. O seu ambiente, como aparente entidade individual, é essa vida humana. O ambiente da flor de lótus é o lago, mas ela não é tocada pela água, ou, quando é tocada, a água não permanece em cima dela – ela rola e volta para o lago. Então, ela sempre está seca, livre da água, mesmo vivendo dentro d’água. Da mesma forma, embora essa existência física e psicofísica esteja nesse mundo, a sua Natureza Verdadeira não é desse mundo!
O que eu posso lhe adiantar é que, dentro deste trabalho, a descoberta que você fará é a de que o pensamento não é o instrumento, não é o alimento, não é a verdade de que você precisa. Ele jamais será um instrumento capaz de ajudá-lo a viver em harmonia com a vida! Ele não é o instrumento da Vida, ele não irá lhe ajudar a viver em Paz, em Verdade. O pensamento é algo caótico, contraditório, imaginativo, é algo fora da Realidade. Ele não trata da Realidade, mas da imaginação, da contradição, dos fenômenos. Se a sua vida permanecer assentada no pensamento, você será uma flor de lótus sufocada pela água. Mas não é assim que acontece com a flor de lótus, pois ela não se deixa sufocar pela água. Se o nível da água sobe, ela o acompanha, sobe com ele. Ela não aceita viver submersa. Nesse mundo, as pessoas são como uma flor de lótus, mas estão submersas na água, sufocadas por ela.
A minha ênfase é sempre nessa questão do pensamento, e por quê? Porque eu percebo que você passa a maior parte do tempo ocupado com pensamentos, e eles levam você para uma relação de “flor submersa na água”, o afastam da Realidade, porque o colocam no mundo, nesse “mundo da água”, que é o mundo da mente. Se está ocupado com o que o pensamento produz – e é com isso que a mente egoica se ocupa –, você está vivendo no ego, e não em sua Natureza Divina. O pensamento é algo morto, não toca a Realidade.
O pensamento fala de um Espírito, de uma Consciência, de um Deus, de uma Vida, de uma Imortalidade, de uma Inteligência, de um Amor, de uma Paz que ele não conhece. Ele não conhece, porque ele está morto! No pensamento, você está submerso numa identificação com um personagem, com esse personagem que você acredita ser, o qual odeia, ama, sente falta, necessidade, sofre, deseja… Não é isso, não? Eu estou errado? Mostre para mim uma lembrança que não seja uma fotografia do passado. Nunca notou que é impossível você trazer uma lembrança que não seja uma fotografia do passado? E, se é uma foto, não é a Realidade, é uma impressão de memória. O pensamento é algo morto! Suas relações não estão vivas, porque todas elas estão baseadas na memória.
Há quem fale da importância de se construir um mundo correto pelos pensamentos corretos, de realizar o que você deseja, desejando a coisa correta. Você precisa estar atento para ter discernimento. O ser humano é muito ingênuo! Ele se deixa convencer pelo que escuta e convence outros sem uma investigação mais acurada, mais verdadeira, mais honesta. Você não irá construir o mundo fazendo uso do pensamento, o mundo já está pronto! O que puderam fazer pelo mundo já o fizeram, e o que alguns precisam ainda fazer no mundo, irão fazer, sonhando da forma que estão.
Quando vem a Satsang, você é convidado a parar de sonhar, a deixar o mundo em paz. O mundo deixará de ser construído ou de se reafirmar vez após vez? Não. O pensamento sempre estará construindo o mundo; ele só não precisa do seu pensamento, de mais um nesse contexto de sonho, se vendo como uma entidade separada, capaz de controlar e fazer as coisas. Um Buda é aquele que vê o jogo e, para ele, isso é apenas uma brincadeira. Ele não está dentro do jogo.
Como eu disse agora há pouco, o pensamento é algo morto, não pode tocar a Realidade. Ele é aquele que cria os problemas e vai em busca da solução para eles. O pensamento traz ideias a você sobre como o mundo deveria ser, e você pode ficar dentro desse jogo, tentando construir um mundo diferente do que você está vendo, acreditando, como uma entidade separada, estar no controle, ser capaz de gerenciar e corrigir a vida, construindo o que você deseja, como se isso pudesse lhe trazer harmonia, paz e felicidade, como se isso tivesse base dentro da Realidade da Consciência, da Realidade do Ser. Não! Pensamentos são contraditórios, dualistas, problemáticos, imaginativos...
O planeta não está em perigo! O mundo não precisa de ajuda! Você, sim, está em perigo, já que não pode ver, ouvir, lidar com o pensamento como ele é, com os sentimentos como eles são, com as emoções como elas se apresentam. Você é o perigo, um perigo para si mesmo, e isso é estar fora da Realidade. O perigo é estar fora da Realidade, é ser infeliz, é ser “alguém”.
Desses quase 8 bilhões do planeta, quantos vocês acreditam que amanhecem no primeiro dia de um novo ano, como este de 2021, e já se deparam com algo assim? Quantos são advertidos ou chamados para Isso? Eu não estou lhe desejando um ano novo, eu estou chamando a sua atenção para a Vida, sem toda essa coisa velha, morta, que é a vida no pensamento. Há algo em você além do tempo, além do espaço, anterior a toda essa manifestação chamada “mundo”, a toda essa criação, a tudo isso que o pensamento tem produzido. Há algo anterior a tudo isso! Anterior ao corpo, à mente, à história, ao pensamento... Aquela flor de lótus vive na água, bebe da água, está dentro d’água, mas quando você joga água sobre ela, a água rola. Quando você compreende o que eu estou dizendo, de verdade, nada mais pode permanecer.
Krishna diz na Bhagavad Gita para Arjuna: “O mundo em mim não permanece.” Há um outro momento em que Krishna também diz: “Não se impressione com minhas palavras, é Aquilo que Eu Sou que importa”. Na Índia, eles chamam a Visão Daquilo que Você é de Realização de Deus, que é quando há a Compreensão de que Você é o princípio de toda a manifestação, a única Realidade, e não há mais a prisão do pensamento.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 01 de janeiro de 2021, num retiro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

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