quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Meditação: um completo esvaziamento

Meditação é um completo esvaziamento de todo peso, de todo esse grande conteúdo de coisas que a pessoa precisa ter para “ser alguém”, do acúmulo de tudo que você já leu, ouviu, estudou e viveu, de tudo aquilo que está na memória desse mecanismo, nas próprias células do cérebro, que faz você dizer “eu sou fulano”, “eu sou Carlos”, “eu sou José”, “eu sou Maria”, “eu sou Pedro”, “eu sou o Marcos”, algo do qual você nunca se desliga. A Meditação é o varrer de tudo isso, é o esvaziamento de todo esse conteúdo! Ela chega nesse “eu” e vai além dele.
Meditação não é uma prática de dez dias, ou uma prática diária de duas horas pela manhã e à noite. A Real Meditação encontra esse espaço de investigação da natureza ilusória desse “eu sou fulano”. Ela tem que encontrar esse espaço completamente livre desse “eu sou fulano de tal”, “eu sou vascaíno”, “eu sou palmeirense”, “eu sou petista”, “eu sou...” Então, a autoinvestigação está presente quando o espaço está inteiramente livre. A autoinvestigação não é acompanhar uma fala como esta e acreditar que está investigando isso, pois esta é somente mais uma fala.
Depois de escutar muitas falas como esta, ler muitos livros sobre o assunto, você pode até fazer uma bela fala, se for um bom orador. Você pode conhecer isso tecnicamente, de uma forma perfeita, movimentar isso com uma precisão extraordinária, mas ouvir falas sobre isso não é autoinvestigação.
A autoinvestigação é observação, a observação do movimento do “eu sou fulano”, e isso não é para dez dias ou para um final de semana, ou para duas horas pela manhã e à noite. Ela está presente a cada momento! É como você escuta o som à sua volta, qualquer que seja ele. Pode ser o canto de pássaros em meio à natureza (algo que a mente adora) ou o grito de um marido machista, mandatário, opressor, gritando no ouvido da mulher, ou uma mulher gritando no ouvido do marido. Meditação é ouvir isso e não fugir! Saber ouvir isso, estar diante do desagradável sem internalizar isso, sem se confundir com “alguém” presente dentro dessa experiência, sentindo-se ferido, magoado, triste, com raiva ou medo, isso é Meditação! Ao ouvir, ver, assentar-se, caminhar, na hora de comer, ir ao banheiro, momento a momento... Isso é trazer atenção para Aquilo que é anterior mesmo ao sentimento “eu sou”.
Assim, é possível a Constatação da Realidade Última, desta Verdade que não tem nome, forma, cor, sabor, cheiro; que nunca nasceu e, portanto, não conhece dia de nascimento nem festa de aniversário. Você não pode continuar se segurando “nesse lado”. Sabe do que eu estou falando? Do lado onde a aparição é tudo que você conhece. Haverá a interrupção disso, num dia chamado “dia da morte”, mas não há por que ter medo. Claro, não há como conhecer o Desconhecido. A Meditação é o Desconhecido e você não vai conhecê-La. A Meditação é a Presença sem forma, sem nome, sem cor, sem sabor. Quando a Meditação está, não tem o conhecido, não tem esse “eu sou fulano”, “eu sou José”. Você tem que estar disposto a deixar a história do personagem marido, filho, mãe, pai, e isso significa um rompimento completo com o conhecido. Repito: não é para saber o que é o Desconhecido, pois você jamais saberá o que Ele é! Você jamais conhecerá o Desconhecido! Esse Constatar é a ausência desse que constata; o Real Conhecer é a ausência do “conhecedor”; a Real Experiência é a ausência do “experimentador”. A Vida é o Desconhecido. A expressão “Jnana”, tão conhecida na Índia, nós traduzimos como “Conhecimento”, que é esse puro Conhecer sem o “conhecedor”. Assim, Meditação é se aproximar deste “Eu”. Agora, trazendo isso para mais perto, para o nosso viver, para o nosso dia a dia. Você diz: “Eu sou o Carlos”. Corte esse “Carlos”, corte esse nome com sua história, aí fica “eu sou”. Corte o sentimento “sou” agora, aqui, e, então, fica o “eu”. O que é esse “eu”? Esse “eu” desaparece... Pronto! É isso!
Ou você fica com isso ou fica agarrado aos seus problemas. Aqui cada um tem um drama. Pergunte ao vizinho aí do lado que ele vai dizer que tem. Em algum nível, tem. Ou você fica agarrado a esse drama ou você vai trabalhando isso. O ego vai ficar ressentido. Ele vai dizer: “Você não está sendo cuidadoso, não está dando a atenção devida a isso”. Isso porque o ego quer consertar as coisas. Você tem que perceber isso em você. Eu sei, porque eu vivi isso no passado, eu vi isso também. Houve um tempo em que também havia dramas aqui, os quais estavam no mesmo pé desses que você tem hoje. Você acredita que os dramas são seus e fica tentando consertá-los, mas isso não tem conserto, porque isso é cármico, é destino, já está traçado. A única coisa que você pode e precisa fazer é se desidentificar dessa coisa.
Compreendem? É isso! Qual é a diferença do Osho, Ramana ou Krishnamurti para você? Nenhuma! Eles apenas deixaram de se importar com a história em volta deles. Eles se importaram por tanto tempo que um dia perceberam que não tinham mais como ficar presos a isso, porque era ridículo! Numa fala de alguns minutos, estou resumindo para vocês aqui, diretamente. É isso mesmo que eu quis dizer o tempo todo com essas palavras tão bonitinhas, que não servem para nada também. A única coisa certa que vocês estão fazendo agora é estar aqui, e não tem mais nada que possam fazer a não ser ouvir isso.
*Transcrito a partir de uma fala em um encontro no Ramanashram Gualberto na cidade de Campos do Jordão – SP; em Março de 2019 – Acesse a nossa agenda e se programe para estar conosco: http://mestregualberto.com/agenda/agenda-satsang.

sábado, 7 de dezembro de 2019

Você é anterior ao sentimento "eu sou"

Você traz consigo um sentimento, que é o do “eu sou”. Ele está presente sempre, 24 horas por dia, mas você precisa voltar a sua atenção para Aquilo que é anterior a ele. Se o seu interesse é descobrir a Verdade sobre você mesmo, precisa descobrir Aquilo que é anterior até ao próprio sentimento “eu sou”, que está presente e o acompanha o tempo todo, em todas as horas do dia.
Para você, “eu sou o João”, “ele é Pedro”, “ela é Maria”… Isso é uma nomeação desse “eu sou”, desse sentimento “eu sou”, é uma crença que o pensamento criou sobre Aquilo que nós somos. Você permanece anterior a esse sentimento e anterior a essa nomeação. Então, aqui temos duas coisas: a primeira é o sentimento “eu sou” presente, o qual todos carregam e é algo sempre presente aqui e agora. A segunda coisa é a história sobre esse “eu sou”, que recebe um nome quando o corpo aparece nesse cenário. Assim, são duas coisas das quais vocês precisam se livrar, porque não tem nenhuma verdade nisso, tem somente a relativa “verdade” de uma aparição, mas nada disso é Você.
Você precisa dar atenção Àquilo que é anterior a essas aparições. Esse “eu sou João”, “eu sou Maria”, é só um nome com uma forma no tempo e no espaço. Aquilo que é anterior a esse “eu sou” é anônimo, não tem nome, forma, cor, substância aparente, porque é anterior a tudo. Aqui, a questão é que você tem se confundido com “eu sou João”, ou “eu sou Pedro”, ou “eu sou Maria”. Você tem confundido uma aparição (com um nome, uma forma e uma cor) com Aquilo que não tem nome, forma ou cor, e que não é uma aparição.
Você precisa descobrir o que Você é. Antes desse “eu sou”, Você é! Isso não tem passado, presente e futuro, não tem história. Todo seu problema é esse: “eu sou Maria”, “eu sou João”, “eu sou Carlos”... A sua atenção está naquilo que é aparente. Assim, você tem um dia de nascimento, o qual comemora todos os anos — e faz muita questão disso —, porque isso confirma sua identidade no tempo. Você gosta de se lembrar do seu aniversário porque isso diz “eu sou José” e dá continuidade à sua história no tempo, à pessoa que você acredita ser, confundindo-se com o corpo.
Nós vivemos em um mundo onde isso é muito importante. A aparição é muito importante! Quando um nome, uma forma e uma história são importantes, a ideia da morte também se torna muito importante. Esse é um outro aspecto da ilusão desse sentido do “eu sou”. Repito: esse sentido do “eu sou” se vê confirmado pela presença do corpo, localizado em determinado espaço, vivendo em um determinado momento. Assim, há um espaço regional para essa identidade que supostamente você é e um tempo no qual essa identidade supostamente vive. Esse tempo é a história e esse espaço é o corpo no mundo, num determinado país, numa determinada cidade, cercado por um certo número de pessoas e objetos, que têm formas, nomes, cores, assim como você tem uma forma, um nome e uma cor. Esse é o sentimento “eu sou”.
Dá-se muita importância a esse “eu sou” no corpo. Você se lembra muito da morte quando se ocupa com a ideia de que nasceu um dia. Você está validando o tempo todo a ideia “eu sou” quando olha para o corpo e o coloca nesse espaço, que é o lugar onde você acredita que está vivendo (cidade, país, planeta), e no tempo, quando valoriza a história e aqueles que fazem parte dela (família, vizinhos, amigos). Assim, você permanece constantemente procurando uma confirmação de que está vivo — esse é um outro aspecto desse “eu sou”, na crença “sou alguém”. Não é possível a Verdade sobre Você, enquanto você sustentar essa ideia de estar vivo (“eu sou o corpo”).
A Realização, Despertar, Iluminação, representa essa anônima Presença, que é sem forma, nome, cor, cheiro, tempo (sem história), mundo (sem espaço). Enquanto você se sentir patriota, carioca, nordestino, americano, inglês, ou seja, sentir-se regional no espaço, no mundo, ou enquanto estiver se sentindo como homem ou mulher, atrelando esse “eu sou”, que é somente o sentimento de presença aqui e agora, à crença “estou no corpo”, você se sentirá sujeito ao nascimento e à morte.
Assim, qual é o seu trabalho aqui? Assumir a Verdade sobre sua Natureza! Em sua Natureza Verdadeira, Você não está na história, porque Você é anterior a esse “eu sou”, ao próprio sentimento que você carrega durante 24 horas por dia. “Eu sou”, reparem, não é a última Realidade, ainda não é a Verdade, a Realidade Absoluta, mas é o que você tem de mais próximo e prático para se aproximar dessa Realidade Absoluta.
"Assim, qual é o seu trabalho aqui? Assumir a Verdade sobre sua Natureza! Em sua Natureza Verdadeira, Você não está na história, porque Você é anterior a esse 'eu sou'."
Então, resuma! Pegue o “eu sou João” e corte a palavra “João”, e fique com o “eu sou”. Agora, corte o “sou” e fique com o “Eu” ‒ um “Eu” sem definição. Esse “Eu” não tem sexo, não tem corpo, não tem mente, não está no mundo… é somente “Eu”. Qual é a Natureza Real desse “Eu”? Esse “Eu” não tem definição, porque não é “eu sou João”, “eu estou aqui”, “eu sou alguém”, é somente “Eu”. Esse “Eu” não nasceu, não tem nome, não tem país. É o puro “Eu”! Esse “Eu” é o que ficou ainda mais próximo de nossa Natureza Real, dessa anônima e indefinível Presença.
Na Índia, eles chamam de “Parabrahman”, “Atman”, “Deus”, Aquilo que é anônimo, que não tem forma, não tem cor, não tem cheiro. A Última Realidade! “Eu” sem nenhum pensamento, sentimento, emoção e sensação associados. Esse “Eu sou” se resume a esse “Eu”, que também desaparece. Deus desaparece, Parabrahman desaparece, Atman desaparece. São somente nomes, tudo isso desaparece, assim como quando um filme que você está assistindo termina.
O que acontece? Você está no cinema assistindo a um filme, a luz do ambiente está apagada, toda luz que você tem é aquela projetada na tela, e nessa tela você tem as aparições. Quando o filme termina, com as aparições, que são os personagens do filme, as suas cenas de drama, terror, comédia ou ação se apagam na tela. A tela continua, mas não há luz sobre a tela, como se ela houvesse se apagado, mas tivesse uma luz própria. Quando a luz da tela se apaga, os personagens, as imagens, as ações amedrontadoras do terror desaparecem, assim como as ações românticas, as cenas amorosas e as ações dinâmicas da ação, de combate, luta. Quando você olha para a tela, é como se ela também tivesse desaparecido, toda luz que tornava isso possível desapareceu.
Despertar, Realização da Verdade, Iluminação, ou qualquer que seja o nome dado para Isso, é o fim da história. Essa história nunca teve início, mas ela pode aparentemente terminar, e ela precisa terminar. Assim, tudo aquilo que você tem feito para dar continuidade a esse movimento de imagens, para se confirmar, dia após dia, como “alguém”, com esse sentido de “eu sou fulano”, “eu sou João”, “eu sou pai”, “eu sou mãe”, “eu sou filho”, “eu sou”, está carregado de histórias, de apegos, desejos, vinculado a meras projeções do pensamento. Você afirma que nasceu numa determinada cultura, sob certo regime político e religioso, e passa a vida toda agarrado a isso: “Eu sou democrata”, “eu sou católico”, “eu sou protestante”, “eu sou do PT”, “eu sou do PMDB”, “eu sou socialista”, “eu sou ...”.
O que mais podemos dizer sobre isso? Quantos anos você tem? A que partido você pertence? Qual é a sua religião? Você é nordestino ou é sulista? Reparem como isso é forte, como o condicionamento do sentido do “eu sou” é forte. Observe o quanto você está saturado disso! Isso porque essas crenças criam todo tipo de preocupação, aflição e sofrimento. Você precisa de muita coisa para se estabilizar na crença “eu sou alguém”. Você precisa viver todos os seus dias, durante 24 horas de cada dia, ligado a esse sentimento “eu sou”, defendendo isso e brigando por isso. Puro condicionamento!
*Transcrito a partir de uma fala em um encontro no Ramanashram Gualberto na cidade de Campos do Jordão, em Março de 2018 – Acesse a nossa agenda e se programe para estar conosco: http://mestregualberto.com/agenda/agenda-satsang.

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