terça-feira, 25 de maio de 2021

Realizar Deus não é se espiritualizar

Há uma diferença entre Realizar Deus e se espiritualizar. O mundo é todo espiritualizado, mas apenas alguns poucos Realizaram Deus.

Quando vem ao meu encontro, você vem se deparar com a visão do Sábio, que é a visão da Realidade. Não é algo especial, é algo simplesmente natural. Aqui, eu não ensino e você não aprende; eu lhe aponto a Realização de Deus.

Um encontro desse nível aqui, em que você se afasta temporariamente do seu mundo, é uma bela oportunidade para você descobrir algo, e não para aprender. A Realização de Deus vem pela descoberta e a espiritualização vem pelo aprendizado, por isso é muito fácil se espiritualizar e nada fácil Realizar Deus.

“Mestre, eu gosto muito de ouvi-lo, porque percebo muita verdade no que você diz, e você se coloca de uma forma muito inteligente”. Você está fazendo errado, você está aprendendo. Não é para aprender, é para descobrir.

Ouvir nesse formato é uma forma acadêmica de se ouvir. Você passou a vida inteira ouvindo pessoas inteligentes lhe ensinando alguma coisa – daí o interesse de ouvir uma fala como essa. Isso tem que ser corrigido aí dentro de você, porque isso não tem nada a ver com a naturalidade, mas com a artificialidade cultural, e Realizar Deus se trata de descobrir, se trata do natural.

Acompanhe a exatidão de uma fala como essa, mas não se impressione com a beleza estética dela, porque você terminará aprendendo alguma coisa e o propósito não é esse. Eu poderia me sentar e escrever algo assim e alguém leria e ficaria encantado intelectualmente com essas palavras, mas isso não serve, porque não se trata de algo natural.

O descobrimento da Verdade se trata da constatação do simples, do natural, e isso é Sabedoria. Espiritualidade não cuida disso, ela cuida de condicionamento espiritual, daquilo que é espiritualmente aceito.

Eu não ensino você a comer, não digo “não coma isso, só coma aquilo...”, eu não dou regras dietéticas para você, eu não digo como você deve se vestir ou qual é o comportamento de ordem sexual que você deve ter, porque isso tudo é cultural e a espiritualidade já trata disso.

O aprendizado é para você ir nessa ou naquela direção; eu não trato disso, do certo e do errado. Você descobrirá o errado sofrendo. Eu não tenho nenhuma preocupação com que você aprenda o certo, pois eu sei que você vai descobrir o errado – o sofrimento vai lhe mostrar, essa é a forma natural de descobrir. Você saberá o que não é bom para você, mas não porque aprendeu o que é bom. Você saberá o que não é bom porque, se não for natural, você agirá de uma forma estúpida, tola, errada, e vai sofrer.

Então, eu posso tratar com você da Realização de Deus, mas não tenho nada para tratar com você sobre espiritualidade. Espiritualidade é uma coisa de afetação, uma coisa aprendida.

Ser é Consciência, Ser é Deus, e Deus é natural. Deus não se aprende, se descobre. Você passa muito tempo para descobrir Isso por ser espiritual e seguir regras culturais e sociais. Você pertence a que grupo? Aí, você diz “não, eu não pertenço ao grupo do PT, mas pertenço ao grupo LGBT” ou “eu sou do grupo dos heterossexuais”. Você não pertence a um grupo político, mas pertence a um grupo de comportamento sexual. Não é um político, mas é uma criatura sexual. Nada disso tem a ver com naturalidade.

Um bebê não é político nem sexual, um bebê é só um bebê. Ele não foi educado, ainda não se espiritualizou, não se socializou, então ele não pode ser um político nem uma criatura do grupo LGBT ou do grupo dos heterossexuais.

Isso não tem nada a ver com ser natural. Ser natural significa não pertencer a nenhum grupo. Enquanto, na sua cabeça, você estiver ligado a um grupo, a um estilo, você será um escravo. Então, você chega em Satsang e eu digo para você “aqui é para Despertar, para Realizar Deus”, mas você continua preso a essas fixações, a um sistema, a uma ideologia sexual, espiritual, política... Aí, você passa muito tempo perto de mim, mas ainda identificado com o corpo.

Sofrimento é ignorância, é um professor que ensina a partir do erro. Ouvir e observar a si mesmo é a forma para você não aprender com o sofrimento, não aprender com o erro. Você observa, descobre e sacrifica.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 26 de dezembro de 2020, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Livre-se do “apegado”

Você tem uma tendência de separar objetos de pensamentos, daí surge a preocupação de se livrar dos objetos. Essa ideia de se livrar dos objetos começa a ter uma valorização para você porque você acredita que, assim, estará se livrando dos apegos. Compreenda uma coisa: os objetos não nos causam problemas! Então, não se preocupe com eles, não tente se livrar daquilo a que você está apegado. Livre-se de “você”, e não daquilo. Livre-se dos pensamentos, e não dos objetos.

Os objetos não fazem mal a você; os pensamentos, sim. São os pensamentos sobre os objetos, lugares e pessoas que sustentam esse falso “eu”. O problema não é você com os seus apegos, o problema é só “você”! Não tem apegos se não tem “você”, e não tem como se livrar de apegos se “você” está aí. Você vai lutar até o final dos seus dias! Quando a mente disser que você se livrou de algo, ela terá adquirido uma outra coisa, então você sempre estará dentro desse jogo, e isso é típico do ego – ele não larga o osso.

A vida do ego está na busca de sensação – a mente egoica a imagina e usa os objetos para obtê-la. Não é você que está apegado às coisas, é a mente, esse “sentido de você”. Como você se confunde com a mente, ela passa a ser “você apegado”.

As pessoas têm medo de perder suas coisas porque “pessoa” é, basicamente, esse senso de falsa identidade que vive se sustentando em pensamentos sobre objetos, pessoas e lugares. Todos os seus apegos estão em cima disso. É claro que eu poderia acrescentar aqui sentimentos, sensações, emoções, imaginações... A tudo isso a mente está apegada; esses são os objetos dela.

Você só tem problema com objetos, sejam externos ou internos. Os objetos externos são a casa, o carro, o jardim, o quadro na parede, sua relação com o namorado, marido, filho, filha, parentes, os lugares que você ama frequentar, também os que você odeia, não quer estar lá, dos quais você foge... Tudo isso coloca você nessa dimensão de um falso “eu” vivendo suas experiências de apegos.

No entanto, isso está totalmente dentro da mente, não está do lado de fora! Na verdade, é a imagem do namorado, do marido, do filho, da filha, que você ama ou da qual sente raiva, então é o que está dentro de você! Portanto, não se trata de objetos externos, mas daquilo que a mente transforma numa fonte de identidade, nesse “gostar” e “não gostar”.

Então, seja internamente ou externamente, o seu problema é sempre uma relação equivocada com o que o pensamento está dizendo sobre aquilo, com o que o sentimento está reforçando sobre aquilo. Aqui é que está a vida dessa falsa identidade.

Você pergunta “como me libertar de certas coisas?”, como se você já tivesse se libertado de outras! Isso é uma falsa consideração que o ego faz: “Eu já me libertei de algumas coisas, falta eu me libertar de outras”. Isso é completamente falso, porque essas coisas não são o seu problema, o seu problema é “você”, sua relação equivocada com a sua experiência de pensar, sentir e se emocionar. Isso coloca você numa condição de interna desordem, de interna confusão, de interno sofrimento.

Tudo isso porque a mente está produzindo um senso de identidade nessas experiências de relação com o mundo externo e interno. O mundo interno é esse que ela imagina e o mundo externo é esse que ela interpreta.

Se você for para uma caverna, lá em uma daquelas montanhas do Himalaia, seu apego estará lá. Não importa se o seu apego é apenas a uma caneca que você usa para tomar água no riacho; não importa o tamanho, o valor do objeto, porque sua dificuldade não é com os objetos.

Você pode externamente, fisicamente, ter as coisas mais apreciadas, as quais alguém ou especialistas podem classificar como coisas muito valiosas, mas isso não faz de você uma “pessoa”, muito menos uma “pessoa” sofrendo, em conflito, em razão do apego. O “sentido de pessoa” em conflito em razão do apego nunca é determinado pelas coisas que o cercam, mas é determinado, sim, por você fazer do pensamento a sua experiência naquela relação.

Então, se a sua experiência está toda baseada no pensamento e nos valores que ele dá àquilo que está à sua volta, aí está o problema. Objetos são inofensivos e, aqui, objetos são pessoas, lugares, coisas, sentimentos, emoções, sensações e também pensamentos.

A etiqueta que o pensamento dá às experiências do próprio pensamento, da emoção, da sensação, dos objetos, o quanto de investimento de identidade a mente extrai dessas experiências, é o que determinada a dimensão desse falso centro, desse falso “eu”. O problema não são as coisas que você vê à sua volta – aquelas coisas que todos dizem que são suas. O problema está presente quando há o sentido interno de ser proprietário delas, de não poder deixá-las, de não poder perdê-las, de se imaginar em dor só em se ver sem elas.

Não se livre dos apegos, tome consciência da Liberdade da sua Natureza Essencial e, assim, o “sentido do apegado” desaparecerá, esse sentido de ser alguém possuindo, controlando, agarrado, enciumado, temeroso de perder, exclusivista, possessivo...

E por que eu uso a expressão “objetos” para pessoas, lugares e coisas? Porque para esse “senso de identidade separada” tudo são objetos. Tudo tem só um propósito para esse “senso de separação”: satisfação, preenchimento, realização em algum nível emocional, sentimental, psicológico, sexual e de diversas outras formas. Isso é o que eu chamo de objetivação: transformar toda experiência em um propósito de preenchimento, de realização, de satisfação.

É aqui que está o sentido de separação, de um “eu” separado, de uma entidade com problemas para viver e para morrer. Essa entidade não quer morrer, mas tem problemas em continuar viva. Ela vive em tortura e se vê assustada, apavorada, com a ideia de desaparecer.

Ego ama sofrimento porque isso lhe dá vida! A ausência disso representa, para esse sentido egoico, o fim de tudo; e ele está certo: é o fim de tudo! É o fim do sofredor, do possessivo, do dominador, do controlador, do enciumado, do ensimesmado, do que vê amigos e inimigos, do lutador, do que está lutando para vencer, lutando para realização de algo… não existe nada disso!

Você em seu ser não tem nada para realizar porque nada lhe falta, não tem nada para segurar porque você não precisa de alguma coisa para possuir, para controlar, para dominar, para ser dono. Como se revela essa Vida? Na Vida! Como não se revela essa Vida? Vivendo permanentemente dentro da sua cabeça, com um mundo todo engendrado pelo que o pensamento diz, escuta, traduz, interpreta, conclui, julga, compara, aceita, rejeita, imagina...

Sabedoria é o Despertar do seu Divino Estado de pura Consciência. Um Buda não pode mais ser tocado pelo sofrimento, uma vez que o sofrimento é resultado do apego. Você acaba de ter uma aula sobre o que é o apego! Agora você já sabe: tem a ver com esse seu modo particular de se deparar com a vida, não tem nada a ver com o que o destino tem produzido à sua volta.

Tudo surge em razão de uma destinação, o que é parte de um jogo misterioso dessa mesma Consciência, dessa mesma Presença Divina. A única coisa de que você precisa diante disso tudo é estar em seu Ser, assim você permanece livre de toda essa destinação, de todo problema que o pensamento constrói fazendo suas considerações, tentando agarrar e segurar as coisas e sofrendo por elas.

Você precisa de um novo cérebro, de um novo coração, de uma nova Alegria. Essa alegria que a mente conhece, baseada em experiências que ela mesma interpreta como satisfatórias e realizadoras, precisa desaparecer. A Meditação lhe dá uma Alegria que não é deste mundo! A Meditação lhe dá um novo cérebro, que não gira em torno de reatividade, de pensamentos, de sentimentos, de emoções. Isso é uma qualidade nova de ser!

É assim que têm vivido os Sábios em toda a história da humanidade. Eles carregam uma outra Alegria, então é muito simples descartar esse mundo, pois ele já não está aqui mais. Para aquele que está em seu Ser, para aquele que permanece em sua Vida Divina, o mundo é só um sonho, como aquele que você tem à noite.

Você precisa encontrar a Liberdade de “estar morto” para esse mundo antes da morte chegar. Um homem como Cristo, Buda, Ramana, Jiddu Krishnamurti, não tem mais nenhum valor nesse mundo, não faz parte desse mundo. Nesse mundo, o que prevalece é o medo, o desejo, a ignorância, a valorização de objetos, de pessoas, de coisas, de lugares, de sentimentos, de emoções, de sensações... Uma vez que você está além dessa identificação com o corpo e com a mente, nada mais pode segurá-lo nesse mundo. Game over, fim do jogo!

Então, você não fica livre dos objetos, mas da ilusão do sujeito. Você não fica livre do corpo, mas da crença “eu estou dentro deste corpo”. Você não fica livre da família, mas da ilusão de que você faz parte de uma sociedade, de uma cultura, de uma nação, de um planeta.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 12 de abril de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

O medo de deixar o conhecido

O problema de lidar com a questão da morte é basicamente o problema de lidar com a questão de perder. Você tem medo de aceitar a morte porque não aceita perder. É típico da mente egoica juntar. A sensação, no ego, é que quanto mais você tem, mais você é. É por isso que você fica se cercando de coisas, vivendo sempre na crença de possuir, porque quanto mais você possui, maior é o seu senso de identidade, o seu senso de vida.

Você não faz isso porque tem medo da morte, porque a morte, em si, você não sabe o que representa. Você quer se cercar de coisas porque quer “estar vivo” nessa experiência de ter coisas, de possuir. Então, você não tem medo do desconhecido, não tem medo de morrer; você tem medo de deixar o que tem. O seu medo é de perder, de ficar sem o que você tem, porque o que você tem, ou acredita ter, lhe confere vida.

Se você morrer, você vai deixar sua mulher para outro marido, os filhos para outro pai, vai deixar a casa, aquele seu objeto... você vai deixar muitas coisas! Sua vida psicológica está se sustentando em cima desses bens; você está apegado a eles.

Você diz “o medo do desconhecido gera pânico”. Não! Você não pode ter medo do que desconhece. O seu medo é de largar o que você conhece. Por exemplo, se eu disser para você “ali tem uma caverna e nós vamos entrar nela, mas tem uma coisa: não vamos poder sair. Se entrarmos, não sairemos mais”, você dirá para mim “não, eu tenho medo do desconhecido!”, mas isso não é verdade! Você tem medo de não ter mais o conhecido. Você não sabe o que tem lá dentro da caverna, mas sabe o que tem do lado de cá.

Então, escute isso: o seu medo é o apego a essa vida. O medo da morte não é da morte, em si; é o apego a essa vida. Os Sábios são unânimes quanto a isso: você precisa “morrer” antes da morte, ou seja, você precisa “perder a vida” antes de perder o corpo, antes de o coração parar de bater, de o cérebro parar de ter oxigênio, e isso significa que você precisa se livrar dessa “sua vida”. Se isso é feito, não há problema com a morte, porque ela é o desconhecido. Se você realiza Isso agora, você já está no Desconhecido, aí acaba o medo da morte.

Por que um Ser Realizado não tem medo de morrer? Porque ele já “morreu”! Não é simples? Se ele já “morreu”, está em contato com o Desconhecido, com o Inominável, o que está fora do tempo, fora da mente. Se você perguntar para mim o que é essa Vida, eu não sei. Agora, se você perguntar dessa “sua vidinha”, eu estou vendo o que ela é: confusão absoluta. Dessa eu sei falar, porque é o que eu vejo à minha volta.

Quando você descobre o que é essa Vida fora da mente, não fica ninguém para trazer um relatório, para achar bom ou achar ruim, para dizer que lá é assim ou é assado, que o Desconhecido é assado, cozido ou malpassado. Se é algo desconhecido, vai permanecer desconhecido.

Ninguém sabe o que é, de verdade, estar vivo ou morto. O que significa “alguém vivo” ou “alguém morto”? Isso é sempre do ponto de vista do que a mente vai descrever, sempre dentro do ponto de vista do conhecido, do tempo e do espaço. A Vida é o que se apresenta aqui, fora do tempo, mas, no tempo, a mente cria uma história e nessa história tem personagens. Então, ela diz: “Ah, eu sinto falta de fulano”.

Alguns personagens estão próximos, outras distantes, outros morreram e outros estão nascendo. Isso é só uma historinha, um sonho construído pelo pensamento. É dessa vida que você quer que eu fale? Dessa, eu sei falar. Agora, da Bliss, da Benção, da Graça, do Estado Natural, que é Sat-Chit-Ananda, que é Ser, Consciência, Felicidade, eu não sei falar, não. Eu sei viver Isso! Se você vive Isso, você não sabe falar Disso. Curiosamente, tem gente que não vive Isso e fala Disso, como se estivesse dizendo alguma verdade.

A Vida é o Mistério, é quando não há mais o senso do “eu”. Por isso que, quando alguém disse a Jesus “Mestre, eu também tenho um morto para enterrar, que é o meu pai”, ele disse “deixa que os outros mortos enterrem aquele morto. Teu caso é comigo. Vem e segue-me”. Ou seja, na visão de Jesus, tanto os que estavam sendo sepultados como os que estavam sepultando e chorando em volta do defunto estavam mortos.

Você está apegado a essa condição de “vida de morto” que você chama de “vida”, e é isso que você não quer deixar. A vida egoica é essa vida, uma vida em confusão, em conflito, em apego, em desejo, em medo. Então, o apego a essa vida é o apego a essa confusão que você chama de “vida real”.

Viver em Deus é viver fora do senso do “eu”. É esse “eu” que representa o seu mundo, um mundo específico, de sua imaginação, de sua criação, do seu desejo, do seu apego, do seu medo. Fora desse senso do “eu”, você está diante do Inominável, diante do Desconhecido. Não há medo aí, porque não há “eu”, não há mundo. É a Vida! Não é uma vida para você ter coisas, para viver experiências, para amar ou odiar, para ser feliz ou infeliz, para conquistar ou perder. O objetivo da Vida é a Vida! Não é o objetivo da Vida “se estar vivo”, porque se hoje se está vivo, amanhã se morre. O objetivo da Vida é a Vida!

*Transcrição de uma fala ocorrida em 16 de janeiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Não é o outro que o faz sofrer

Quando você tem raiva de alguém, isso não tem nada a ver com o outro; o outro não será atingido por suas flechas de raiva. Aqui, a ênfase sempre é essa falsa identidade, que cria um mundo e o faz girar em torno dela. Nada é como parece ser. Só parece que o outro está sendo atingido pelo seu julgamento, que você está sendo mau com ele, e isso, na verdade, só reafirma essa sua autoimagem, a imagem de alguém que não deveria fazer assim ou assado.

No fundo, quem está se autoafirmando, o tempo todo, de forma negativa ou positiva, tentando reverter o que fez, de acordo com sua própria vontade, a qual é puramente egocêntrica, é esse “senso de um eu”. É ele que carrega essa ideia de poder julgar, ferir, fazer mal ao outro ou sofrer por causa do outro, “porque ele está me fazendo mal”, o que dá no mesmo, porque ninguém o faz sofrer, assim como você não faz ninguém sofrer.

É muito interessante o que eu estou dizendo para você, porque uma hora você acha que pode fazer o outro sofrer e, no momento seguinte, você acha que o outro está o prejudicando de alguma forma, falando mal de você, fazendo isso ou aquilo, mas, se você está sofrendo, o caso é seu! Se é você quem está fazendo essa consideração interna, o problema é seu, nunca é do outro, em momento nenhum!

Como se livrar disso? Não se trata de se livrar disso, não se trata do desejo de se livrar, de querer se livrar. A dor está aí? Não tem problema. Tome ciência dessa dor e observe as imagens que giram em torno dela. Não faça nada, nem com essas imagens, nem com essa dor, e repentinamente você vai perceber que deu um salto para fora. Você diz “uau! Foi!”. É claro, a mente vai voltar, vai trazer de novo esse processo e vai se retroalimentar. Ela vai tentar fazer isso muitas vezes, porque esse é o vício, foi isso que você aprendeu desde criança – “eu tenho que me defender”, “eu tenho que me salvar”, “eu tenho que me livrar”, “eu não posso sofrer”, etc.

Todas as vezes em que a mente fizer isso, volte-se de novo para esse “Lugar”, onde não tem “alguém” – “alguém” para defender algo, para defender uma imagem, para evitar um prejuízo... Então, não se trata de fazer alguma coisa ou de se livrar de alguma coisa, mas de tomar ciência de que isso é apenas uma aparição que, se não for fortalecida, cai.

Mas como por detrás disso tem sempre um movimento idealista, filosófico ou espiritualista, um ideal de como você deveria ser – o que é outra imagem –, você fica tentando defender isso. Como? Reafirmando-se vez após vez, dizendo “eu quero me livrar”, “eu não posso sentir isso”, “eu não posso sentir aquilo”, “eu não devo agir assim”, “eu não devo agir assado”.

O que estamos fazendo sempre, com essa atitude, é preservando esse “eu”. Por isso que a gente muda do vício para a virtude, mas continua vivendo no ego. O benfeitor é um malfeitor travestido, não saiu do ego. É como se fizéssemos uma soma de nulidades. Somamos zero mais zero, aí encontramos dois, certo? Não, encontramos zero. Deixamos de ser viciados para sermos virtuosos: zero mais zero. Deixamos de ser malfeitores para sermos benfeitores: zero mais zero. Podemos também multiplicar, dividir ou subtrair: o resultado será sempre zero.

Então, qual é a Arte de ser Feliz? É deixar tudo no lugar, não se meter com nada, com ninguém, com coisa alguma. Fique com o que a Vida está lhe mostrando, porque é o que Deus está lhe mostrando, lhe dando, e pare de criar outra ideia sobre esse fato. O fato é esse, não crie outra ideia sobre isso, porque, quando você faz isso, fortalece o sentido de separação, de resistência, e não há Verdade aí.

O ego é tão safado que ele diz assim: “Eu não queria ver fulano sofrendo”. Ele atribui a si próprio a imagem de bonzinho, que não gostaria de ver o outro sofrendo, mas, na verdade, ele já está sofrendo, por inveja, por despeito, por qualquer coisa, porque o outro está fazendo algo que o contraria. Só que ele diz que está querendo o bem do outro. Está nada! Ele está internamente em conflito, em sofrimento, por várias razões, que ele nem sabe quais são, nem sabe o que está o fazendo sentir aquilo. No entanto, o ego vai justificar, para ele mesmo, que o que ele quer é o bem do outro; e não é. Isso é dependência.

Assim, você cria esse sofrimento todo nesse mundo de relações que você tem porque ele é baseado no ego, não é no Amor, não é na Verdade. O que existe é o desejo de ferir, de magoar, de ofender, de maltratar, de gerar culpa também, “já que eu estou sentindo, que o outro sinta também!” Vingança!

Mas, antes de ser uma vingança para o outro, isso é uma autovingança. Não é o outro que é atingido, não tem o outro lá sendo atingido, o outro está sendo atingido com a própria maluquice dele. Ele só pode ser atingido na proporção em que ele também vive isso. Em outras palavras, ninguém o fere e você a ninguém fere – é só você se ferindo.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 16 de janeiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 4 de maio de 2021

Não se esqueça do seu próprio rosto

A sua relação com o mundo à sua volta é muito importante, porque é o “espelho” que vai lhe mostrar como está o seu “rosto”. Eu quero convidá-lo a desistir dessa “pessoa” aí, então você desistirá conjuntamente do mau humor, do estresse, da raiva, da discriminação, do conflito interno, da rejeição, do controle, do apego, da fixação em objetos animados e inanimados.

É lindo esse convite para que você veja a Si mesmo livre desse falso “eu”, desse falso centro, porque assim você pode olhar o espelho e não ver nada a não ser o seu próprio Ser. De outra forma, você olha o espelho e vê uma bugiganga, uma tralha enorme que você carrega, que mais lhe dá complicação do que satisfação, mais aperreia você, como se diz aqui no Nordeste, do que o tranquiliza.

Quando você olha para o espelho e vê só o seu Ser, só há Alegria! Seu Ser é Alegria! Não há conflito, não há sofrimento em seu Ser, porque não há desejo, não há medo, não há apego, não há escolha, não há fixações. Em seu Ser, você está sempre no lugar certo; na sua mente, você está no lugar errado, na situação errada, nada flui, nada está bom, falta isso e aquilo, isso não está certo e aquilo tem que ser corrigido…

O que eu estou dizendo é que você é mais que a “personalidade”, a qual vive em restrições. Quando você se prende a essa identidade, é como se olhar no espelho e se ver cheio de tralhas, esquecendo-se do próprio rosto, de você ali, ocupando-se com esse espelho para ver o que está à sua volta, trazendo todo um peso.

Essa falsa identidade está olhando à sua volta e se ocupando com aquilo que não tem real importância, com aquilo que vai passar. Aquilo que está aqui e agora daqui a pouco não vai estar mais, porque tudo vai passar mesmo, tudo já está passando.

Então, você olha para tudo que está à sua volta e não consegue ver a Verdade, a Beleza, a Liberdade, o Amor, porque o seu olhar é o da “pessoa” para objetos; você está se identificando com esse personagem que está vivendo em restrições, e, com o passar do tempo, você vai vivendo mais e mais preso a essas fixações. Não há Liberdade.

Não existe nada de errado com o corpo ou com o mundo. Deixa eu enfatizar isso bem para não ficar obscuro aí: não existe nada de errado com o mundo à sua volta, mas você tem que olhar esse mundo à sua volta como quem olha um espelho. Quando você olha o espelho, você vê a si mesmo, não pode ficar vendo o que está em volta. Mas, na “personalidade”, você está focado no que está fora e esquecido do que está dentro; você está olhando para os objetos e esquecendo-se de Si mesmo nessa relação; você está esquecendo o seu próprio Ser, se confundindo com uma “pessoa”, com esse centro falso.

Na “pessoa”, nesse “sentido de personalidade”, você está buscando satisfação em objetos e isso é completamente incompatível com a Felicidade, porque não há satisfação de Felicidade em objetos. Felicidade é algo inerente ao seu Ser, não está no autopreenchimento com objetos.

Então, veja que tão logo você se identifica com imagens de si mesmo, numa relação comum, você fica preso a esse “sentido de pessoa” e vive nessa limitação. Confronte sua vida diária, confronte seu viver, confronte seu mundo de relações. Eu não estou dizendo “brigue com isso”, mas observe, dê atenção a isso, veja a restrição presente e solte-a. Tudo o que está à sua volta é só uma extensão da vida, mas tudo o que está à sua volta pode se tornar uma prisão para esse falso centro.

Hoje, tudo à minha volta é visto como uma extensão do meu Ser, não vejo como uma prisão para minha identidade. As coisas não são boas nem ruins nelas mesmas, o problema é o seu modo de fixação psicológica nisso.

O que eu digo a você é para ser livre em seu Ser, completamente livre! Não se identifique com nada ao seu redor. Isso é muito importante! A Verdade está dentro de você, não fora. A Beleza está dentro de você, não fora. Deus é a Verdade do seu Ser! Só quando você se identifica com a “personalidade” é que você vive em restrição, em limitação, entende? É preciso enfrentar o seu cotidiano sem restrições.

A Vida é apenas uma expressão para se jubilar, admirar, desfrutar. Use seu corpo e mente da maneira certa. É muito simples! Viver em Deus significa viver em Si mesmo, em Alegria, em Beleza! Esse é o seu Estado Real, o Estado de Bem-Aventurança, porque não há mais tristeza, não há mais dor psicológica. Essa é a minha mensagem, essas são as minhas palavras para você.

A personalidade pede uma segurança tremenda! Isso é viver com medo. Quando você está livre da “pessoa”, não há mais esforço e, agora, você conhece suas reais necessidades.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 28 de fevereiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sábado, 1 de maio de 2021

O problema não está nos objetos

Tudo que você faz “na pessoa” é fruto da ignorância, da mediocridade, da estupidez e da restrição. Tudo o que a “pessoa” adquire é para lhe dar problema, não é para lhe dar Paz. Você faz filhos para ter dificuldades em criá-los, educá-los; você arruma marido, namorado, para sofrer, sofrer a dor da separação, sofrer a dor da traição, sofrer a dor da rejeição. Tudo o que você faz no ego é para ser miserável!

Se você pegasse um caderno enorme, de muitas páginas, e escrevesse nele todas as alegrias e complicações que os objetos que você tem estão trazendo, você iria ver o que eu estou dizendo. Os objetos trazem mais problemas do que alegria, trazem mais preocupação do que conforto.

No entanto, isso tem sido mal interpretado, porque, na mente, você acredita que tem que se livrar do mundo. Eu quero deixar bem claro para você que o problema não está nos objetos, mas no sujeito, nesse sentido falso de um “eu” presente na experiência.

Por exemplo, parece uma coisa muito simples estar sentado no sofá da sua casa, mas você não percebe o quanto de medo você tem de que outro tome aquele lugar, de alguém literalmente se sentar no seu lugar. Você chega em casa, abre a porta e se depara com uma outra menina sentada no seu sofá, ou um outro rapaz, ou até o filho da vizinha sentado no seu sofá. Não é o seu filho sentado ali, é o filho da sua vizinha! Tem algum problema com o sofá? Não, mas você encontra uma mulher sentada no sofá da sua casa... “Quem é essa mulher? De onde ela veio? Mas esse é o meu sofá!”.

O problema não está no sofá, não está naquela mulher. Você não sabia, mas aquela mulher era irmã do seu marido, que você não conhecia, mas um milhão de coisas passaram na sua cabeça, até você entender que era só a irmã do seu marido que acabou de chegar para fazer uma visita. Até você entender isso, um sofrimento enorme já passou por aí!

Basta chegar a notícia de que alguém muito próximo e querido morreu para você imediatamente começar a sofrer. Mas, após 10 minutos, chega a notícia verdadeira: trocaram os nomes, não foi aquela pessoa que morreu, foi outra! Foram dez minutos de sofrimento por alguém que você acreditou ter morrido, mas que, na verdade, ainda está bem vivo!

Entende como a mente funciona? Então, o problema não são os objetos, não é o mundo à sua volta, não é aquela moça que se assentou no seu sofá, não é o sofá que você tem em casa, não é a casa, nem é o cachorro, nem o filho… Isso são só objetos sem nenhuma importância! É o seu ego que dá importância a isso.

É a personalidade que vive em restrições, que dá identidade à experiência. Então, você vive de mau humor, estressado, com raiva, chateado, angustiado, porque há uma exigência psicológica: a exigência da “pessoa” de que o mundo dela seja do jeito que ela deseja. Isso é viver “na pessoa”. Entende? Como você vai descobrir a Beleza assim? Se você quer descobrir a Beleza, a Verdade, o Amor e a Paz Real, você tem que se livrar da “pessoa”. Então, a vida é uma celebração, uma festa divina, um festejo sagrado. De outra forma, você não consegue viver.

Você precisa encontrar em seu Ser uma relação real com aquilo que está à sua volta, e você não tem isso quando a sua mente está fixada em objetos, quando você não compreende o medo de perder, quando você não aceita a liberdade de se livrar, quando você segura para controlar, quando você quer entender para, por exemplo, confiar – “Eu preciso entender o que o mestre diz para confiar nele”. Isso é o mesmo que dizer “eu preciso compreender o que a Vida representa para poder aceitá-La como Ela é”. Isso não é possível, mas é uma exigência da “pessoa”.

Aí, eu lhe pergunto: como será possível a Felicidade chegar? Quando isso acontecerá? Como a relação real com o Amor acontecerá, se Ele está fixado em objetos? O Amor é algo que está dentro de você, Ele não pode estar ligado a objetos. Se há algo ligado a objetos, isso não é Amor; é desejo, é apego.

Quando eu me deparei com meu Mestre, eu percebi que a coisa principal era confiar. Não era questionar, era confiar; não era duvidar, era confiar; não era discutir com ele, era confiar; porque Ele tinha um olhar que eu não tinha, um Silêncio que eu não tinha e uma Paz que eu não tinha – eu só tinha Isso quando estava perto Dele, com o coração voltado para Ele. Então, eu vi logo que não precisava entendê-Lo. Escutem isso com atenção. Ontem, eu ouvi alguém dizer aqui: “Tem hora que eu confio, tem hora que não”. Isso é algo que você tem que olhar dentro de você. Não tem nada a ver com o mundo externo, tem a ver com esse centro falso de “pessoa”, de “personalidade”, na qual você acredita.

É disso que você tem que duvidar, e não da Vida, e não do Guru, porque a Vida chegou antes de você. Você é só uma poeira! Sabe quando uma poeira se levanta? Para onde ela vai? Uma poeira se levanta e some! Você é uma poeira ao vento... A poeira se levanta e some, e o vento está lá. A Existência é o vento, você é a poeira. Você quer desconfiar, sendo uma poeira, do vento que você não pode controlar. Você, como a poeira que é, passa tão rápido e quer desconfiar do vento que está aí fazendo tudo do jeito dele.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 28 de fevereiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

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