terça-feira, 30 de novembro de 2021

O processo de criação do ego

Como se desenrola o processo de criação do ego, desse falso centro, dessa identidade ilusória? Aquilo que é chamado de ego é uma imaginação, uma ficção, no entanto é uma ficção bastante real dentro dos próprios termos dela, para ela, nela própria. Aquilo que acontece na mente é muito verdadeiro para ela. A mente recebe um nome, um corpo, os quais ela diz serem dela. Chega até a dizer que tem uma alma! Ela se vê como um indivíduo, como uma entidade separada das demais entidades que ela também imagina existir.

Isso vai se confirmando nas decisões, nas escolhas, nas ações, nas consequências das ações, sendo algumas boas, dando frutos prazerosos, outras ruins, dando frutos amargos, dolorosos, e a mente vai chegando à conclusão de que, de fato, ela existe agindo, falando, pensando e por aí vai.

Aqui nós nos deparamos com uma dificuldade. Ela é imaginária, mas como acabei de colocar, é muito real em seus próprios termos. Esse falso ser, essa falsa entidade, se vê com inteligência para discernir entre o que é falso e o que é verdadeiro. Para ela, falso é aquilo que não condiz com seus gostos, e verdadeiro é aquilo que condiz com seus gostos, suas predileções, suas escolhas. Então, se algo condiz com o que essa "pessoa" aprecia, é verdadeiro; se não condiz, é falso. Se algo quebra, destrói ou empobrece a "pessoa", então é falso, mas se enriquece, fortalece, estabelece ainda mais o que a "pessoa" acredita, é verdadeiro.

Essa é a barreira, porque isso falsifica qualquer coisa. Qualquer liberdade, paz, amor, tranquilidade ou felicidade é falsificado por isso. Então, a pessoa tem paz? Tem, falsa. Tem felicidade? Tem, falsa. Tem amor? Tem, falso. É inteligente? Sim, de forma falsa.

Aqui está a barreira, porque dá para se viver assim, todos vivem assim, alienados da Real Inteligência, da Real Felicidade, da Real Paz, do Real Deus, que é Aquilo que não pode ser falsificado. Não estou dizendo que a pessoa não tem Deus. Tem! Ela tem paz, por que ela não teria Deus? Mas, também, é o Deus que ela quer aceitar, é o Deus que ela gosta de apreciar, que está dentro do contexto, o Deus que concorda com ela.

Aí vem você e diz assim: "Como posso realizar realmente essa Paz Verdadeira, essa Felicidade Verdadeira, essa Liberdade Verdadeira se não há rendição?".

Sim, você está certo! O ego não se rende! E por que ele não se rende? Porque ele não precisa, ele já tem tudo! Ele não precisa se render, ele já tem tudo o que precisa para ser "alguém". É claro, alguém miserável, mas ele não se vê assim. Ele se vê inteligente, em paz e feliz, do modo dele.

E como ele se move? Basicamente, em conflito. Só que o conflito, para ele, já é o seu estado natural. Na verdade, é tão natural que ele se alimenta disso. Escute isso que eu estou dizendo para você. Você não pode pegar uma pessoa e levá-la para o paraíso, porque o paraíso será um inferno. Se você pegar o conflito (a pessoa) e colocar num espaço onde não há conflito, ele não vai ficar bem.

Então, a resistência é a base do ego, porque ele vive, basicamente, em conflito, algo que já se estabeleceu como o seu estado natural. Então, a maioria daqueles que vêm a Satsang não aprecia esse caminho, porque, nele, não tem como voltar para o seu antigo mundo. Esse é um caminho em que, a cada passo que você dá, o seu antigo mundo se dissolve e não se abre um novo.

Por isso que o Estado sem ego não é convidativo, porque Ele não lhe convida para alguma direção. É um convite ao caminho para o não caminho. Quanto mais você caminha, menos sente os pés e menor é o seu senso de direção, porque você não está indo a lugar algum.

O Estado sem ego não é um estado para se ver, se sentir, se realizar; é um não estado. Então, a maioria não pode apreciar Isso, precisa continuar no seu caminho, no caminho de ser "alguém", porque aqui é o caminho do não ser, aqui é o caminho da não guerra, do não conflito, da não pessoa.

É claro que esse conflito, essa guerra, essa pessoa é o sonho e, aqui, é preciso soltar o sonho, parar com a imaginação.

Como "pessoa", você não pode apreciar a Meditação, porque Ela é o fim da "pessoa". A "pessoa" não vai apreciar a Meditação, porque, Nela, a "pessoa" não está, não há mais o que aprender, o que saber, o que discutir, do que discordar ou concordar, não há mais a noção de falso ou verdadeiro. Como não há mais defesa de "direitos adquiridos", não existe mais medo do que é falso.

Você teme o que é falso quando tem "direitos adquiridos". Se você teme perder seus "direitos adquiridos", como, por exemplo, o "direito adquirido" de ser inteligente, isso lhe dá o medo de ser enganado, de poder ser enganado. Então, você tem algo a defender: a sua inteligência.

Esse "direito adquirido" de ser inteligente é só uma imagem que você tem de si mesmo. Quando há Real Inteligência, não há medo. Não existe nada falso para o Sábio. Para a Inteligência, não existe o que não seja Inteligência; para o que é Real, não existe algo que não seja Real.

Quando a Verdade clareia o que é chamado de falso, então não há mais nada falso. Ver o falso é a Verdade. Se você pode ver o falso, não há mais o falso, então não há medo, não há reatividade ao falso, e isso é Inteligência. Não há do que você se defender se você não tem inimigo, não há do que você se proteger se você não vê inimigo.

Não existe nada que seja falso se você está vendo a Verdade, então você não vai se proteger, nem sair correndo, nem se esconder. Isso é sinal de medo, de dúvida, o que é, basicamente, falta de Inteligência. Quando não há Inteligência, não se sabe o que é falso, porque não se vê, e, quando se vê, não há mais o falso.

Do que o ego tem medo? Dele próprio. Ele está assustado com ele mesmo, ele só é assustador para si próprio.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 23 de julho de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Como parar o pensamento?

Participante: Como parar o pensamento?

Marcos Gualberto: Você não para o pensamento, o pensamento desaparece quando deixa de ser apreciado. O que você não percebe é que existe um investimento, e ele dá vitalidade a um centro falso. Falo desse investimento no pensamento, em imaginações, em antecipações, em fantasias. Você vive fazendo esse investimento!

Você está muito habituado a investir na imaginação, na antecipação, nas crenças, nas ideias, na autoimagem que o pensamento forma sobre quem você é. Você investe muito nisso e, na razão em que faz isso, o pensamento não para, ele continua voltando.

É só um vício. É como gostar de beber. Você gosta de beber, aí continua bebendo e, quanto mais bebe, mais prazer tem, então você bebe mais, e mais prazer recebe… Você está viciado! Aí, você bebe até cair, até falar bobagem, até alguém levar você para a cama e lhe dar café amargo. Você sabe que o final vai ser esse, mas, mesmo assim, não para de beber, porque é um investimento, um prazeroso investimento. Com consequências, é claro. No dia seguinte você vai estar de ressaca, passando mal, vai tomar remédio, enfim… É um vício.

O pensamento também é um vício. Como parar o pensamento? Não tente! Ou tente e depois me conte se deu certo. Isso é como alguém que pergunta: "Como eu paro de beber?", e, enquanto faz a pergunta, leva o copo à boca de novo. "Como eu paro de beber?", e dá mais uma goladinha. Ela olha para a garrafa e diz "como paro de beber?", e já vai botando mais um pouquinho no copo, e continua perguntando "como paro de beber?".

Não tem como parar de beber, de fumar ou de pensar se todo seu movimento é centrado nesse interesse. Se você está tendo um movimento nessa direção, qualquer afirmação sua é apenas mais um blá-blá-blá, e não uma intenção real. Se você tem a intenção real de se livrar do pensamento, livre-se da imaginação, por exemplo. Pare de imaginar o futuro e o passado.

Participante: Como posso parar se o pensamento não me larga?

Marcos Gualberto: A pergunta está formulada de forma errada. A pergunta correta seria: "O que é estar livre dessa intenção do pensamento?" Você precisa se livrar da intenção do pensamento e não do pensamento, você precisa se livrar da intenção de beber e não da bebida.

Se você se livrar da intenção de beber, a bebida vai desaparecer. Se você se livrar da intenção de fumar, acontecerá um trabalho nessa direção, e aí vai perder o sentido levar o cigarro à boca. Se você descobrir sobre essa intenção de pensar, se você descobrir no que o pensamento está interessado – e você descobre isso apenas observando as bobagens que ele está criando dentro da sua cabeça – e se livrar dessa intenção de pensar, o pensamento desaparece.

Você não vai parar de pensar, o pensamento vai desaparecer porque ele não estará sendo alimentado. A prova dessa intenção de parar de pensar está na observação do movimento do pensamento. Se há intenção real de parar de pensar, você tem que observar os pensamentos. Se a sua energia estiver na observação dos pensamentos, toda energia do pensamento, em si, se modifica. A atenção sobre os pensamentos diminui seu volume, porque quanto menos você se identifica com o pensamento, menos ele aparece, e quanto mais você se identifica com ele, mais ele aparece.

Quanto mais você se identifica com pensamentos de tristeza, que produzem esse estado de tristeza, mais você vive depressivo. Quanto menos você se identifica com pensamentos dessa linha, que é a linha da tristeza, menos eles aparecem. Isso é matemática pura!

Mas a minha recomendação aqui é: livre-se de qualquer identificação. Não faça essas escolhas, "desses pensamentos eu gosto e desses eu não gosto", porque por detrás desse "gosto e não gosto" está o vício, a mania de pensar, e não é você pensando, é o pensamento tagarelando dentro da sua cabeça, porque não tem "você" também nesse processo.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 02 de julho de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 23 de novembro de 2021

O perfume do Divino

O segredo de estar em Satsang é sentir o perfume do Divino, o perfume de Deus, é estar diante da Presença. Na Índia, eles chamam isso de darshan. Darshan é olhar para um Sábio, olhar para a Presença de Deus, é ficar enamorado Disso, encantado com Isso, deixando Isso fluir para dentro da gente.

Então, vocês têm que ter uma aproximação aqui em Satsang diferente de um encontro aí fora. Aí fora você vai ouvir um professor, e eu não sou um professor, definitivamente. Eu não tenho nada para lhe dizer que eu não seja, que é o que um professor faz. O professor diz tudo o que sabe, ele não diz nada do que ele é. Aqui é diferente, compreende? Deu para compreender o que eu quis dizer?

Tudo o que um professor diz é um conhecimento que ele adquiriu. Eu não falo de um conhecimento que adquiri, eu vivo Isso, eu sou Isso! Quem vive comigo sabe que eu não estou aqui como um professor, eu estou aqui compartilhando com você o que eu vivo no dia a dia.

Quando eu falo de Deus, eu falo Daquilo que eu sou, não de algo em que acredito. Quando eu falo do Amor, eu não falo de algo que está nos livros de poesia ou no desejo de alguém. Eu vivo o Amor!

Quando você está aqui, eu fico encantado com você, porque eu não posso deixar de amar aí Aquilo que eu sou, e é só o que eu reconheço em quem se apresenta diante de mim. Eu só vejo aí Aquilo que eu sou!

Meu Mestre me deu olhos para ver Aquilo que eu sou, e quando eu realmente consegui ver Isso – o que levou 21 anos –, não tinha mais o "eu" vendo.

Então, eu sou Isso, eu vivo Isso! Eu não ensino Isso, eu compartilho Isso! Isso é como um perfume, sabe? Eu não dou a você um papel para que leia sobre um perfume, eu pego o perfume e jogo em cima de você. Eu não falo assim "olha, está aqui. Eu quero dizer a você o que tem esse perfume. Ele é amadeirado, não sei o que, não sei o que…".

Eu não quero que você entenda como o perfume é feito, eu quero pegar o perfume e jogar em cima de você. O meu trabalho hoje com as pessoas é ajudá-las a ver O que elas são, porque elas já estão cansadas do que acreditam ser. Então, eu não quero que as pessoas se aproximem de Satsang para ouvir um professor, porque professor a gente tem em qualquer lugar, mas não em Satsang.

A palavra Satsang significa encontro com o Divino, encontro com o Ser, encontro com a Verdade. Se você vai a um Sábio, a um Ser Realizado, você vai se deparar com a Vida, com a Inteligência, com a Consciência, com o Amor, com Deus, com a Felicidade... Você vai se deparar com a Liberdade!

Para quem se aproxima, pode parecer que eu entenda de tudo. Eu não entendo de tudo, eu não entendo de nada! Eu só entendo de como Ser Feliz, e isso não é bem entendimento, é uma Compreensão direta, porque entender como Ser Feliz não ajuda. Ou você tem uma Compreensão direta Disso ou não tem.

Então, quando eu convido você a estar comigo, é para você descobrir Isso, não é para lhe ensinar alguma coisa. O meu ensino é: desaprenda! Desaprenda a ser infeliz, a ser egoísta, a ser arrogante, a se ver como uma entidade no controle, que sabe o que anda acontecendo, que pode evitar coisas que já estão determinadas pela vida a acontecer. Enfim, eu vou lhe mostrando que o seu sofrimento está em brigar com a vida, em tentar consertar o que não tem conserto, porque não precisa de conserto.

Quando é que você vai compreender que a única coisa que você precisa é descobrir que a vida tem um modo de acontecer, o qual está dentro desse sonho, e que se você ficar livre dessa imposição do ego, você para de sofrer. Quando é que você vai compreender isso?

Quando é que você vai compreender que não vai controlar a vida do marido, da esposa, do filho, do neto, de ninguém, de nada, porque isso tudo está dentro do sonho Dele, dessa Consciência, de Deus, e que é Ele o Senhor de tudo isso e não você?

Enquanto você continuar sendo pedante, arrogante, acreditando que vai mudar o mundo, que deve mudar as pessoas e que tem o dever de fazer isso, você vai ficar perturbado, vai ficar sofrendo. Assim, você nem encontra a sua Felicidade e nem compartilha Isso com elas.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 10 de abril de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

O encontro com Bhagavan

Quando eu me deparei com meu Mestre, vi algo em seus olhos. Eu disse: "É ele! Era ele quem eu estava procurando!". Quando eu era criança, desejava ter um encontro com Deus. Eu fui criado em um ambiente religioso, meus pais eram religiosos. Eu fui criado em igreja, aprendendo a rezar, a orar, a jejuar, a ler a Bíblia… Eu aprendi com meus pais e com a religião que a única resposta para a vida era Cristo, era Deus, era a Verdade.

Mas aí eu olhava à minha volta e via que mesmo as pessoas religiosas ainda estavam complicadas. Apesar de rezarem e lerem muito a Bíblia, elas ainda tinham problemas. Eu dizia "mas não é possível, tem que haver um jeito de viver sem essa confusão em que essa turma vive". Inclusive meus pais ainda viviam assim, apesar de serem religiosos e tudo mais. Foi por aí, a minha caminhada foi essa.

Até que, quando eu tinha 24 anos, o meu Mestre apareceu. Foi quando me deparei com aquilo que eu procurava na igreja, que era encontrar, em alguém, esse espelho onde eu pudesse ver a Presença Divina, a imagem de Deus. Então, eu disse: "Olha, estou diante de um Sábio, de um Santo, de um Ser Realizado!". Eu não sabia o que era isso naquela época, mas eu fiquei encantado com seus olhos, seu sorriso, seu Silêncio. Sua Presença me tocou profundamente e eu fiquei encantado, apaixonado por ele. Eu disse "eu quero ouvi-lo, eu quero estar diante dele".

A coisa peculiar aqui na minha história é que o meu Mestre já tinha deixado a forma há mais de 30 anos quando eu me deparei com ele, então é uma coisa bem estranha. Só que ficou muito claro, nesse contato, que eu não estava diante de alguém que tinha morrido, eu estava diante do Divino, diante do Cristo, Daquele para quem fui ensinado a cantar, a orar… Daquele por quem a igreja me ensinou a clamar, a buscar. Então, quando eu me deparei com meu Mestre, vi que eu estava diante do Cristo, diante dessa Realidade, e isso mudou tudo, mudou tudo… Isso foi no ano de 1986.

Eu tinha 24 anos de idade, era casado, tinha uma filha de três anos, tinha meu trabalho, minha vida religiosa, era diácono da igreja, vivia dentro da igreja lendo a Bíblia, estudando, mas faltava um contato com Cristo. Eu conhecia apenas o Cristo das minhas orações e da leitura da Bíblia, mas eu não tinha um contato com o Cristo em um "ser humano", em uma "pessoa", de modo que eu pudesse dizer "aqui está!", e eu procurava isso na igreja.

Sabe aquela coisa de amor à primeira vista? Foi assim. Eu olhei para ele e fiquei encantado, e disse "é isso! Ele sabe, ele vê o que se passa dentro de mim, ele sabe o que estou buscando!", e tudo isso em silêncio. Esse foi o outro lado bem particular desse encontro: meu Mestre era a Presença do Silêncio!

Hoje, as pessoas perguntam "o que você via na foto do Ramana?", aí eu corrijo logo: não é uma foto! É uma foto para você, para mim nunca foi! E outra coisa: para mim não era Ramana, o que me vinha na época era "Bhagavan". Eu não sabia o que isso significava. Só fui descobrir algum tempo depois o nome dele. Era Bhagavan que vinha para mim: "Bhagavan, Bhagavan, Bhagavan, Bhagavan, Bhagavan…". Esse é um nome usado na Índia para aquele que vive em Deus.

Então, um Ser Realizado é chamado de Bhagavan ou Bhagwan, a manifestação de Deus numa forma. Aquele que Realizou Deus manifesta Deus. Era essa palavra que vinha para mim e eu não sabia o que significava. Algum tempo depois, eu fui encontrar essa palavra em livros indianos.

A Verdade é assim... A Verdade é a Verdade! Ela o encanta, o apaixona, o inebria, o embriaga, faz você dançar, sorrir, chorar… Ela o desafia, mexe com toda essa estrutura de mentira que você carrega ao longo de todos esses anos. Ela faz tudo isso!

*Transcrição de uma fala ocorrida em 10 de abril de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Hora de acordar!

Participante: Mestre, quando o senhor diz que nunca nascemos, está se referindo à forma?

Marcos Gualberto: Para efeito de comunicação, nós falamos de nascimento e morte, de consciência e matéria, mas eu vou exemplificar aqui o que quero dizer com "você não nasceu".

Você tem um sonho, certo? Nesse sonho, você vê o mundo. De onde veio esse mundo? Você entrou no mundo do seu sonho ou o seu mundo de sonho apareceu dentro de você? Você está dentro do sonho ou o sonho está dentro de você?

Vai ficar muito simples compreender isso. Vamos lá! Alguém pode responder isso? Quando acontece o sonho à noite, você entra naquele mundo ou aquele mundo surge dentro de você? Aquele mundo estava lá o esperando? Claro que não, não é isso? Não é o mundo que o espera, então, quando você sonha, aquele é o seu mundo, é o seu sonho. Você não está dentro dele, ele está dentro de você. Correto? Fácil de compreender isso, não é?

Agora, enquanto você sonha, você sabe disso? Não, também não! Você só sabe disso depois que acorda. Enquanto o sonho acontece, a crença ali não é de que aquele mundo é real e de que você está dentro dele? Você compreende o que eu quero dizer? Você jamais duvida, enquanto sonha, de que aquele mundo seja uma fantasia da sua cabeça, no entanto é. Você só sabe disso depois que acorda.

Então, você não nasceu, você está produzindo esse mundo. Você não está dentro dele, ele está dentro de você.

Deixe-me tentar colocar de uma forma bem simples para você. Quando as pessoas dizem que estão vivas, o que na verdade elas estão dizendo? Elas estão dizendo que estão em um sonho, mas que não sabem disso. E quando elas dizem "fulano morreu", o que elas estão dizendo? Elas simplesmente estão dizendo "fulano desapareceu do meu sonho, mas o sonho continua sendo meu". Então, aquele lá não nasceu e não morreu, só fazia parte do seu sonho.

Dessa forma, quando você lamenta e sofre por alguém ter morrido, você está no sonho lamentando a ausência de uma suposta entidade que você acredita que estava viva. Você está lamentando o desaparecimento de uma produção do seu sonho, e isso só é possível enquanto você está nesse sonho.

Então, os seus apegos todos estão dentro do seu mundo, algo que você está produzindo na ideia "eu sou alguém, eu estou vivo, eu posso morrer". Nada disso é Real, nada disso é a Verdade. A única Realidade em tudo isso é Aquilo onde tudo isso aparece, Aquilo que eu tenho chamado de Deus, de Consciência, de Presença, Aquilo que passa a ser assumido quando você desperta desse sonho.

Em algumas partes do mundo, como na Índia, eles chamam isso de Iluminação, que é quando não existe mais o sonho de ter nascido, de ver pessoas morrendo e de, também, poder morrer.

Participante: Por isso que esse termo "Acordado" descreve tão bem, né?

Marcos Gualberto: Sim. A palavra Buda significa "acordado". Quando existe o Acordar, tudo é só um show divino. Até agora eu estava dizendo que era você sonhando, mas agora eu vou melhorar isso, esclarecer melhor isso: não é você sonhando, esse sonho não é seu. Talvez seja um pouco diferente daquele sonho que você tem à noite, onde aparentemente você está produzindo aquilo tudo – eu disse "aparentemente", porque nem aquele sonho é seu. Aqui, esse sonho é dessa "Coisa" misteriosa, é um sonho divino acontecendo, não tem você nisso. Então, mais uma vez: você não nasceu, porque você não existe!

A dificuldade é a perspectiva da mente egoica, porque, para ela, nesse show não podem acontecer coisas ruins. Mas eu não conheço nenhum show, que seja realmente um espetáculo, que não tenha drama, comédia, tragédia, prazer e dor. Se é um show, tem que ter tudo isso!

Mas o problema com o ego é particularizar a experiência, acreditar que a experiência precisa ser do jeito que ele deseja para que ele seja feliz. Aqui está a miséria humana, o sofrimento humano, a ignorância, a base da vida dualista, separatista, em conflito. Esse é o modo de pensar, sentir, agir, falar, se mover, com base na perspectiva de uma entidade separada, particular, vivendo sua vida particular, tendo sua experiência particular e querendo tudo do seu jeito particular. Como haverá fim para o sofrimento dessa forma? Como haverá fim para a ignorância dessa forma?

O que eu quero lhe dizer é que não há preço para estar aqui olhando para isso. Ninguém aí fora lhe diz essas coisas, porque todos estão na mesma condição, todos estão vivendo sua vida particular, conflituosa, aborrecida, com breves momentos de prazer, satisfação, que logo se transformam também em confusão.

Ninguém tem interesse real em investigar isso, a não ser aqueles que têm aspiração a uma vida divina, a uma vida em Deus. Apenas os santos têm essa inclinação e, em geral, você não vive cercado por santos, mas por perturbados, que não têm nenhuma inclinação para o Divino.

Aqueles que estão dispostos a investigar isso são aqueles que compreenderam que a única coisa a se compreender na vida é a Vida, é Deus, é a Verdade. A única coisa que importa é realmente a Felicidade, a Paz. Isso é para aqueles que já estão desconfiados de que tem algo fora do lugar, algo que não está do lado de fora. Se não está fora, tem que estar dentro; se não é o mundo que está errado, então eles estão.

Então, esses já desconfiaram que a única medida a tomar, a única coisa que importa, é descobrir onde está Deus, onde está a Verdade, e isso é para santos, para aqueles que estão querendo ir além desse mundo, desse sonho, em que todos sofrem, em que todos vivem uma vida estreita, limitada, medíocre, perturbada, apegada, nervosa, estressada, aborrecida e estúpida.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 10 de abril de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

O chip cultural

Tudo o que a "pessoa" faz, faz em desordem, de uma forma confusa, baseada no desejo. Nós temos que investigar essa questão do desejo para você perceber a gravidade disso. Em geral, as pessoas não fazem isso, pois é típico da "pessoa" não ter consciência. Nós acreditamos que pessoas têm consciência, mas elas não têm. Pessoas têm reflexos, respondem automaticamente a estímulos.

Você está muito bem aqui, mas se passar um objeto de desejo diante dos seus olhos, haverá uma reação imediata acontecendo de forma automática aí dentro do cérebro, logo aquela imagem irá encontrar uma resposta reativa nas próprias células do cérebro. Esse estímulo é o que eu acabo de chamar de reflexo, e não é necessária nenhuma consciência para isso ocorrer.

Essa ação automática é algo semelhante a uma programação de um robô que tem bracinhos e executa atividades. Se você olha para aquele robô, você até diz que ele está vivo e tem consciência. Ele não tem nenhuma consciência, são estímulos gerados através de sensores especiais e uma movimentação de memória eletrônica programada ali.

O mesmo acontece com você. Você passa 30, 40, 50, 60 anos de sua vida com um chip implantado: o chip cultural, o chip educacional, o chip da tradição de família. Você aprendeu a ser invejoso, tem todos os trejeitos da sua avó, que era possessiva, ambiciosa, ciumenta, controladora, manipuladora… Não tem diferença nenhuma!

Não é necessária nenhuma consciência para se viver assim. Aí você olha para quase oito bilhões no planeta e fica admirado com tanta confusão, tanta desordem, tanto sofrimento e tanta miséria. Mas como ficar admirado com isso se a programação é a mesma, se todos estão usando o mesmo tipo de equipamento? Se você está repetindo a história da sua avó, que foi a história da sua tataravó, e se seus netos estão apenas repetindo a sua vida, isso é inconsciência, é um chip implantado, uma memória herdada. Eu tenho chamado isso de condicionamento.

O que eu estou tentando lhe dizer é que você aprendeu a sofrer porque você reage, vive nesse movimento de reflexo, de reação, de reatividade. Você aprendeu a posse, o ciúme, o controle, o desejo, o medo… Você se afastou da simplicidade de sua Natureza Essencial para se meter na confusão de um mundo em desordem, um mundo completamente perturbado.

Você perdeu o contato, se é que já teve em algum momento, com seu próprio Ser por acreditar que esta experiência presente é algo acontecendo para esse personagem que você acredita ser. Assim, você está completamente alienado de si mesmo, perdido nessa confusão.

Então, quando eu o convido a estar em Satsang, estou convidando-o a investigar a natureza real da experiência, a descobrir que você não é quem acredita ser e que todo esse sofrimento, essa confusão, essa "alegria" que você vive – que logo se mostra insuficiente e é substituída por uma situação nova que lhe causa perturbação –, tudo isso está aí porque você vive sem conhecer a natureza real desta experiência presente.

Isso pode e precisa ser investigado, e essa é a forma correta de se aproximar da vida. Você não vai se aproximar da vida se você não se aproxima de si mesmo, mas você não sabe quem você é se você não investiga a natureza da experiência presente. Isso, é claro, não é possível enquanto você continuar no mesmo modelo de crenças, de programação, de condicionamento, que todos à sua volta estão vivendo, inclusive, e principalmente, os que você considera os mais inteligentes.

Você precisa descobrir Aquilo que Você é fora da mente, do corpo e desse mundo onde você acredita ter nascido, estar vivendo e que irá morrer. Tudo isso são crenças.

Então, a pergunta fica sendo esta: qual é a natureza da experiência? Para quem ou para o que tudo isso está acontecendo? Hoje eu nem esperei vocês fazerem a pergunta. É sempre assim: ou eu começo falando ou você começa perguntando e me dando uma desculpa para eu dizer coisas aqui para você.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 10 de abril de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Qual é a realidade de sua experiência?

Se eu perguntasse a você "qual é a realidade de sua experiência?", qual seria sua resposta? Afinal, qual é a realidade da experiência presente, daquilo que está ocorrendo aqui?

Se a nossa disposição é para descobrir a Verdade, nós precisamos saber daquilo que acontece aqui. Então qual é a realidade? Qual é a verdade desta experiência?

Eu vejo uma tremenda confusão por aí, o que é típico da "pessoa". A "pessoa" vive em confusão porque está interpretando aquilo que acontece da maneira dela. Enquanto isso permanece, a confusão permanece, o sofrimento permanece, toda forma de miséria permanece.

Nós temos o conceito de que tem muita coisa acontecendo, para muitos sujeitos. Existem quase oito bilhões de pessoas no planeta – e esse é um conceito – e a vida está acontecendo para cada um de uma forma – esse é um outro conceito. Nós acreditamos piamente nisso e parece ser bastante lógico afirmarmos que é assim, mas isso é simplesmente uma crença, não existe nada para comprovar isso, é só uma interpretação que a mente faz da experiência presente.

Há somente uma experiência presente. A pergunta é: qual é a natureza desta experiência? Não existe nada para comprovar que a vida é diferente para cada um, porque não existe "cada um". "Cada um" é um conceito, é uma crença, é só uma ideia.

Então, não existe vida particular, não existem "pessoas". Aparentemente, cada organismo vivo neste planeta vivencia suas particulares experiências. A ideia é que existe uma inumerável quantidade de experiências acontecendo de forma particular para cada um. Isso é um pensamento.

Aqui, a única particularidade é de que cada organismo possui sua particular experiência. Mas essa experiência não é particular, essa experiência é única! A vida é algo que acontece de uma forma única, não existe essa multidão de "eus" com suas inumeráveis vidas.

Essas falas minhas podem soar muito estranhas, a princípio. Parece que você precisa adquirir uma certa familiaridade com a linguagem que eu utilizo, para poder ter uma aproximação, até mesmo intelectual, do que estou dizendo. E isso é fundamental, porque nós estamos envolvidos num conjunto enorme de condicionamentos, de crenças herdadas do nosso mundo, da nossa cultura, da nossa sociedade, das pessoas à nossa volta, e tudo que elas vivenciam é conflito em suas vidas, porque elas têm esse modo particular de vida, esse conjunto de crenças que as faz ver a vida de uma forma particular.

Então eu continuo perguntando para você: qual é a realidade desta experiência? Esses conceitos todos são pensamentos. Nós temos criado muitos "eus" e muitas vidas, então fica complicado você investigar a natureza verdadeira da experiência quando se coloca como uma entidade separada, particular, tendo uma experiência e uma vida próprias.

É preciso olhar a vida dentro de outra ótica. Não existem esses muitos "eus" nem essas muitas vidas, existe só uma Vida profunda, desconhecida, misteriosa, existe apenas uma Consciência, que não é individual, não é particular. Ela não tem um nome como Leo, Jefferson, Margarida e Eliana. Essa Consciência é a Realidade dessa Vida, a Vida é a Realidade dessa Consciência, e essa particularidade do personagem, que você acredita ser, é uma fraude! Essa é a perspectiva correta.

Se você conseguir se aproximar dessa forma, você poderá investigar a natureza real da experiência, e se o propósito é descobrir a Verdade sobre Si mesmo, você precisa partir desse princípio.

Você precisa ir além da cabeça, além da mente, além desse conjunto de ideias que você tem, que você adquiriu dos padres, dos políticos, dos pais, dos filósofos, dos livros, de toda essa cultura, que é um cultivo de equívocos.

Vivemos em uma sociedade estúpida, num mundo onde aqueles que nós consideramos os mais inteligentes, porque estão em proeminência, em destaque, em posição de liderança, são completamente pirados e perturbados psicologicamente, são muitos miseráveis, são "pessoas".

"Pessoa", para mim, sempre é sinônimo de confusão. Se você conhecer uma pessoa que não carregue desordem psicológica, conflito de alguma ordem, com certeza você não estará diante de uma "pessoa", você estará diante de um Buda, de um Cristo, de um Sábio.

Não fique aborrecido por ouvir isso, mas é assim. Eu sei que você conhece pessoas até "iluminadas", mas essa é uma contradição em termos, pois pessoas são perturbadas e não iluminadas. Quando há Iluminação, não há "pessoa", não há um senso de identidade separada, com uma vida particular, uma experiência particular, um mundo particular, preocupações particulares, desejos particulares e medos particulares.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 10 de abril de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

O que sustenta o apego?

Participante: Pode me ajudar a entender melhor o desapego?

Marcos Gualberto: Existem muitos que se preocupam com a palavra "apego", e aí temos o contrário disso, não é? O desapego. Em todas as minhas falas com vocês, eu dou uma pincelada breve nessa questão do apego, mas não fico preso a isso, porque eu não vejo que o problema esteja no apego.

O problema que eu vejo está em "alguém", no senso de um "eu" no controle. É isso que sustenta o medo. Se você vai além desse senso de um "eu" no controle, o que quer que esteja à sua volta não se torna um objeto de sua fixação. Esse "sentido do eu" é proprietário de pessoas, lugares, objetos e crenças (algumas são filosóficas, outras espirituais, outras políticas). A fixação nisso é a identidade do "eu"; é isso que sustenta o apego.

Os apegos estão em cima das imagens que esse falso "eu" constrói e vive controlando. As pessoas não estão dispostas a deixar isso. Isso não têm base real, mas as faz reais, faz com elas estejam vivas! Elas estão apegadas, elas estão no controle, elas estão vivas nisso! Então, a questão não é o apego, é a imagem que o ego constrói em torno de determinado objeto, porque ele fica vivo nessa relação. Isso não é natural, não é parte da Natureza Divina.

Assim, o apego não está nos objetos, mas no sujeito, na ideia "eu e aquilo que amo". Na verdade, são imagens, e não faz diferença se são mundanas, religiosas, filosóficas ou políticas. Existem dificuldades porque existem fixações de muitos anos, há muito investimento egoico nisso.

Eu quero que você compreenda melhor o senso desse "eu" apegado ao objeto que ele imagina amar, querer e possuir. É esse falso "eu" que está dando vida aos seus objetos queridos, a essas imagens queridas, a isso que ele protege. É nisso que ele está vivo!

Chegará o dia em que você decidirá deixar o controle, abandonar essas imagens, esses objetos, para descobrir Aquilo que está fora das imagens, dos objetos e do controle.

Ser Feliz significa Ser, só Ser. Este é o meu trabalho com você aqui: mostrar-lhe a beleza de Ser. Ser não tem imagem, não tem controle, não tem apegos, não tem crenças, não briga por algo, não defende algo. O meu trabalho é lhe ajudar a compreender a si mesmo, então o apego cai e, com ele, o medo de perder, o conflito, a briga por isso, a defesa disso. É só uma defesa de crenças, de imagens, de objetos.

Será que isso está dizendo alguma coisa para alguém aqui na sala? Será que tem alguém ouvindo o que eu estou dizendo? Eu digo: "Olha, viver em Liberdade é viver livre de tudo que o escraviza psicologicamente, internamente e externamente". Aí, você diz: "Puxa, isso me interessa! Agora fiquei interessado, quero saber mais sobre isso. Explique o que é isso!". Então, eu começo a explicar e você diz: "Não, mas espera aí, não é bem assim… Eu quero a liberdade, mas não é essa aí que você está dizendo. Eu achava que ficaria liberto do sofrimento". Depois, eu digo: "Ah é? E o que você entende por sofrimento?". Aí eu já vejo você enroscado, porque você considera que o sofrimento está naquilo que aparentemente o faz sofrer e não naquilo que não parece escravizá-lo, mas o escraviza.

Comece a descobrir a importância de, psicologicamente, internamente, deixar tudo para mergulhar em seu próprio Coração, em seu próprio Ser. Nada é mais importante do que realmente viver incondicionalmente Livre. Isso significa, psicologicamente falando, deixar tudo desaparecer. Mas vou deixar isso acontecer a você. Vou esperar você me procurar, vou esperar você querer investigar isso comigo. Vou esperar você fazer perguntas e me dar todo o direito de resposta sobre isso.

É você que se predispõe a Isso, que se interessa profundamente por esse acesso à Realidade, à Verdade, a essa Natureza Divina.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 20 de março de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

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