terça-feira, 29 de junho de 2021

A Realidade está fora do conhecido

Podemos chamar esse Espaço, do qual falamos para você em Satsang, de Consciência, Presença, Deus, Liberdade, ou podemos usar qualquer outra expressão, como o Nada ou o Todo. No entanto, essas expressões são sempre inadequadas.

O melhor seria se perguntar "quem sou eu?", sem dar nenhuma resposta para isso. A única Realidade presente está fora do tempo e do espaço, então não é esse "nada" ou esse "todo" como a mente entende. Essa Realidade absoluta está na resposta à pergunta "quem sou eu?".

Você não vai construir essa Realização, você vai tomar ciência da presença Dela, e, para isso, aquilo que é falso, que não é real, precisa desaparecer. Simples assim. Então, tome ciência do seu Ser e deixe tudo desaparecer Nisso.

Todos os seus pensamentos são falsos! Qualquer pensamento na sua cabeça diz respeito a tempo e espaço, está sempre tendo como referência objetos, pessoas e lugares. Pensamentos só tratam disso. Portanto, nenhum pensamento toca Naquilo que está fora do tempo, porque pensamento é tempo, é o conhecido.

A Realidade está fora do conhecido e fora do tempo, então tudo que se passa na sua cabeça com relação a si mesmo, ao mundo e ao outro é só parte da fantasia do pensamento, uma ficção, uma imaginação. A palavra "imaginação" significa "imagem em ação", "uma imagem em movimento". Pensamento é só isso. Uma imagem é uma criação formulada por esse fenômeno chamado pensamento.

Você está sentado numa cadeira, num sofá, numa cama, num banco… Esse objeto é resultado de uma imaginação. Os homens de Neandertal se sentavam em pedras, até que alguém disse "vamos construir algo". Aí o pensamento criou uma ideia e a materializou.

Tudo o que nós vemos em todo o Universo, tudo o que é perceptível aos sentidos, é produção do pensamento, e isso está sendo produzido no tempo, como parte do tempo. É um assunto interessantíssimo esse aqui! Toda noite, por exemplo, você cria o mundo quando sonha. Ele é só seu, parabéns! Você é o todo poderoso criador do seu mundo de sonho!

Repare, você não precisa de uma força especial para criar o mundo, sua imaginação faz isso muito bem. Você não faz isso só enquanto dorme, mas durante o dia também, embora não perceba. O corpo está aqui – e só tem aqui, não tem lá – mas lá está você no trabalho, fazendo coisas no escritório, na cozinha, ou conversando com alguém...

Aquele mesmo mundo de que você toma ciência sonhando à noite aparece durante o dia, várias vezes por dia, a não ser que você seja um Ser Acordado. Um Acordado não vive com esse desperdício de energia incrível, construindo mundos imaginários, dissipando uma energia enorme, a qual poderia estar trabalhando de uma forma inteiramente diferente.

A importância da Meditação também inclui isso: trazer esse pensamento, esse pensador com o seu mundo, para a Fonte. Então, em vez desse pensador ficar flutuando em sua imaginação, a Consciência permanece na Fonte, com uma energia extraordinária de Compaixão, de Inteligência, de Liberdade, de Paz.

Compreende isso? Percebe por que as pessoas não têm paz? Porque a energia delas está dispersa nesse mundo da imaginação, no mundo que o pensamento cria e no qual se move como uma entidade importante fazendo, realizando, sofrendo, amando, criando e sustentando sensações e estados puramente egoicos.

Estar odiando, amando, gostando, não gostando, sonhando, sofrendo: isso é, basicamente, sofrimento, conflito, distúrbio, desordem, perturbação, que é o estado da mente

Pensar é desnecessário! Não só o falar é desnecessário, algo muito comum, mas também o pensar é desnecessário. Além disso, não é "você pensando", é a máquina quebrada, o mecanismo descontrolado, em desordem, produzindo.

Olhe para as pessoas à sua volta e você vai compreender o que eu estou dizendo. Melhor: se você olhar para si mesmo, você vai entender bem o que eu estou dizendo, o quanto a mente imagina coisas que jamais irão acontecer. Isso porque as coisas não acontecem porque a mente imagina; elas acontecem porque acontecem. A não ser que você esteja construindo uma cadeira. Pode até ser que você seja um engenheiro e esteja fazendo uso da imaginação para um propósito arquitetônico, ou algo desse tipo. Fora isso, boa parte dos pensamentos que você tem são inúteis, desperdício total de energia, produzindo confusão o tempo inteiro na sua vida.

Você fala demais, fala o que não deve, perturba o mundo à sua volta com esse falar desnecessário. Não há Silêncio. Seus olhos não brilham porque não há Silêncio dentro. Não existe Alegria porque essa sua "alegria" está baseada em sensações. Você ganha um presente e fica alegre, mas, se derem um bombom para todo mundo e não derem para você, você fica triste. Ou seja, você depende de compensações para se sentir bem com o mundo.

É sempre o mundo fazendo-o feliz ou infeliz. Isso é assim em razão de uma profunda identificação equivocada que você tem com esses pensamentos malucos aí dentro sobre quem você é, sobre o que você merece, sobre quem o outro é e o que ele lhe deve.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 07 de abril de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 25 de junho de 2021

A Liberdade não é um estado

Participante: A Liberdade é um estado sem pensamento ou sem o pensador?

Marcos Gualberto: A Liberdade não é um estado. A Liberdade é a ausência de todo e qualquer estado. Estado é algo que aparece e desaparece, que vem e vai. Pensamentos aparecem, são fenômenos que surgem, assim como as emoções e os sentimentos – esses são os estados.

Quando você olha para uma sala, você não vê a sala, você vê os móveis. Você estaria vendo a sala se pudesse enxergar o espaço ali presente, mas seus olhos estão nos móveis. Não que a sala esteja oculta, mas ela, mesmo sendo vista, não está sendo olhada, porque seus olhos estão nos móveis. Você não está deixando de ver a sala, mas você não está enxergando-a.

Repare como a mente prega uma peça em você: ela o deixa ver somente o que ela tem interesse em ver, e não o que você precisa ver, diferentemente do Sábio, daquele que está Acordado.

O Acordado não tem interesse nos móveis, seus olhos estão na sala. Ele pode tomar ciência da presença dos móveis, mas o foco dele, o olhar, está na sala, enquanto, na mente egoica, seu olhar está nos móveis. A Consciência está apenas em Si própria e esse é o único interesse real Dela. Essa Consciência é a base que sustenta tudo e é Nela que tudo se desdobra, então Ela é a única coisa que é interessante.

O seu condicionamento egoico, dualista, parte do pressuposto falso de que tem você e os objetos. Na verdade, o seu corpo também é só um objeto, mas você não o vê assim. Você o vê como o sujeito e os objetos estão do lado de fora. Isso é completamente falso!

Até dentro de uma aproximação bastante racional, bastante lógica, você constata que só pode estar consciente em razão da Consciência que Você é, e tudo aquilo do qual você está consciente são objetos. Você, como Consciência, só está consciente de objetos, então o corpo também é um objeto.

O corpo é parte da sala, assim como os pensamentos, as emoções, os sentimentos e as sensações ligadas ao corpo. Tudo isso faz parte da sala, como objetos. Apenas a sala, como um espaço, não é um objeto.

Você não tem olhos treinados, pelo menos ainda, para olhar a sala. Você está olhando para os objetos e, pior ainda, está vendo esses objetos separados de si mesmo – aí está o sentido de separação.

Então o que é a Liberdade? A Liberdade é a sala, o espaço. Você pode continuar colocando coisas dentro dessa sala, pode trocar os objetos, pode acrescentar e diminuir coisas, mas o espaço não muda.

Agora, visualize as paredes dessa sala sendo empurradas em direção ao infinito. Vamos pegar as paredes dessa sala e empurrá-las para o infinito, até que desapareçam no Desconhecido. Essa sala é só espaço, sem paredes. Então, se não tem paredes, repare: não tem sala! A sala também é só um conceito, e o que dizer, então, dos objetos presentes nesse espaço? Pensamentos, sentimentos, sensações, o pensador, o que dizer de tudo isso? Em que categoria tudo isso se encontra agora, quando não há estado, quando há só espaço e tudo mais são aparições que se desdobram como um fenômeno da própria Consciência?

As pessoas só temem a morte porque estão se vendo dentro do corpo. É curioso dizer isso, porque elas só conseguem se ver dentro do corpo quando estão acordadas. Em sono profundo, elas não conseguem se ver dentro do corpo. Ninguém, absolutamente ninguém, em sono profundo ou em estado de coma, tem medo de morrer. Por quê? Porque a ideia "eu sou o corpo, eu estou no mundo, eu posso perder tudo isso" ou "o que será de mim?" não pode surgir em sono profundo nem em estado de coma. Mas, como ainda é um estado, você pode sair dele. Se a mente ainda pode entrar e sair do estado, então ele não é real, ainda representa móveis entrando e saindo da sala, mas a sala continua intacta.

Quando falamos de sono profundo e coma estamos falando de estados; quando falamos de pensamentos acontecendo, estamos falando da ideia de um estado, da crença de um estado.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 07 de abril de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 22 de junho de 2021

Torne-se ciente da dor

Você não tem que se livrar do objeto, mas do "sujeito". A dor está no "sujeito", não está no objeto, não tem nada a ver com o objeto. Se você está livre da dor aí dentro, não tem problema se o objeto vai continuar por aí ou se ele vai embora, se ele vai continuar vivo ou se ele vai morrer.

Aqui, é observar, ver a mente tentando produzir essa racionalização, esse falso sofrimento, essa falsa dor. Você se liberta da dor se tornando ciente da presença dela. Então, não racionalize, não cultive uma dor artificial para se livrar de uma dor real. Apenas torne-se ciente da dor.

Até para chorar sentindo uma dor, você tem que ter muita Consciência, porque talvez esse choro seja para você fugir dela, e, geralmente, é assim que acontece. Às vezes, você expressa uma dor chorando ou uma raiva gritando, reclamando, murmurando, mas isso é feito de uma forma tão irresponsável, tão inconsciente, que o choro volta depois, a raiva volta depois. Eles aparentemente passam, mas daqui a pouco voltam. Isso significa que você não tomou ciência daquilo.

Então, quando você vê alguém chorando ou reclamando, brigando, saiba que ele não está se livrando daquilo. Você aprende na terapia que tem que expressar seus sentimentos para não reprimi-los, mas isso está totalmente equivocado. Assim, você termina expressando sentimentos por uma vida inteira! Você não os reprime; você os expressa, aí o sentimento se mantém presente, a dor sempre está aí. Não resolveu nada!

Expressar sentimentos, raiva, medo, desejo, emoção, todos fazem. A questão é se tornar cônscio da dor e, assim, se livrar da culpa, do arrependimento, do medo, porque é isso que está trazendo o sentimento. Mas, como não se atenta para isso, você vive expressando esse sentimento pela vida inteira e nunca se liberta do medo, nunca se liberta do sentimento.

Você não pode continuar vivendo como uma criatura sentimental. O ser humano, em geral, é muito sentimentaloide, ele vive como um cristal que a qualquer momento pode quebrar. Qualquer palavra o faz chorar, qualquer situação o faz sofrer. Ele vive assim porque vive identificado com a experiência egoica do sentimento, e ele cultiva isso. Na verdade, ele até aprecia muito isso. Todos adoram expressar ressentimento, mágoa, rancor, rejeição; adoram xingar, gritar.

Não tem nada pior – e é algo tão comum – do que ficar xingando a si mesmo, xingando o mundo, o outro, as situações… Isso é a expressão do sentimento, e é isso que o ego sabe fazer, mas assim você não se liberta da dor! Se você estiver livre da dor, não haverá necessidade de xingar, não haverá necessidade de fazer cara feia, "biquinho", ficar de cara amarrada, nem de se isolar para curtir essa dor.

Isso tudo é ego! O ego gosta de sentir isso. Ele se sente vivo nessa experiência da dor, então ele cultiva a expressão do sentimento chorando, fazendo cara feia, reclamando, revidando, culpando o outro, punindo o outro, calculando como vai se vingar.

Ego adora mostrar para o outro que ele está errado porque o fez sofrer. Ego ama sofrer, mas depois condena o sofrimento que o outro produz nele, aí quer puni-lo. Não só quer punir o outro, mas a si mesmo também! Quer punir o outro porque ele o faz sofrer, e quer se punir porque ainda se sente um sofredor, mas gosta de ser assim. Enfim, é muita maluquice!

Ego é doido, vive numa loucura incrível! As pessoas não se tornam cientes disso porque não observam como são capturadas por imaginações, por sentimentos, por emoções, por sensações, por pensamentos. Elas não olham para a dor, preferem expressá-la. Então, vivem fazendo isso o tempo todo, expressando a dor através da revolta, da tristeza...

Falar isso aqui para você não vai ajudar em nada se você não observar em si mesmo. Você é o laboratório, o cientista e tem todo o material aí presente para essa observação. Você tem tudo que precisa nesse laboratório. Você tem tudo aí dentro para desarmar esse ego, para desarmar essas facetas de autojustificação, de racionalização.

As pessoas racionalizam até usando a Visão do Sábio, até usando a Visão Advaita. Ou seja, estão mentindo sem perceber que estão, ou estão mentindo para ter um ganho, mesmo sabendo que estão mentindo. Essa desonestidade é um sinal clássico de falta de atenção para observar a dor.

Você tem que atravessar o ego para saber como ele se comporta. Você tem que investigar isso, passar pelo seu laboratório, fazer os seus experimentos, usar os seus equipamentos.

Uma outra coisa é que você não precisa antecipar a dor: "O meu namorado não foi embora, então deixa eu sofrer aqui imaginando-o indo." Não é assim! Basta você olhar aí que a dor já está presente. A mente está construindo historinhas internamente, o tempo inteiro, através do sentimento, do pensamento, da emoção.

Então, olhe para a dor, não racionalize, torne-se cônscio dela e ela quebrará, se desfará. Quando a dor se desfaz, o sentimento se desfaz, o pensamento se desfaz, a relação "medo-pensamento" se desfaz; você vive em Consciência. É muito bonito viver em Consciência, porque isso significa viver em Amor.

*Transcrição de uma fala ocorrida em fevereiro de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 15 de junho de 2021

Deixe o mundo em paz

Participante: Quero compreender melhor a não dualidade. Como harmonizá-la com meu compromisso social de contribuir com a construção de uma sociedade mais justa?

Marcos Gualberto: Existe uma situação aí que está passando despercebida por você: não dualidade é exatamente o fim da ilusão de que existe uma separação entre você e a vida como ela acontece. O pensamento tradicional, que é o pensamento dessa mente dualista, separatista, nos diz que existe algo no mundo que está separado do que somos, ou seja, nós somos uma coisa e o mundo é outra.

Então, você precisa compreender que, quando não há dualidade, não existe esse conceito de injustiça ou justiça, porque não existe nenhuma sociedade. Quando não há dualidade, a única Realidade presente é a Consciência, e Ela não se vê separada, dividida e, naturalmente, em conflito com o que quer que esteja se manifestando.

Assim, não há nenhuma necessidade de ajustamento, porque não existe sociedade justa ou injusta, não existe um mundo correto ou incorreto, não existe o certo e o errado. Essas noções, todas elas, são baseadas em conceitos sobre o que é o mundo e o que anda acontecendo nele, as quais nos fazem ver o mundo ora justo e ora injusto, tendo que ser consertado.

Quando essa não dualidade está presente, que é essa Consciência de não separação, de não distanciamento, de não distância entre Você e a Vida, entre Você e a Realidade, todos os conceitos caem. Então, não é possível ajustar a Verdade da não dualidade a esse conceito de injustiça social ou de que há algo errado acontecendo no mundo.

As pessoas são o que elas são, o mundo é o que ele é e a vida é o que ela é. São os nossos conceitos, baseados em ideias, crenças, conclusões sobre o que é certo e errado, que nos fazem ver justiça de um lado e injustiça do outro, algo para ser consertado aqui, ajustado ali, e assim por diante.

Isso tudo está baseado na história que o pensamento constrói sobre a vida, sobre quem somos, sobre quem o outro é, sobre o que está acontecendo no mundo. Então, a pergunta aqui é “quem sou eu?”, e não “o que posso fazer pelo mundo?”. A questão básica é que não existe nenhum mundo sem Consciência; é Ela que torna o mundo aparente, existente e visível.

Se você fizer essa pergunta “quem sou eu?”, vai terminar investigando a natureza do pensamento, de todas as conclusões, crenças, conceitos, ideias sobre quem você é, sobre o que é o outro e sobre o que é o mundo. Então, a pergunta central é “quem sou eu?”, e não “o que o outro anda fazendo?”, “o que anda acontecendo no mundo?” ou “o que posso fazer pelo mundo?”.

Você só nasceu para um propósito, e não é o de transformar esse mundo. Quando você chegou aqui, o mundo já estava assim. Todo tipo de injustiça que você presencia no mundo hoje já vem acontecendo há quarenta mil anos, só mudou o formato de suas expressões. Todos desta sala terão que deixar este mundo, e ele vai continuar assim.

Então, a pergunta é “quem sou eu?”, e não “o que estou fazendo aqui para tornar o mundo melhor?”. Na realidade, isso é muita arrogância! Já houve pessoas muito melhores do que você e eu neste planeta, e nem por isso o mundo se tornou melhor.

Nós acreditamos que somos muito bons para fazermos um mundo melhor, mas isso é pura fantasia, pura ideologia. Aliás, a mente egoica, separatista, dualista, ama ideologias, porque é o que aprendemos na religião, na filosofia, nos pensamentos humanistas, com os pensadores… Todos estão nos negando algo essencial em meio a tudo isso: a importância de investigarmos a única coisa que interessa, a única coisa que importa: “quem sou eu?”.

Você não tornará o mundo feliz, mas se deixar o mundo em paz – e isso só é possível se você encontra a Paz –, ele ficará muito bem sem você. Ele pode muito bem cuidar dele mesmo se não tiver um trapalhão igual a você criando mais problemas à sua volta, que é o que o ser humano faz sempre, o tempo todo. Ele não só dá solução aos seus chamados “problemas” como está o tempo inteiro fomentando mais confusão à sua volta.

Encontre o seu Ser, Realize a Felicidade, a Paz, só por um propósito: deixar o mundo em paz.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 05 de abril de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Maya: O Show da Dualidade

A dificuldade em viver nesse ilusório mundo da mente é que há um constante conflito. A mente está sempre produzindo uma experiência de limitação. O que a mente sabe fazer muito bem é sobrepor limitações a Você. Você está sempre vendo a si mesmo, a vida, o mundo, o outro, dentro dessas limitações.

Você não consegue ver essas limitações, porque a mente não o permite. É como se você vivesse dentro de um truque, de uma mágica. Tudo que você vê está dentro disso, mas você não vê o mágico que bolou essa coisa toda. Você vê o truque e é parte dele, mas não consegue ver o mágico aprontando.

Na Índia, eles têm uma expressão para essa mágica, eles chamam isso de “maya”. Toda confusão na sua vida, toda bagunça que ela se tornou, todo sofrimento que isso representa, todos esses altos e baixos que você vivencia estão acontecendo dentro dessa mágica, mas você não vê o mágico.

O mágico está brincando! Claro que você vai dizer que é uma brincadeira bastante sem graça, porque você se vê como uma entidade nessa experiência de conflito, de desordem, de sofrimento, de confusão. Mas aí é que está: esse é sempre o ponto de vista desse falso centro, desse falso “eu”, dessa falsa entidade que você acredita ser, e ela é parte do truque.

Descobrir sua Natureza Real, a Verdade sobre Você, é ver essa mágica, é ver o que, de fato, está acontecendo. Quando você sabe que é só uma mágica, um truque, e reconhece o lado lúdico e artístico disso, você não se assusta mais. Se você conhece o truque, ele é parte de uma brincadeira, com a qual você também se diverte, mas não se confunde mais.

Hoje, o meu trabalho com aqueles que se aproximam é fazê-los verificar isso, é mostrar para eles que o que estão vendo é só um truque muito bem-feito, uma mágica muito convincente, algo que parece muito verdadeiro. É essa a sensação que você tem quando vê uma mágica: aquilo parece muito real! Se não parecesse assim, deixaria de ser uma mágica.

Então eu dou para as pessoas que se aproximam aquilo que o meu Guru, o meu Mestre, me deu um dia: olhos para enxergar o truque. Se você conhece o truque, não há conflito, não há problema. As pessoas vivem tomando remédio para dormir, vivem ansiosas, deprimidas, angustiadas, preocupadas, perdem o sono, carregam o medo de diversas formas... Isso é típico daquele ou daquela que não conhece o truque.

Você não sabe o que é o truque se não sabe quem é Você, e você não sabe quem é Você se vive pensando. Na realidade, você não sabe o que é o pensamento, e “vive pensando”. Eu quero colocar essa expressão “viver pensando” entre aspas, porque, na verdade, o pensamento é um processo que acontece aí dentro, mas não há “alguém” presente nessa experiência. Você tem a ilusão – e isso é parte do truque – de que é um pensador, então “vive pensando”. Isso é sinal clássico de que você não sabe a Verdade sobre Si mesmo.

Observe que o pensamento está sempre produzindo conflito dentro de você, então estar preso a esse processo do pensamento, nessa ideia de ser alguém pensando, é o problema. Esse é o truque! Você tem a experiência de uma consciência limitada e não sabe investigar de perto isso, aí vem parar em Satsang. O meu trabalho é ajudá-lo a investigar isso, a olhar isso de perto, porque, se você fizer isso, vai descobrir que essa sua experiência de consciência limitada é só uma imaginação da própria mente.

Existe Algo aí que está ciente dessas limitações, e você tem acesso a Isso somente investigando essa limitação que a mente está impondo para si mesma. O que eu estou dizendo é que Aquilo que está ciente das limitações as transcende, está além delas, e está presente aí como sua Consciência Real.

Então, essa consciência limitada é uma autolimitação que a mente criou e lhe deu como uma experiência “real”. Esse é o truque! É isso que os Sábios na Índia chamam de “maya” – viver nessa limitada consciência, ser essa limitada consciência, o que é uma ideia que a mente formou. Enxergar isso é estar além dessa limitação. O meu trabalho com você é lhe mostrar um salto para fora disso.

Esse senso de uma entidade separada, de um “eu” individual cheio de conceitos, crenças, opiniões, conclusões e ideias, é falso! Essa é a autolimitação que você impõe a si mesmo, e aí vive como “Thiago”, “Marina”, “Lúcio”, “Eliana”, ou seja, vive como uma “pessoa”. Não há “pessoa”! “Pessoa” é esse conceito, essa ideia que o pensamento tem ligada ao corpo e a essa experiência de consciência limitada.

Chega um momento em que você precisa Acordar, Despertar, tomar ciência Disso que é, ou de quem Você é, e quando Isso fica claro, não há mais sofrimento, não há mais conflito. A Vida é o que é agora.

Participante: Qual é o sentido da mágica, no contexto dessa Realidade?

Marcos Gualberto: Quando você vai assistir a um show, qual é o sentido dele? Para quem assiste, o sentido do show é a diversão, mas, para quem faz o show, é só trabalho.

Então, eu vou simplificar assim para você: qual é o sentido de toda essa mágica? Qual é o sentido para o espectador do show? É um espetáculo de diversão, de alegria. Para quem está produzindo o show, em si, é trabalho, e muito trabalho. Não está nada divertido. Quem está 100% em diversão é quem está assistindo.

Então, qual é o sentido de tudo isso? De toda essa loucura? Agora tem a pandemia e todo esse show, que às vezes não é só de sorrisos, aplausos, dança, canto e música, mas também de lágrimas, de pesar, de dor, é algo trágico, sofrível. É parte do show ter esses dois lados de uma forma muito distinta: prazer e dor, vida e morte, saúde e doença. Esse é o show da dualidade, é o show do nascer e morrer, é o show da alegria e da dor, mas ainda é um show.

Estar em contato direto com essa não limitada Consciência, que é sua Natureza Real, que é o seu próprio Ser, é tomar ciência de que o espetáculo é só um espetáculo. Então, qual é o seu trabalho hoje dentro desse espetáculo? É descobrir o seu lugar. Aqui, ou você é um espectador ou alguém dentro do espetáculo. A pergunta é: quem é você? Qual é a função da mente em todo esse processo? Entende? Essa é a pergunta.

A minha dica para você é: elimine suas crenças, todas elas! Jogue fora todas as ideias! Elas podem ser grosseiras ou sutis, podem estar dentro da espiritualidade ou da visão advaita, mas ainda são crenças. Então, a primeira coisa aqui é eliminar todas as crenças, inclusive sobre a Consciência. Uma crença sobre a Consciência também é inútil, pois ainda não é a Realização; é só uma informação, um conhecimento. Aqui, a questão está sempre em viver a Verdade.

Meu trabalho com você é lhe mostrar a importância de “despersonalizar” essa Presença, essa Consciência, essa Realidade do seu Ser, que é Consciência. Então, você vai lidar com os assuntos da vida dentro de uma visão fora dessa ilusão de um centro pessoal, desse particular centro chamado “eu”.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 12 de março de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 8 de junho de 2021

Satsang não é um encontro com ideias

Satsang não é um encontro com ideias. Na verdade, é um encontro com o fim das ideias. As ideias desaparecem e as “pessoas” também! Essas falas não têm a intenção de lhe dar informações. Isso você encontra lendo livros ou ouvindo palestras. A “coisa” não está na fala. A Verdade é um florescer do Silêncio, de algo que você traz dentro de você. Isso está fora, completamente fora da mente, dessa dimensão das palavras.

É possível lhe dar uma comunhão com Isso, mas eu não posso lhe comunicar com palavras o que Isso representa, o que Isso significa. A Beleza de um encontro como este é que a gente pode comungar Isso, mas não descrever Isso. Eu tenho a facilidade de colocar muitas palavras que apontam para Isso, mas não são palavras que irão descrever o que Isso representa.

Você pode encontrar muitas falas minhas pelo Zoom, pelo Paltalk, pelo Youtube ou pelo site, mas, para mim, essas falas são apenas uma desculpa para a gente poder se encontrar.

Eu digo “olha, eu quero lhe dizer algo”, aí você acredita e vem me ouvir. Ao chegar aqui, você não vai me ouvir, vai olhar em meus olhos, vai sentir essa pausa que eu tenho entre as palavras. Minha pausa não é uma ausência de palavras, ela tem Algo… Você vai saber o que Isso representa quando Isso de alguma forma tocá-lo.

Depois, você também não vai saber dizer o que Isso é, mas você vai amar estar aqui. Ao mesmo tempo, vai haver uma luta interna, porque você vai me achar um pouco estranho, porque eu não vejo o mundo como as pessoas o veem. Eu não me vejo e nem o vejo! Eu não vejo as pessoas como elas se veem. O que eu quero lhe comunicar é Isso aqui, não são essas palavras. É Isso aqui!

Então, o que eu quero lhe comunicar é algo que eu posso comungar com você, mas não posso lhe dizer o que significa. Não posso! É como duas pessoas que se encontram, se olham pela primeira vez e são tocadas por algo que está fora do que a cabeça delas pode dizer, algo que naquele instante ambas estão sentindo.

Nesse encontro com o Divino, Ele vê você e você O vê. É como acontece com duas pessoas? Na verdade, não. É um encontro onde as duas “pessoas” desaparecem. Então, faz um sentido enorme este encontro, mas não representa nada em termos de relações pessoais. Você vai me ouvir mais alguns minutos, a sala ser fechada e você vai dizer “que cara louco!”. Mas, depois, vai dizer “mas ele tem algo. Ele está falando de algo que faz muito sentido para mim, mas eu não sei o que é”. Então é algo para você sentir, não para entender.

Em Satsang, eu sempre tratarei com você sobre algo fora da história comum. Essa história comum a todos você pode encontrar em qualquer parte, em qualquer relação, em qualquer livro, em qualquer informação. A coisa única deste encontro aqui é que não é uma relação, nem é um livro se abrindo, não é uma coisa comum. Por que é assim? Porque nós não tratamos de ideias, não tratamos de crenças.

Neste mundo, nós temos muito interesse em pensamentos, em conceitos, em crenças, em ideologias, em conjuntos de ideias. Aqui, o meu interesse com você é lhe mostrar a Beleza da ausência das ideias, da ausência das crenças, da ausência dos conceitos.

Seu Ser não conhece nada além do que Ele é. Então, Nele não há mais esse mundo das ideias, das crenças, das conclusões, das opiniões, das incertezas e certezas. A mente conhece o seu mundo e é nele que ela vive. Ela própria constrói o seu mundo para viver nele – esse é o mundo que o “sentido do eu” conhece. Esse “sentido do eu” é parte da mente e vive nesse mundo dela.

Quando esse mundo da mente desaparece, com esse “eu”, você se depara com a Realidade. Qual é a Beleza da Realidade? A Beleza da Realidade é que não há confusão, não há conflito, não há sofrimento.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 12 de março de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Não há uma identidade separada

Há uma “pessoa”, uma entidade aparente aí, que, na realidade, é só um fantasma. Falo desse senso de uma identidade separada pensando, fazendo, realizando, controlando, escolhendo, resolvendo, amando, odiando… Afinal, do que esse sentimento é feito? Do que esse pensamento é feito? Do que essa imagem que a pessoa tem dela mesma é feita?

Você pega um computador, coloca nele dois bracinhos, duas perninhas e, através de sensores e motores elétricos, esse robozinho anda e consegue falar também. Ele consegue fazer coisas como levar um objeto de um lado para o outro, aí você olha para ele e diz “ele está cheio de vida!”. Ele está cheio de vida porque fala, se move, anda e pega objetos?

O que nós temos ali é só um mecanismo, uma máquina falando, respondendo a estímulos externos, caminhando, apanhando objetos e executando diversas tarefas, inclusive tarefas muito complexas para o cérebro humano. Isso não significa presença de Consciência, então como podemos ficar admirados do ser humano também falar, correr, andar, casar, comer, procriar e fazer descobertas científicas para combater uma pandemia mundial? Quem disse para você que é necessário Consciência para isso?

A Consciência, como eu coloco essa palavra aqui, é um luxo. Consciência é Inteligência, mas não é essa “inteligência” de se fazer pesquisas e experimentos científicos – essa é a inteligência do cientista. Para mim, a palavra “Consciência” carrega o sentido de autêntica Liberdade, que é a Liberdade de não carregar conflitos de ordem psicológica, e Isso é Real Inteligência.

A compreensão da Verdade sobre Si mesmo lhe faculta essa Real Inteligência. Quando essa Inteligência está, não há mais sofrimento, não há mais conflito, não há mais ignorância. Essa estupenda e maravilhosa conquista humana nas ciências, na medicina, nas pesquisas espaciais, enfim, em todas as áreas humanas, trouxe agilidade, rapidez, longevidade física, mas o homem continua internamente miserável, conflituoso, infeliz, perturbado, estúpido. Nada disso nos deu uma real civilização.

Isso nos permite, por exemplo, essa comunicação aqui. Aqui tem um menino do Canadá, uma menina da Áustria, e estamos em tempo real. Isso há cem anos seria impossível! Mas o que, de fato, isso representa em relação à Paz, à Liberdade, à Consciência Divina? O que isso representa quanto à ausência de medo e sofrimento?

Nesse sentido, nossa civilização é a da idade da pedra, igualzinha, a mesma civilização, pois a inveja é a mesma, o ciúme é o mesmo, a ignorância sobre o viver e o morrer é a mesma, o medo é o mesmo…

A beleza deste encontro chamado Satsang é que aqui você pode descobrir uma vida sem medo, sem ignorância, sem sofrimento. É possível descobrir a Verdade sobre Si mesmo! A Felicidade é possível, a Liberdade é possível, o Amor é possível, a Inteligência é possível, a Paz é possível, mas não o que você entende por “felicidade”, “liberdade”, “amor”, “inteligência” e “paz”.

Então, do ponto de vista psicológico, somos uma civilização da idade da pedra, já do ponto de vista científico e tecnológico nós somos uma civilização do século XXI. Isso é uma coisa fantástica? Não, absolutamente não.

Você não precisa se orgulhar disso se ainda está sofrendo de inveja, de ciúmes, de despeito; se carrega questões como diferenças de raça, classe, cor; se vive na ilusão de ser um agente, um fazedor, um realizador, alguém que tem o poder de escolher e total controle sobre a vida e a morte, todo esse tipo de fantasia. Do que você deve se orgulhar? Quem sentiria orgulho e do quê? Do que você deve se orgulhar se não sabe do que os seus sentimentos são feitos, se não sabe lidar com pensamentos?

É só você olhar para si e ver como você reage o tempo todo a provocações que o pensamento e o sentimento criam. É só você observar toda a confusão que esse “vírus” do sentido de separatividade tem provocado. Esse “vírus” tem desenhado um jogo bem interessante, que falsifica sua real identidade e faz você se identificar com aquilo que não é, perdendo de vista a Verdade do que realmente Você é.

A responsabilidade por essa ignorância sobre quem você é dessa “pandemia”, desse “vírus” – o “vírus” do sentido de separatividade! Isso requer agora uma observação cuidadosa, paciente, de si mesmo. Você precisa descobrir o que eu tenho chamado aqui de “Meditação”, a arte de não se identificar com as histórias que os pensamentos criam e os sentimentos, bastante convincentes, confirmam. Nessa ilusão, temos bastante certeza de que isso faz parte do nosso Estado Real, do nosso Estado Natural. Quando você vai fundo nessa investigação sobre quem é você, não fica “você”.

Alguns de vocês passaram por diversos caminhos antes de se depararem com este encontro aqui. Tudo o que nós esperamos, na mente, é fazer algo, e tudo o que se descobre, quando não há mente, é que nada existe para se fazer. Não existe qualquer coisa que você possa fazer para aproximá-lo Daquilo que Você é. Aquilo que Você é, é agora, aqui! Isso já é assim!

Aqui é parar de fazer. A auto-observação é a visão de uma testemunha que não interfere, que apenas se aproxima para observar. A mente egoica tem sempre a intenção de fazer alguma coisa, de mexer aqui e ali, de tentar alterar, de uma forma ou de outra, o que aparece.

O ego se passa por policial, por detetive, para encontrar o criminoso, mas, na verdade, ele é o criminoso se disfarçando de policial. Ele não tem nenhum interesse em ser encontrado, então ele vai alterar a cena do crime e vai atribuir a outros o crime que ele mesmo está cometendo. Como ele faz isso? Fazendo coisas!

As pessoas têm uma visão equivocada, elas acreditam que, fazendo alguma coisa, terão alguma coisa, e aqui não se trata de ter alguma coisa, mas de perder tudo! Não se trata de chegar em algum lugar, mas de descobrir que você já está dentro de casa.

Se você percebe a confusão, ela se desfaz. Quando você chega ao suspeito, acontece uma coisa misteriosa: você descobre que ele não está ali. Não existe tal coisa como uma identidade separada! A Meditação não lhe mostra quem Você é; Ela desfaz a ilusão da mente e, quando não há mente, você tem a casa em ordem. Não há mais um criminoso nem bagunça, não há mais provas nem crime.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 31 de março de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 1 de junho de 2021

Como se faz a autoinvestigação?

Participante: Como se faz a autoinvestigação?

Mestre: Como é que fazem aqueles que investigam crimes? Quando eles chegam na área onde aconteceu o crime, o que eles fazem? Eles observam o que tem ali e procuram evidências do autor do crime.

Aqui, sua vida está confusa, desorientada, infeliz, com alguns poucos momentos de paz, alegria, satisfação e realização, mas muitos outros momentos de desordem interna. Então, agora você é o investigador. Você não vai alterar essa “zona do crime”, mas observar o que pode encontrar ali para obter evidências de quem é o autor de toda essa confusão. Você vai buscar as evidências do autor de todo esse conflito, desordem e sofrimento.

Assim, autoinvestigação é, basicamente, auto-observação. Você não vai acrescentar evidências ou criar novas situações ali, mas observar aquilo que ali está. Você vai procurar quem está criando essa confusão, quem é que está cometendo esses disparates todos.

Em geral, você olha para o mundo e quer consertá-lo, porque a mente lhe diz que é o mundo que o faz sofrer, que são as pessoas que estão criando sofrimento para você. Essa é uma visão equivocada. É como dizer que o crime não aconteceu ali, mas em outro lugar. Ali é a zona do crime, é a zona da confusão, é o lugar onde a investigação deve acontecer, mas você está procurando algo do lado de fora. Em vez de procurar dentro de casa, você está procurando na rua. A confusão está dentro de casa, mas você está procurando a causa da confusão na rua, ou seja, está procurando o que é que está produzindo problemas para você no mundo.

Em geral, as pessoas se comportam dessa forma: o problema é o namorado, o marido, os filhos, o patrão... É sempre alguém ou alguma coisa que as faz confusas, perturbadas e sofredoras. Então, todos estão sempre procurando a confusão no meio da rua, mas ela está acontecendo dentro de casa.

Você quer compreender o que acontece no mundo para se livrar do sofrimento que o mundo lhe causa. Mas, se você olhar de perto, vai ver que você e o mundo são uma coisa só. Não tem nada que esteja acontecendo no mundo que, de fato, não esteja acontecendo em você. A arrogância do outro é a sua arrogância, o medo do outro é o seu medo, a possessividade do outro é a sua possessividade, a violência presente no outro é a violência presente em você.

Então, o que é a autoinvestigação? Não é investigar a vida alheia, é investigar a si mesmo, a sua própria vida! Portanto, aqui a pergunta é “quem sou eu?” e não “quem é o outro?” ou “o que é o mundo?” ou “quem é Deus?”, nem mesmo “o que é a Verdade?”. Você não pode se aproximar Disso dessa forma, a partir de uma ideia, de uma crença. Você não pode transformar alguém em suspeito se você não tem provas, não pode acusar alguém ou o mundo de fazê-lo sofrer sem ter provas, e você encontra as provas, as evidências, olhando para dentro de si mesmo, vendo se suas crenças, opiniões, conclusões e deduções são verdadeiras.

Se descobrir como você funciona, você saberá como o mundo funciona, como o outro funciona. Mas o seu problema não é o outro, não é o mundo; o seu problema é a ilusão acerca de quem você é. Aquele que permanece ignorante acerca de si mesmo e está disposto a continuar vivendo dessa mesma maneira jamais conhecerá a Liberdade. A Real Liberdade é possível quando há Compreensão, e a Compreensão está presente quando a ignorância se vai, e isso é resultado da autoinvestigação. Sem autoinvestigação, sem essa auto-observação, você permanece na ilusão sobre si mesmo, e isso representa não Liberdade.

Não é possível Felicidade sem Liberdade, não é possível Paz sem Liberdade. Eu falo da Liberdade acerca de quem Você é, não uso essa palavra no sentido de uma ação, de um resultado, de uma escolha, de um desejo, de uma vontade. Eu não coloco essa palavra no sentido de liberdade econômica, política ou religiosa, mas apenas Liberdade, no sentido de verdadeiramente ser O que você nasceu para ser, ser Aquilo que você verdadeiramente é.

Então, essa auto-observação do que anda acontecendo aí, sempre através dessa pergunta “quem sou eu?”, pode soar estranho, porque, a princípio, você faria uma pergunta dessa na intenção de mudar o mundo – “Eu quero descobrir quem eu sou porque, assim, eu posso mudar o mundo”, e uma vez que você tenha ciência da Verdade sobre Si mesmo, você descobre que não tem nenhum mundo lá fora para ser mudado ou transformado para que essa Paz e essa Liberdade se estabeleçam.

Assim, aquele que permanece na ignorância e se mantém disposto a continuar assim jamais saberá o que é Liberdade, e pior: ele não se sentirá ignorante, mas livre para fazer as suas escolhas, e ainda vai chamar isso de liberdade.

Existem pensamentos dentro da sua cabeça que acreditam no que querem acreditar, e você acredita que esses pensamentos são seus. Então, no fundo você pensa que pensa e que essas crenças são suas escolhas – é isso que eu tenho chamado de ignorância. As pessoas se veem fazendo escolhas, todas elas baseadas em pensamentos, os quais elas, no fundo, acreditam ser delas e que estão acontecendo na liberdade que elas acreditam ter: aí está a zona do crime, o lugar da confusão. Você não vê isso porque não observa, não investiga.

Nosso trabalho, aqui, é investigarmos isso juntos. Na verdade, aqui eu faço uma abordagem geral sobre isso, mas você precisa começar a trabalhar em si mesmo. Ninguém fará isso em seu lugar, ninguém será o investigador, ninguém tem acesso à sua casa, à zona do crime, ao espaço onde toda a confusão acontece, só você.

Isso é bem interessante, porque nada nem ninguém, coisa alguma, pode ser a real causa da confusão dentro da sua casa. Então aquele que está interessado em viver em paz, sem confusão, com uma “casa em ordem”, precisa ir além da ignorância sobre si mesmo, precisa saber o que se passa dentro, observar isso de perto.

Olhe para as pessoas à sua volta: elas não são diferentes de você! Veja o apego delas às suas crenças. Aquilo que elas chamam de amor são fixações a antigos modelos de crenças. Elas estão apegadas, desejosas, ansiosas, segurando isso. Elas chamam isso de amor e não tentam fazer nada a respeito disso, porque não percebem a confusão em que se encontram. Elas não têm a mínima ideia de quem é o autor de toda essa confusão. Elas estão olhando, como eu disse agora há pouco, para a rua e a confusão está dentro de casa. Elas nunca perguntam “quem sou eu?”.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 31 de março de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

Compartilhe com outros corações