terça-feira, 30 de março de 2021

Sem amor à Verdade, não há autoinvestigação

Ramana dizia que a forma mais direta para a Realização da Verdade é pela autoinvestigação e entrega. É necessário investigar a natureza ilusória dessa entidade que acreditamos ser, dessa pessoa que acreditamos ser.

Então, precisamos ter uma aproximação da ilusão sobre nós mesmos, conhecendo-a. Reparem que esse não é um conhecimento que se adquire. Não temos que conhecer alguma coisa, mas Aquilo que somos, o que significa saber o que nós não somos. Não temos como aprender sobre o Ser, sobre Deus, sobre a Verdade, então não se trata de conhecer Isso.

Se você sabe o que você não é, então sabe o que você é! Se você sabe que não é a mente, que não é o corpo, essas sensações, essas emoções, esses sentimentos, essas percepções, que tudo isso são experiências do corpo e não são você, então você sabe o que você é.

Assim, autoinvestigação é investigar o que você não é, e rendição, ou autorrendição, é amor à Verdade, é entrega à Verdade. Se não houver autoinvestigação e rendição, você terá muita dificuldade.

As pessoas se aproximam de Satsang, mas se afastam rapidamente. Elas não estão dispostas a investigar o que elas não são, porque estão agarradas demais a isso, estão agarradas à mente, à história da mente, à história da “pessoa”. Elas não têm amor à Verdade, então não há entrega, não há autoinvestigação. Elas querem continuar sendo quem elas acreditam ser, pois elas amam quem elas acreditam ser! Elas estão na ilusão, nessa ou naquela forma de conflito, nessa ou naquela forma de problema, de sofrimento, mas, em meio a tudo isso, elas têm algum prazer, ainda, na vida.

Então, elas gostam de suas vidas. Levam uma vida miserável, mas não percebem o quanto de miséria há nisso. Elas não têm referência do que é uma vida livre do ego, livre do sentido de separação, livre da mente egoica, completamente livre do sofrimento. Para elas, isso é surreal, pois elas não têm referência. Elas não estão ardendo pela Verdade, pela Felicidade, pela Liberdade, nem mesmo suspeitam dessa possibilidade, então o estado delas é muito, muito, muito miserável! Estamos falando da grande maioria.

Se você está aqui em Satsang, é por uma ação da Graça, algo muito além de você, algo que o faz suspeitar de que existe uma qualidade de vida inteiramente diferente dessa vida egoica. Há algo diferente dessa estúpida vida do “eu”, desse “mim”, então você está se aproximando da autoinvestigação, está interessado em descobrir o que você não é. Você já desconfiou que não é essa mente miserável, que você não é essas sensações, esses pensamentos, essas emoções e toda a história dessa “pessoa”.

A outra coisa é que está nascendo em você o amor pela Verdade, pela devoção, pela entrega, pelo reconhecimento Disso, pelo acolhimento Disso. Então, há algo em você abraçando a Verdade. Você não está mais interessado nas coisas estúpidas da mente, como cultura, política e os problemas diversos que a história do ego tem criado. Você está cansado dessa ilusão tão estúpida, cansou da estupidez. Você está cansado da continuidade, esse é seu momento de Despertar!

Despertar é o Estado de Buda. A palavra “Buda” significa Desperto, aquele que Despertou. Um Buda não é um ser estúpido, ele não se preocupa mais com esse mundo criado pelo pensamento. Um mundo criado pelo pensamento é um mundo com histórias estúpidas que a mente produz, histórias daqueles que dormem, que estão atrapalhados. Aqueles que dormem estão sonhando e, em seus sonhos, estão atrapalhados, em um mundo miserável, que tem a qualidade de um pensamento confuso, desordenado, em conflito, em guerra, em sofrimento. Isso não é você!

Você não é essa mente que criou essa cultura, essa sociedade, essa política, toda essa estupidez! Sua Natureza Real é a Natureza da Verdade, da Sabedoria. Essa é a Natureza de Deus, a Natureza do Buda, a Natureza do Cristo, a profunda e real Inteligência, onde não há ilusão. Se não há ilusão, não há sofrimento, não há ignorância, não existe o mundo mental, o mundo egoico, nenhuma dessas coisas estúpidas que a mente tem construído.

Vocês sabem do que eu estou falando! Todas as divisões só criam conflito, guerra – “eu sou comunista, você é socialista e o outro é democrata; ele é do MDB, o outro é do PT e o outro é do PSDB; esse é católico, aquele é protestante e o outro é espírita”. Opinar sobre isso é tão estúpido quanto pertencer a qualquer uma dessas classes. Defender ideologia sobre isso é tão estúpido quanto participar diretamente disso. Você tem que estar profundamente identificado, perdido, confuso dentro da mente para se sujeitar a essa estupidez.

Então, percebam o que estamos colocando para você neste encontro. Você está aqui para descobrir o que você não é – isso é autoinvestigação. Investigar a si mesmo é saber aquilo que você não é. Você não pode saber Aquilo que você é de uma forma direta, mas pode investigar o que você não é. Se eu falo que você é Sat-Chit-Ananda – Ser, Consciência e Felicidade – isso fica apenas como um conceito, como uma ideia, como uma crença. Você não precisa acreditar nisso. Isso é O que você é, mas não precisa acreditar.

Realização não é uma coisa que nasce da crença, é algo que vem quando a ilusão cai. Assim, quando você sabe o que você não é, a ilusão cai e, quando isso acontece, a Realização está aí... ela sempre esteve aí, não é uma coisa nova. A única coisa nova nesse instante é o fim da ilusão do sentido de separação, do sentido de dualidade, dessa estupidez, do sentido da mente egoica. É só isso que termina!

Isso vem da autoinvestigação e da entrega, que é devoção. Lembre-se: devoção é amor à Verdade. Se isso não estiver presente, queimando aí, não será possível a autoinvestigação. A real autoinvestigação é devoção; devoção é amor à Verdade; a Verdade é essa Presença, é essa Consciência; a Verdade é o Ser.

Quando nos aproximamos do Guru, algo acende dentro de nós. O Guru é Aquele que toma a forma dessa Presença, dessa Consciência, dessa Verdade que somos. O Guru tem uma função muito importante nesse Despertar. Ele é essa Presença, essa Consciência, essa Realidade que somos, nos falando diretamente ao Coração, nos despertando para esse amor à Verdade, para essa entrega. Então, a autoinvestigação se torna possível, porque perdemos o medo de olhar para aquilo que não somos, perdemos o medo de soltar o conhecido, ao qual estamos agarrados.

O Guru nos dá a sua Graça, então perdemos o medo, mas damos muito trabalho ao Guru, porque estamos muito agarrados. Quando vamos ao Guru, ele nos olha e percebe o quanto estamos agarrados, mas a sua Graça, essa Presença-Consciência, essa Compaixão, acende em nós esse amor à Verdade, então ficamos dispostos a olhar para aquilo que não somos, a abrir mão daquilo que não somos, a soltar tudo isso.

*Transcrito de uma fala ocorrida em 10 de maio de 2017, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 26 de março de 2021

Não tem ninguém para rejeitá-lo

Participante: Mestre, pode falar sobre o sentimento de rejeição? Eu percebo que é um favorito aqui na minha cabeça.

Mestre Gualberto: O que é rejeição? O que você chama de sentimento de rejeição? Dê um exemplo do que você chama de rejeição.

Participante: Sentimento de tristeza acompanhado pela ideia de que as pessoas não gostam de mim.

Mestre: Por que elas precisam gostar de você?

Participante: Sinto-me rejeitada quando não sou apreciada ou quando não tenho minhas crenças confirmadas.

Mestre Gualberto: Então, deixa eu entender… Você tem que ter a aceitação das pessoas tendo a aprovação das suas crenças por elas, é isso? Quem são essas pessoas?

Participante: Pensamentos.

Mestre Gualberto: Uma bela teoria! Se não fosse uma teoria, você já teria se livrado dessas “pessoas”.

Não adianta você ficar sabendo dessas coisas, porque o conhecimento não erradica o problema; só a experiência erradica o problema! Se você sabe que as pessoas não são diferentes de você, que esse “você” é só um conjunto de memória, lembranças, pensamentos, então você sabe que não tem ninguém lá. Se você sabe que não tem "alguém" aí, você sabe que não tem “alguém” lá! Se você sabe que aquela pessoa é um conjunto de crenças, assim como você, então não vai ficar esperando apreciação dela para depois se sentir rejeitada quando ela não corresponder, porque não tem “ela” lá, não tem “você” aí. Que coisa importante isso!

Agora, você não vai mais ligar para “pessoas”, então eliminará o sentimento de rejeição na raiz. Você para de se rejeitar ao parar de querer crédito dos outros, aceitação dos outros. Isso acontece muito em relações mais próximas: sua fixação de dependência psicológica é tão forte nesse “outro” que o seu ego se sente amado quando é aceito ou, em outras palavras, quando aquela especial pessoa concorda com as suas crenças. Isso é puramente egoico! Assim, não há como você se livrar do sentimento de rejeição! Pessoas sempre se sentirão aceitas ou rejeitadas enquanto cultivarem essa imagem, que é o conjunto de pensamentos dentro delas.

Então, quando você diz “isso é algo favorito aqui”, é porque nada faz com que você se sinta tão importante quanto ser apreciada pelo ego. O ego tem que, na boca do outro, “dar tapinhas nas suas costas”, apreciá-la. Isso é ridículo! É um sofrimento completamente estúpido depender de pensamentos de aceitação para se sentir aceita, e isso vindo da boca do outro. O outro não está nem interessado em você! Por isso que é algo muito estúpido! Todo ego está interessado nele mesmo, não tem interesse nenhum em você, então você jamais vai se livrar desse sentimento de rejeição, jamais vai parar de sofrer, porque o mundo será sempre a sustentação do seu sofrimento. Mas o problema é o mundo? Não, é você! Está tudo dentro de você! Seja livre! Dê a si mesma a liberdade de não depender psicologicamente das pessoas.

Talvez você diga “essa não é uma questão para mim”. É sim! Preste atenção, que é! Alguns se sentem muito evoluídos, mas basta a mulher olhar de cara feia para se sentirem desprezados pela manhã; basta chegar no trabalho e algum funcionário ter deixado algo por fazer para se sentirem com raiva e reivindicarem os “seus direitos”. Isso é uma forma de se sentir rejeitado também. Há várias formas desse sentido de rejeição estar presente. Se algo fere você, deixa você com raiva, triste, revoltado, cria sentimentos desse nível, tudo isso é por rejeição. Rejeição não só deprime como também deixa com raiva e com vontade de matar.

Ego se alimenta disso, de crenças. Ego é só uma autoimagem que se fortalece dia após dia pela desatenção, pelo cultivo de crenças, por diversas formas inconscientes de dependência psicológica: dependência da namorada, da esposa, da mulher... Existe um jogo sutil por trás dessa coisa. Você tem que ser honesto quanto a isso.

Existe aquele que até não dá suspeita nenhuma de que está com raiva, de que está aborrecido, triste, chateado, mas por dentro está cheio de considerações internas. A mente vive fazendo essas considerações internas: quando você é aceito – que significa que seu ego foi visto, reconhecido, que aquela crença foi considerada – fica completamente à vontade. Mas, quando o seu ego não é aceito, ou seja, quando suas crenças não são consideradas importantes, aí bate o que você chama de rejeição, o sentimento que faz até uma pessoa matar outra. Às vezes, ela não mata fisicamente, mas internamente fica com vontade de matar, de tanta raiva, porque ela foi rejeitada.

Você está muito bem enquanto “não pisam no seu calo”. Tem até um ditado que diz “eu dou um boi para não entrar numa briga, mas dou uma boiada para não sair dela”. Ou seja, no fundo, no ego, você gosta mais de briga do que de paz. A briga é uma coisa muito importante: deixa “você” vivo!

Aqui a recomendação é: pare de depender de pessoas, mas também não se torne independente delas, porque essa é uma outra forma de ego – são dois extremos. Tem aquele ego que não quer ser dependente de pessoas, mas, justamente por não querer, por ser contrário a pessoas, ele é completamente dependente delas; e tem aquele que não gosta de pessoas, para não ser ferido por elas. Todas são completamente dependentes! Eu conheço pessoas que dizem “eu não gosto de gente, mas eu gosto de animais”, e tem aquelas que dizem “olha, eu não gosto de contato com pessoas, porque elas ferem a gente”. Isso é uma outra forma de dependência: medo de gente. Então, você pode ter medo de gente ou gostar de ferir gente – são dois aspectos do ego.

Tem aquele ego retraído, que não fere ninguém, mas tem um medo enorme de ser rejeitado, um medo enorme da opinião dos outros, do que pensam, do que falam dele. Ele se sente um ego inofensivo, que não faz nada para ninguém, mas faz isso consigo mesmo o tempo todo: se sente ferido, magoado, rejeitado... Com os outros é uma seda, mas consigo mesmo é o próprio demônio cuidando dele mesmo. Então, de uma forma ou de outra, você está sempre nesse “escapismo”.

Pare de depender psicologicamente de pessoas e não seja reativo a elas, caso contrário você estará também dependendo psicologicamente delas. Você tem que aprender a ter uma relação livre do ego, mas não é do ego do outro, é do seu ego, porque o ego do outro não o atinge se você não tem ego. Aliás, não tem nenhum ego lá fora atingindo você, é só o seu ego mesmo que está o atingindo aí dentro. Não tem nenhum ego o rejeitando, é só você se autorrejeitando; não tem nenhum ego o elogiando, é só você mesmo se elogiando, ainda que o ego use a boca de uma outra pessoa. Uma pessoa também é só o seu ego do lado de fora. Há apenas um ego, que é você!

Uma hora você está bem consigo mesmo, concordando com as opiniões que você tem – vindas da boca do outro. Noutras vezes, você está mal consigo mesmo, sentindo-se rejeitado porque não está tendo a concordância do outro, que é você mesmo. É sempre você! Não tem nada lá fora o ferindo, magoando, aborrecendo… Não tem ninguém lá fora o aceitando ou rejeitando. Só tem você!

*Transcrito de uma fala ocorrida em 28 de fevereiro de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 23 de março de 2021

Por que alguns fogem da Verdade?

Você pode admirar uma pessoa, sentir uma certa paixão por ela e, assim, querer ouvi-la, vê-la, estar com ela, mas isso não tem nada a ver com o encantamento pela Verdade, pois uma pessoa não tem nenhuma Verdade para lhe transmitir. Com o Guru é a mesma coisa: você pode gostar de ouvi-lo porque o acha inteligente, bonito ou charmoso, mas isso não significa nenhum encantamento, nenhuma conexão.

Encantamento é anelo pela Verdade, e isso é tão importante que você não precisa sentir nenhuma paixão pelo Guru. Existem várias histórias de Gurus que conviviam com discípulos que não sentiam essa paixão. Mesmo com Ramana acontecia isso: alguns discípulos estavam lá com ele, mas sentiam muito desconforto.

Encantar-se pelo Guru é querer a Verdade, porque, se você não quer a Verdade, essa paixão vai ser quebrada, é só uma questão de tempo. Bastará o Guru dizer alguma coisa para ficar insuportável para você, então você fará as malas e sairá correndo. O Guru transmite paz, alegria, silencia a sua mente, então você gosta dele. Mas, se você não tem interesse na Verdade, daqui a pouco você vai encontrar outra coisa que também silencia a sua mente, outra coisa de que você gosta.

Encantamento pela Verdade é algo queimando aí dentro, algo que, para você, representa o fim do sofrimento. Mas como falar de sofrimento se você nem sente sofrimento? Significa algo que representa o fim da ignorância, mas como falar de ignorância se você não sente que vive na ignorância? Encantamento pelo Guru é encantamento pelo fim da ignorância. Se você não sente que vive na ignorância, o que quer que você sinta pelo Guru não é encantamento, é só uma coisa emocional, a qual logo uma outra coisa vai quebrar.

Tem que ter algo aí, dentro de você, mostrando-lhe claramente que você é infeliz sem a Verdade, que você não está bem, que tem algo realmente faltando aí. Eu já vi muitas pessoas se aproximarem e ficarem encantadas com a minha linguagem, com o meu olhar, com o meu jeito, mas cadê elas? Elas me achavam a pessoa mais inteligente e mais interessante do mundo, mas cadê elas? O que aconteceu? Eu explico: elas estavam aqui pela razão errada. Elas não estavam por elas mesmas, mas pelo silêncio do Guru, pelo olhar do Guru, pelo brilho do Guru. Se elas estivessem por elas, teriam a sensação clara de terem encontrado um diamante. Se você encontra um diamante, você não dá na mão de uma criança para ela brincar com ele, você o protege, porque sabe o valor daquilo; não é uma pedra de vidro, é algo valioso!

A gente não valoriza o que não tem valor. Se não dermos valor a algo, por maior valor que tenha, isso não terá valor algum! A Verdade é uma coisa assim; a presença de um Santo, de um Sábio na nossa vida, é assim. Se a presença de um Sábio, de um Ser Realizado, na nossa vida realmente fosse algo de valor, nós não abriríamos mão disso por nada, nós iríamos ficar com ele até o fim, porque só tem ele, ele é o nosso diamante. Quantos podem avaliar o valor disso?

É por isso que Jesus dizia “não dê vossas coisas santas aos cães nem vossas pérolas aos porcos, porque, ao pegar vossas pérolas, os porcos irão pisotear sobre elas, e as coisas santas eles jogarão fora”. Está lá na Bíblia! Ou seja, os cães não valorizam coisas santas, nem porcos valorizam pérolas.

Então, se o seu interesse é pela Verdade, você está aqui por causa de você, não por causa de alguém! Você está aqui apesar de alguém, inclusive!

*Transcrito de uma fala ocorrida em 28 de fevereiro de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 19 de março de 2021

Você tem que desaprender tudo

Quando um peixe aparece no cenário, ele pode dizer que não sabe nadar? A natureza do peixe é nadar. O peixe pode ter a crença de não saber nadar, no entanto ele está dentro d’água e já nasce fazendo isso.
A natureza da Consciência em você é de não resistência. Então, quando você diz “eu não sei agir de outra forma”, você tem que mudar isso. Você tem que dizer “eu aprendi a agir dessa forma”. Em algum momento isso floresceu aí, você aprendeu a viver nesse sentido de separação, nessa ilusão, nessa resistência. Agora, é desaprender!
Você tem que desaprender a ser como é, a agir como age, a pensar como pensa, a sentir como sente… Entende o que eu estou dizendo? Por exemplo, quando alguém faz alguma coisa da qual você não gosta, o pensamento que vem dentro da sua cabeça é qual? Vingança. Você não pode desaprender isso e ficar com o prejuízo, sem o pensamento da vingança? Você não pode desaprender isso? Será que todo mundo que sofre alguma coisa passa o dia pensando em se vingar? Será que não tem alguém nesse planeta capaz de desconsiderar uma afronta ou maus-tratos recebidos de uma outra pessoa?
Então veja, é possível desaprender a ser mau, a ser reativo, porque é uma coisa aprendida, não há como discordar disso. Não é da sua Natureza reagir desse jeito. Você aprendeu tudo! Você aprendeu a pensar, a sentir, a reagir, a agir, a fazer, a desfazer, a se vingar, a maltratar, a ferir, a se proteger, a se defender, a escolher... e olha o resultado dessa coisa!
Então, quando você diz “eu não sei agir de outra forma”, o que você está dizendo para mim é que essa é a forma que você aprendeu. É só desaprender, só desaprender… Por isso que na visão de um Ser Realizado, essa Realização não se aprende. Você desaprende tudo e assume a Verdade que já traz.
A natureza do peixe é nadar, ele não precisa aprender isso e muito menos acreditar que não sabe nadar, porque é a única coisa real em sua natureza. Agora, se ele se vê nadando e acha que não está nadando porque tem outro peixe, com o qual ele está se comparando, que nada melhor que ele, esse é um assunto de foro íntimo, ele está com algum problema. Ele gostaria de ter a vida que o outro tem e não a que ele tem, então ele está em apuros.
Portanto, quando você vê alguém se dando bem e você se dando mal, e tem essa consideração entre bem e mal, isso é uma coisa de foro íntimo aí (foro íntimo quer dizer “psicológico”). Você começa a viver sentado numa crença e não num fato, aí você sofre.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 16 de janeiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 16 de março de 2021

O medo não pode se livrar do medo

Você não pode se livrar do medo, porque você é o medo! Não há separação entre você e o medo quando ele está presente. O que o medo faz é se movimentar. Você só deseja se livrar dele porque há uma dor envolvida, então você se separa ideologicamente dessa dor, porque, de fato, você não está separado. Você é a dor do medo quando o medo está. Por isso que análise não ajuda, só camufla, não dá uma ajuda definitiva, só dá um paliativo, porque a coisa analisada e o analista não estão separados.
Repare como isso é interessantíssimo, bastante importante de se compreender.
Quando você quer se livrar de uma dor, você é a dor; não há como se livrar disso! Isso é a própria dor em desconforto se movimentando reativamente. Quando o medo está presente, o desconforto do medo é o próprio medo. Quem está em busca de se livrar desse desconforto se não o próprio medo?
Então, isso é reatividade, não funciona. Medo é medo e jamais vai deixar de ser medo, dor é dor e jamais vai deixar de ser dor. Não pense que é você com a dor, que é você com o medo – você é o medo, você é a dor.
Esses dias me perguntaram no Paltalk: “O ‘eu’ é o medo?” Parece que alguém teve esse insight, esse vislumbre. Eu respondi: “O ‘eu’ não é só o medo, é também o sofrimento, a angústia, a tristeza, a alegria, a frustração, o desejo…”. Você não separa isso, porque não há separação.
Então, aqui o primeiro ponto é: se você deseja se livrar do medo, o medo é esse desejo, e isso é você, então não vai dar certo, não vai funcionar. Aí, vem a pergunta: “Como se livrar do medo?”. Esqueça essa coisa de se livrar do medo! Aí, vem outra pergunta: “O que eu faço com o medo?”. Nada, porque é o medo fazendo.
Aquele que analisa é a coisa que está sendo analisada: não há separação. Então, o terapeuta não é de real ajuda, porque ele também precisa se livrar da ilusão de que alguém pode ser ajudado. Por isso que terapeutas procuram terapeutas para se tratarem, porque eles nunca estão bem, o “eu” nunca está bem, mesmo o “eu” especialista em tratar o “eu”. A mente nunca está bem, mesmo a mente que sabe como a mente funciona.
Eu nunca falei, mas vou falar pela primeira vez: ego não tem cura, mente não tem jeito, por isso. A natureza do ego é medo, a natureza da mente é medo, mas não é só medo, é também desejo, conflito, reatividade, busca, fuga, miséria. É isso que eu tenho chamado de miséria durante todos esses anos e alguns de vocês não têm compreendido. Eu digo que a vida humana, sem a consciência do que é a Verdade desse “ser humano”, é uma miséria.
Todos que estão passando por alguma situação de sofrimento, escutem isso com carinho: vocês não irão se livrar disso! Essa é uma notícia ruim, eu sei, mas a boa notícia é que não precisam se livrar disso para isso desaparecer! Isso está disponível para desaparecer, sempre disponível para desaparecer, sem esse esforço de se livrar. Então, aí entra a notícia boa: o sofrimento não é real, ele não precisa estar aí.
Veja o que eu disse: você não precisa se livrar disso, porque isso não é real! Então eu dei uma notícia ruim e agora eu estou dando uma notícia boa. A notícia ruim é que você não vai se livrar do sofrimento. Todo movimento que você fizer para se livrar do sofrimento vai fortalecê-lo.
Aqui está a chave: rendição! Já que você não está separado do medo, já que não está separado do sofrimento, só resta essa rendição, porque qualquer outro movimento é resistência. Tudo o que se faz necessário é rendição, rendição à verdade. A verdade é o medo? Então, se renda. A verdade é a dor? Então, se renda. A verdade é o tédio, é a solidão, é a raiva? Então, se renda. A resistência está no pressuposto de que tudo isso pode ser vencido, mas essa resistência é o fortalecimento da egoidentidade, desse medo, desse sofrimento, dessa raiva, dessa dor.
Onde o ego está vivendo? Nessa tentativa de fazer algo. Você não pode fazer algo, pode ficar com isso, só. Isso é rendição à verdade! Você se entrega, você não resiste, você para de formular dentro de você outra coisa diferente do que está acontecendo. O que está acontecendo com você neste instante com relação a trabalho, a relacionamento, a saúde do corpo, a problema de ordem financeira, de ordem física do corpo ou psicológica, nessa ideia do “eu”, da mente, nesse processo de pensamento? O que está acontecendo? Há um desconforto? Esse é o seu desafio, pois é aí que seu “eu” está vivo, que seu ego se mostra ainda existindo. Então, você tem um teste, um treinamento pela frente. Essa é a hora que você tem para se desfazer do ego.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 16 de janeiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

domingo, 14 de março de 2021

A maestria de Ser

Em Satsang, nós estamos falando sobre Felicidade, sobre Liberdade, sobre Deus, sobre nós mesmos, sobre Aquilo que está profundamente guardado dentro de nós. A Felicidade é algo que depende de uma maestria: a maestria de Ser. Poucos neste mundo estão interessados na Real Felicidade, isso porque poucos estão mergulhando dentro de si mesmos para encontrar Isso, para tomar ciência Disso.
A natureza da mente é para as exterioridades, para o lado de fora. Ela está interessada em satisfação, preenchimento, conforto, prazer, desejo… As pessoas vêm a mim, mas elas não estão interessadas no que eu tenho para entregar a elas. Elas estão muito dispersas, muito fixadas em exterioridades, em realizações do lado de fora, mas a Felicidade não está em objetos externos, e sim em nós, dentro de nós! E a maestria da Felicidade, a arte da Felicidade, é Ser, não é ter coisas, como um novo marido, uma nova casa, um novo carro, uma nova realização sentimental, emocional, física… A mente está interessada nisso.
Felicidade é esse Estado de Ser e a atividade da mente, toda essa agitação dela, atrapalha Isso. As pessoas estão interessadas em seus projetos, em seus pensamentos, no mundo das formas, no mundo das aparências, das cores, dos nomes; em exterioridades. A beleza não dará Felicidade, a riqueza não dará Felicidade, os objetos não darão Felicidade, o conhecimento não dará Felicidade. Você só encontra Isso aí dentro, somente aí dentro...
Todo o meu interesse é na Felicidade, não em algo desse mundo da mente. A mente é confusão, desordem, sofrimento; a mente é samsara. Samsara é uma palavra para “roda da confusão”, “roda do engano”. Se você tem a intenção de realizar a Felicidade, tem que se tornar um mestre nessa ciência, na ciência de Ser, e sair da mente. Mente é conflito, guerra, caos, dor, sofrimento, miséria. A mente é muito estúpida!
O que você acha disso? Você quer ser livre? A Liberdade está aqui e agora! Permaneça voltado para o Coração, volte-se para dentro, vá além das aparências, dos nomes, das formas, das cores. Externamente, do lado de fora, está o furacão e, no olho do furacão, dentro de você, a calmaria.
Eu amo compartilhar Isso com você: a Verdade presente aqui, neste instante. Então, se torne um mestre de Si Mesmo. Encontre Isso no Silêncio, encontre Isso dentro de você, e não do lado de fora.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 07 de julho de 2017, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

quarta-feira, 10 de março de 2021

O seu mundo é só pensamento

Satsang é algo único, porque aqui você não se encontra diante de uma teoria. Teoria você encontra nos livros, quando vai ouvir um palestrante, quando você se depara com um estudioso, com aquele que sabe, com aquele que conhece... Não é assim que acontece aqui.
Então, o que torna Satsang algo único é que você não vem aprender algo com alguém, não há o que aprender aqui. De uma certa forma isso assusta, porque se a gente está ouvindo uma fala e não é para aprender alguma coisa, qual é o sentido de estar aqui? Quando alguém lhe dá um endereço, ele está apenas lhe dando uma informação sobre como chegar a um determinado lugar. Ele não está lhe ensinando alguma coisa, ele está lhe mostrando como chegar a um determinado ponto. Você pode até ter dificuldades depois disso, mas isso já é uma outra coisa! O que você vai fazer para chegar nesse lugar já é uma outra coisa!
Satsang lhe dá a informação, mas não lhe dá o conhecimento. Em outras palavras: Satsang informa você, mas não lhe dá a teoria do conhecimento daquilo que lhe está sendo informado.
Parece que nós nos deparamos aqui com uma linha muito tênue: você não pode confundir a teoria com a informação, com a indicação. Você percebe a diferença disso? Aqui, o objetivo não é a teoria, mas a visão da Realidade. A Verdade não depende da teoria, do conceito, da crença. Na realidade, quando há teoria, conceito e crença, você não tem a Verdade, tem apenas teoria, conceito e crença mesmo.
Aqui tratamos com você do Despertar da Realidade. Como não se trata de conhecimento, Isso não se aprende. Você não está aqui para aprender, pois um trabalho como este não lhe dá conhecimento. O Estado Natural de Ser não é fruto do conhecimento; é fruto do Despertar! Há um “Despertar para Isso”.
Você realiza Isso por uma ação da Graça, como resultado do florescimento do seu Estado Natural. Seu Estado Natural é algo inato, então, mais uma vez, não há nada a se aprender sobre Isso. É apenas o Despertar mesmo.
Uma bananeira não aprende a dar bananas: isso é inato, é só o que ela pode fazer, é só o que está nela para ser feito! Uma mangueira não vai aprender a dar mangas: isso é algo inato! Está lá!
Iluminação, Despertar, Realização de Deus, não sei como você quer chamar Isso, é só o florescimento do seu Natural Estado. Você não é uma pessoa, embora esteja se vendo assim, porque foi conduzido a acreditar nisso, condicionado a sentir e pensar dessa forma. Essa entidade psicofísica, o corpo-mente, não é você. Isso aí é uma simples expressão do fenômeno do pensamento. Você é a Consciência, é a Realidade Suprema! Você não tem corpo, não tem mente, não é um fenômeno psicofísico. Você não é o corpo nem a mente. Você é o que Você é! Isso não se aprende, Isso é assim!
Participante: E quanto a tudo isso que eu vivo, que nós estamos vivendo?
Marcos Gualberto: Quando você usa esses pronomes, o que você quer dizer com isso? Você está dando a esse corpo, a essa mente, a esse mecanismo psicofísico, a essa expressão do pensamento, uma qualidade de ser, de ser uma entidade real e separada de toda a manifestação, de todos os outros fenômenos, o que não é Real. Pensamento é um fenômeno como qualquer outro, assim como o corpo.
Você aplica esse pronome “eu”, dá um nome a ele, como Carlos, João, José, Maria, e assim por diante, mas isso é só um pensamento, um pensamento nomeando a si mesmo, falando de si próprio, usando expressões de uma língua para criar, de forma fictícia, imaginária, uma entidade presente. Não há ninguém nisso! Não há uma entidade presente nisso! Não há nada no pensamento, a não ser pensamento.
Um pouco estranho isso tudo né? O que eu estou dizendo é que você não é tão real quanto acredita ser.
Participante: E quanto ao que eu sinto?
Marcos Gualberto: O seu sentir está atrelado a essa ideia de um “eu”, mas o sentir, em si, é só parte do fenômeno do corpo. É o corpo que sente, assim como é a mente que pensa.
Sua confusão, seu sofrimento, qualquer perturbação que você esteja vivendo neste momento está se sustentando nessa conclusão de ser alguém pensando, sentindo, fazendo, desfazendo-se de alguma coisa, perdendo amigos, perdendo dinheiro, perdendo família, perdendo entes queridos para o coronavírus, todo esse tipo de coisa.
Isso está nessa fixação do pensamento, é o pensamento contando histórias, dele para ele mesmo, e você confia nisso, se confunde, se perturba, se desorienta e sofre.
Uma vez que você consiga, ao menos, começar a questionar o que pensa e o que sente, e as diretas relações atreladas a esse pensar e sentir, há um tremendo alívio. Você começar a sentir, a princípio, uma tremenda liberdade, por não estar mais ligado a coisas, lugares, pessoas, ou seja, a pensamentos... O mundo é apenas pensamento!
Todos vocês que estão aqui na sala têm certeza que são descendentes dos seus avós? Dos seus bisavós? Você conheceu o seu tataravô? Alguém aqui na sala conheceu o tataravô? Seu tataravô é um pensamento. Eu falei dele e aí ele veio. Você não tem tataravô, não tem bisavô, não tem avô, não tem mãe, não tem pai, não tem o corpo, aquilo que você tem é o pensamento, o pensamento sobre essas coisas. Você não tem um pé direito aí nessa perna, você precisa do pensamento para se lembrar dele.
Assim é o seu mundo – ele está todo no pensamento! Quando o pensamento surge, o mundo surge. Fora do pensamento, Você permanece como Consciência pura, sem tataravô, avô, bisavô, pai, mãe e corpo.
Imagina o que aconteceria com você, de repente, se você se encontrasse sem pensamento. Para que direção ficaria sua casa? Hein? Se você se encontrasse sem pensamento, quem seria o seu marido ou a sua esposa? Sem pensamento, qual seria o seu nome? Você teria um nome? Como o mundo pareceria para você, então? Como você veria o mundo sem o pensamento? Como você chamaria esse objeto no qual você está sentado agora, sem pensamento? Percebe? O seu mundo é todo baseado em pensamento.
E quanto às emoções? Que emoção é essa que você sente? Que nome você daria a essa emoção sem o pensamento? Escute isso com calma... As emoções precisam do pensamento. Essa sensação neurofisiológica, sem pensamento, é só uma sensação neurofisiológica. Então, o que você chama de emoção também é pensamento.
O que eu estou tentando lhe mostrar é que você tem certezas, e todas elas estão baseadas no pensamento. Tudo isso é falso! O que você sente sobre alguém e o que alguém representa para esse “você” é falso, porque “você” não é real. Seu mundo é mental, é só pensamento. Se você fica livre disso, você descobre seu Estado Divino, livre da ilusão desse senso de separação.
O problema com o pensamento é que ele paralisa você, em todos os sentidos. Ele o coloca em uma condição de limitação, provocando uma “realidade” para você, um “faz de contas”, então você encontra isso e fica dentro dessa limitação.
Então, não há Verdade, porque não há Liberdade. Se não há Verdade, se não há Liberdade, não pode haver Felicidade, e o Amor passa muito longe disso. Isso é a ilusão da ignorância – porque não há ignorância, apenas a ilusão.
Seu Estado Natural é de pura Inteligência, de pura Consciência, de Liberdade, Felicidade e Amor; é o seu Ser! Mas essa ignorância, que é uma ilusão, é assumida no lugar da Realidade, e o que está produzindo isso é o pensamento.
O seu mundo é criado pelo pensamento, e é importante que ele tenha problemas, porque assim o pensamento pode se movimentar nesse “faz de conta” para resolvê-los. Isso faz com que uma “pessoa” exista, uma “entidade” esteja presente. Essa é a vida do ego, desse senso de separação, desse senso do “eu”. Você tem que ser alguém!
Na verdade, o pensamento em si não é o problema, mas a não ciência da presença do pensamento apenas como um fenômeno. Isso se torna um problema porque, quando você não dá a atenção devida ao pensamento, termina colocando a ilusão de uma identidade presente nisso, aí surge toda a confusão do sentido do “eu”, do sentido de separação.
Se você não descobre que o pensamento é inofensivo – porque ele é inofensivo – ele se torna muito ofensivo, ele se torna o criador do seu mundo particular. Então, o problema não é a historinha de um bisavô, de um tataravô, de uma avó, de uma mãe, de um pai, de um marido ou namorado, o problema é não ver o fenômeno como um fenômeno, o pensamento como pensamento, é levar muito a sério o pensamento. Resultado disso: desejo, medos, apegos.
No entanto, quando o pensamento já não tem mais essa importância para você, você pode brincar com isso. Você não vai extrair mais do pensamento a ilusão de uma identidade presente. Quando você está livre do pensamento, ele não é mais o problema, a palavra em si não é mais o problema.
Você pode até usar o pronome “eu” e não ter nenhuma identidade presente. Você pode dizer “meu” namorado, “minha” esposa, “meu” filho, “meu” marido, “minha” casa, “meu” carro e não haver nenhum conteúdo de identificação presente por detrás de expressões como essas, porque não há mais a ilusão do possuidor, não há mais a ilusão de uma identidade presente possuindo isso, ou sendo possuído por isso.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 08 de fevereiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sábado, 6 de março de 2021

A Inteligência está além de toda a cultura humana

Nós não conseguimos perceber que temos uma mente muito complexa. Estou falando de comportamento psicológico, dessa maneira específica com que tratamos nós mesmos, a partir de nossa visão do mundo.
A mente tem produzido um mundo particular, e todos nós compartilhamos dessa criação, em uma espécie de vida de grande complexidade. Toda cultura humana, não importando o país onde nascemos e a sociedade em que fomos criados, cultiva esse modelo da inveja, da competição, da aquisição, do controle, da busca de uma realização pessoal, e todas as demais coisas que todos nós conhecemos.
Nós não paramos para investigar aquilo que, na verdade, nós somos, então não há Inteligência, e, sem Inteligência, não pode haver Liberdade, não pode haver Paz, não pode haver Felicidade.
Os nossos valores sociais, educacionais, culturais, todos os valores que recebemos não são reais para nós mesmos. Não há Inteligência em todo esse cultivo da egoidentidade, do sentido de uma identidade particular, assentado na crença de “ser alguém”, um “alguém” que nasceu para “ser alguém”, para ser feliz, bem-sucedido, realizado, amado, aceito, porque isso sempre carrega medo, sempre carrega alguma forma de dependência.
Quando você depende da sociedade, quando depende do mundo, quando depende do outro para “ser alguém”, você é miserável. O ser humano vive em profunda miséria – a miséria de não se conhecer, de não ser Inteligente.
Partir para a direção da Compreensão de Si mesmo, de sua Natureza Real, é o princípio da Sabedoria e da Liberdade. Esse princípio é a consciência da necessidade de Despertar, que é ir além de toda essa mediocridade, essa estupidez, essa necessidade de aceitação, essa dependência… é ir além do medo.
Para isso, você tem que ir além da sociedade, o que significa ir além do pensamento. Todo pensamento é, por natureza, medíocre. O pensamento criou a sociedade, a cultura e tudo aquilo que é importante dentro dela. Isso destrói a Inteligência! Colocando de uma forma melhor: isso é algo que aparentemente oculta a presença dessa Inteligência absoluta, dessa intocável Inteligência. Ela continua intocável, mas é como se Ela fosse destruída ou ocultada por toda essa mediocridade, por toda essa estupidez.
Enquanto o pensamento permanecer aí dentro de sua cabeça e todo o seu modelo de transitar nessa vida estiver baseado nele, essa Suprema Inteligência permanecerá oculta e, sem Ela, não há Liberdade, não há Felicidade, não há Paz.
Você nasceu para a Sabedoria, para a Inteligência, para a Liberdade, para a Felicidade, mas enquanto a sua vida estiver centrada nessa egoidentidade, que é esse modelo psicológico de pensar e sentir, você é só mais um, um cego entre cegos.
Nosso mundo está em falência. Em uma multidão de cegos, alguns podem se levantar para liderar os demais, e aí nós vemos toda essa confusão, no mundo social, no mundo educacional, no mundo político, no mundo da economia, no mundo das relações. Isso não tem cura, porque o ego não tem cura.
Isso é muito estúpido! Se você está aqui nessa sala e ainda tem algum interesse em reformas, em mudanças, em transformações nesse mundo falido, se tem ainda alguma esperança de que um cego possa trazer a luz para outros cegos, se está aqui e ainda gosta de política, que é a única ciência que não evolui, precisa abandonar tudo isso.
A única coisa que não funciona é o pensamento produzindo soluções para problemas que ele mesmo cria. O pensamento criou esse mundo e ele o governa. O pensamento cria confusão e se propõe a resolvê-la.
O pensamento, em sua natureza, é a própria desordem. Tudo o que ele pode produzir é desordem. Ele, sendo estúpido, só pode produzir estupidez. O pensamento cria coisas das quais ele mesmo se orgulha, mas tudo o que ele cria não representa Amor, Liberdade, Felicidade, então ele não serve para nada.
Você precisa ir além do pensamento, além desse mundo que ele tem criado, além da sociedade, além da cultura, além da ciência política, além de toda essa confusão! Você precisa ir além do medo, além do sofrimento, além da esperança, da desesperança, enfim, além da mente!
Então, você precisa estar em Satsang, o que significa se assentar diante da Verdade sobre Si mesmo, porque assim é possível Despertar.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 22 de maio de 2017, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 2 de março de 2021

O pensamento é a maior das drogas

Mestre Gualberto: Por que será que existe esse interesse aí em você? O que o traz a Satsang? O que há de tão precioso em Satsang? Por que um encontro desse é algo tão interessante?
Participante 1: É um silêncio inigualável.
Participante 2: Porque os pensamentos param.
Mestre Gualberto: Por que há Silêncio aqui? Isso já é claro para você? Esse é um Silêncio que não é a ausência de som. O pensamento circulando dentro da sua cabeça é o barulho. Tudo o que você faz em busca da paz é, na verdade, em busca desse Silêncio. Se você está à procura da paz você está à procura desse Silêncio. A Paz não tem nada a ver com o que está acontecendo externamente, e sim, internamente. Se a mente está ocupada com pensamentos, não há Paz. Em alguns breves momentos, você percebe a Paz. Se olhar para dentro da sua cabeça, neste instante, aqui em Satsang, você vai descobrir que não há pensamentos.
O pensamento é um fenômeno, assim como a respiração. Observe a ligação, a relação íntima entre os dois. Quanto maior o fluxo de pensamentos, mais você respira. Quando você está nervoso, por exemplo, estressado, você respira muito e quando não está nervoso, quando está calmo, sua respiração acontece de uma forma lenta e mais suave. A quantidade de inspiração e expiração é muito menor.
Quando há esse Silêncio interno, você respira muito pouco. Se esse Silêncio for profundo, por haver uma completa ausência de pensamentos, e você olhar para o corpo nesse momento, vai ver que ele “para” de respirar. A respiração se mantém apenas num nível para sustentar as células com oxigênio suficiente. Quando você está nervoso, estressado, você respira de uma forma; quando está com medo, de uma outra forma; quando a raiva está presente, de outra; e quando não há pensamento, respira também de um outro modo.
Silêncio é a natureza da Consciência, que representa a ausência de pensamentos. Identificado com a mente egoica, você vive esse estado comum, ordinário, da “pessoa”. Esse é um estado de muita respiração, porque há muito estresse. Há muitos desejos, conflitos, medos e pensamentos.
O vício no pensamento é o grande vício! Nós ficamos um pouco assustados quando ouvimos falar que alguém cheira pó ou fuma pedra, mas esse não é o vício perigoso. O vício perigoso é o do pensamento. É esse vício do pensamento que leva você aos outros vícios.
O ser humano, em geral, está vivendo como uma criatura drogada. Quando acorda pela manhã, ele já tem o início do efeito da droga. Ele acorda e a droga “pensamento” começa a entrar em seu sistema. Isso acontece porque o pensamento não é visto. Você não vê o pensamento! Ele o captura e você não tem a mínima noção de que está sob seu efeito; é uma droga invisível. Você não a vê, mas está sob o efeito dela o dia inteiro.
Essa droga o coloca em um estado de inconsciência, de sono. Ela está no controle completo! Com o uso dela, você experimenta todos os seus efeitos: os sentimentos, as emoções, o modo de perceber o que se passa externa e internamente... Tudo isso acontece na inconsciência!
Sob o efeito do pensamento, você adota diversas formas de fuga para todo esse conflito que o próprio pensamento representa nessa inconsciência. Tudo isso você faz, na verdade, porque o pensamento é um peso muito grande. Pensamento no controle é desordem, confusão, conflito, sofrimento, inconsciência. Então, o que eu acabei de chamar de “sono” é essa inconsciência provocada por essa droga chamada “pensamento”. É importante observar o movimento do pensamento, ou você não terá nenhuma consciência dessa inconsciência.
Em geral, as pessoas não sabem o que é Meditação. Ela tem início quando você começa a perceber esse movimento de inconsciência, que é esse movimento de mente acelerada, de pensamentos acelerados e em desordem que acontecem dentro de você. As pessoas dizem que elas pensam… Elas não estão presentes, o pensamento sim. Então, o pensamento pensa. A “pessoa” é o pensamento que pensa. Compreende? O pensamento que pensa: é isso que você chama de “pessoa”. Você não é alguém pensando, o pensamento é a “pessoa” que pensa. O pensamento se passa por “alguém pensando”. Não sei se você compreende o que quero dizer... Você não está pensando, você é o pensamento, e, se só há pensamento, não há Consciência.
Isso explica toda a confusão, toda a bagunça, todo o sofrimento presente no mundo. Você é o mundo! O mundo em confusão, em conflito, na dor, no sofrimento, esse mundo louco é você! Você fica livre do pensamento e, então, não tem “você”, não tem mais mundo e não tem mais confusão também. Não tem mais droga, porque não há mais inconsciência.
Tudo o que a mente conhece é tudo o que você conhece, que é tudo que o pensamento conhece: confusão, desordem, imaginação, fantasias, desejos, medos… barulho! Na verdade, isso é a ausência do seu Ser, porque o seu Ser não é isso. O seu Ser é Divino, é Inteligência, é Sabedoria, é Amor, é Paz, é Consciência. As pessoas vêm a mim e dizem “o que é isso?”, e eu pergunto a elas “isso o quê?” Então, elas dizem “de onde vem essa Inteligência, essa Liberdade e tudo isso?”. Quando eu as escuto perguntarem isso, eu não sei exatamente o que elas estão perguntando. A única coisa que eu posso dizer para você é que Isso é a sua Natureza Real, que é Ser, que é Consciência, Inteligência, Sabedoria, Paz.
Tudo o que você precisa já está presente Naquilo que Você é. Portanto, se você assume a Verdade sobre si mesmo, você fica Livre em seu Ser. Não há necessidade de drogas, porque livre do pensamento você está livre de todas elas.
Você se confunde com o pensamento, assim como se confunde com a ideia de ser “alguém”, que você chama de “você”. Se confunde com a experiência da sensação de alívio temporário quando a mente é obrigada, por um efeito químico, a diminuir o volume de pensamentos. É evidente que sob o efeito da maconha, ou do álcool, ou de alguma outra droga, existe um temporário alívio dessa pressão psicológica que o pensamento exerce sobre o cérebro. O corpo relaxa, a respiração diminui. Esse bem-estar não está vindo do efeito da droga. A mente diz que vem do efeito da droga, e quer buscar de novo essa experiência.
A Natureza do seu Ser é bem-estar. A mente egoica captura a experiência de bem-estar e atribui isso ao efeito da droga. Mas você pode estar sem nenhum efeito de droga, como diante de um pôr do sol, sentado numa praia, olhando o mar, onde o seu cérebro também irá se acalmar, o ritmo da respiração irá diminuir, assim como o volume de pensamentos, então haverá também um bem-estar. No entanto, sua Natureza Real está além do cérebro!
O que você consegue com o uso da droga, alguns podem conseguir pulando de asa-delta, praticando um esporte radical, mas o que cada um está vivenciando é um contato temporário com o seu próprio Ser. Um está fazendo uso das drogas e ficando viciado; o outro está fazendo o uso do esporte radical e também ficando viciado. Dessa forma, toda dependência de uma experiência para se obter esse Silêncio, essa Paz, essa Liberdade interna é, na verdade, uma prisão.
Você precisa descobrir o seu Ser e viver Nele. Se você permanece em seu Ser, você permanece em Paz, em Alegria, em Liberdade, em Felicidade. Seu Estado Natural é uma grande “chapação”. Seu Ser é Consciência, que é pura Alegria. Viver nessa Liberdade, nessa Paz, nessa Felicidade, é viver embriagado do Divino, é viver “chapado” do Divino. Então, você não precisa da mente egoica, não precisa do pensamento ou de drogas para suprimir o peso que a droga do pensamento produz.
O problema com o uso das drogas é que o estado egoico já é uma grande droga, porque o pensamento já está produzindo isso. Então, quando você faz uso de uma droga, não só não está se libertando do pensamento, como está se tornando escravo, vítima, de mais uma armadilha do próprio pensamento. É o pensamento tentando lidar com o pensamento através de uma substância química. Portanto, isso é algo desaconselhável para aquele que pretende Acordar.
Aqui, o objetivo é ir além da mente, e não entorpecer a mente, provocar nela um efeito de desaceleração. Aqui, o propósito é um cérebro altamente capaz, de uma velocidade, de uma rapidez clara e completa; um cérebro bastante objetivo. No entanto, as drogas reduzem isso, entorpecem o cérebro, o deixam lerdo, preguiçoso. Na verdade, embotam o cérebro. A droga não lhe dá Inteligência, ela o torna estúpido.
As pessoas fazem tudo isso porque o pensamento é uma droga pesada e nada suave. Então, as pessoas fazem isso para escapar, temporariamente, de si mesmas, desse movimento caótico, perturbado, sofredor, conflituoso, que é o pensamento. As pessoas fazem uso de drogas ou substâncias químicas porque elas estão perturbadas. Se elas estivessem realmente felizes, em paz, não fariam o uso dessas substâncias. Se elas já estivessem livres do pensamento, não fariam o uso dessas substâncias. Então, o problema sempre é o pensamento. A presença do pensamento é o sofrimento, é o que o faz buscar formas de fugir da aflição que ele causa.
Quando você descobre que é possível viver livre da mente, de toda a confusão que ela produz, você constata, dentro de você, algo muito maior que as substâncias químicas. O efeito de Liberdade, de Paz, de Alegria, de ausência de pensamentos, de ausência de conflito, está dentro de você. Você não precisa de uma droga para produzir Isso!
*Transcrição de uma fala ocorrida em 03 de fevereiro de 2021, num encontro aberto online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

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