terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Como a mente funciona? | O observador e a coisa observada | Advaita Vedanta | A dualidade

A pergunta seria a seguinte: o que é a mente? O que é que nós entendemos por mente? Esse processo em nós, de reconhecimento, é o que nós poderíamos chamar de mente... o simples reconhecimento. O que é o reconhecimento? Aquilo que se mostra para você é visto e reconhecido. Se um objeto lhe é mostrado e você o reconhece, significa que a presença desse reconhecimento é a presença da mente.

Vamos ver como é que acontece essa coisa do reconhecimento. Se você vê um objeto e o reconhece é porque você já teve uma experiência com ele. Então, você tem uma determinada experiência e, quando o objeto, aquele dado objeto, lhe é mostrado, você o reconhece. Esse é o sentido daquilo que nós chamamos de mente.

É assim que nós funcionamos internamente. O pensamento em nós é um simples reconhecimento de uma experiência pela qual passamos. Nós passamos por uma experiência e essa experiência é reconhecida em nós, dentro de nós, nesse formato que é o pensamento.

Vou exemplificar: você vê alguém e, ao encontrá-lo novamente, você o reconhece. Você só o reconhece porque você tem o pensamento – que é, na verdade memória – daquela experiência pela qual você passou. Isso é reconhecimento. Você reconhece a pessoa, e esse reconhecimento é a mente.

A presença do reconhecimento de uma dada experiência só é possível porque você tem uma memória, você tem uma lembrança, você tem um conhecimento prévio, você tem um pensamento sobre aquilo, sobre aquela experiência, ou sobre aquela pessoa, ou sobre aquela dada situação.

Então, o que é a mente? É esse processo de reconhecimento de experiência. Como a mente funciona? A resposta para isso é: fazendo isso o tempo todo! Então, a mente em nós vive fazendo isso o tempo todo; é assim que nós funcionamos psicologicamente, internamente, interiormente. Nós temos a expressão “minha mente”... Na verdade, é a mente em Você. É esse processo de consciência em Você que nós chamamos de mente. Eu tenho chamado esse processo de “consciência mental”, porque é a presença da mente, que é consciência.

Toda a nossa consciência mental é a consciência do reconhecimento. Então, nós temos a experiência, temos a lembrança, temos o pensamento… e aquilo, quando se faz importante, se mostra como um reconhecimento quando algo se apresenta. É basicamente assim que a mente funciona, que essa consciência mental funciona.

Até aí, tudo bem, precisamos disso para esse sonho de vida, como eu tenho chamado essa vida nossa. Porque isso aqui é um sonho, semelhante ao sonho que a gente tem à noite. Isso aqui também é um sonho. À noite, a gente dorme e tem um sonho; a gente vê o mundo e a gente reconhece o mundo. Mesmo quando, no sonho, nos aparecem pessoas desconhecidas, nós temos o reconhecimento de que são pessoas. Esse é um reconhecimento que tem por base a experiência de sempre reconhecer pessoas quando elas se mostram.

Esse é o processo da consciência mental. A gente tem essa consciência no sonho à noite, quando dorme, e tem essa consciência agora aqui, acordados, no estado de vigília. Até aí, OK; até aí, tudo bem. O problema é que essa consciência mental… além dessa memória simples, de puro reconhecimento de experiências, de lembranças, de imagens, de memória, nós temos uma qualidade de memória, uma qualidade de pensamento, uma qualidade de reconhecimento, completamente equivocada; algo bastante insano, bastante louco.

Nós colocamos, em nossa experiência de vida, aquilo que não tem nenhuma realidade de uma simples e direta experiência de memória objetiva, de memória de objetos, pessoas, coisas e situações. Eu chamaria de “memória dos fatos”. Fora essa memória dos fatos, que é bem natural, nós temos uma memória psicológica; essa memória é o problema! Essa memória é o fundamento da confusão psicológica em que vivemos.

Então, internamente, estamos vivendo dilemas, contradições, desordem, sofrimento; estamos vivendo quadros de insanidade, de perturbação, em razão da presença dessa qualidade de memória – são nossas memórias psicológicas. O sentido do ego está presente, o sentido do “eu” está presente.

A expressão “ego”, “eu”, pode ter diversos significados. Eu não sei bem qual é o significado que a psicologia dá a esse termo. Agora, aqui, eu coloco no sentido da ilusão de “alguém” no reconhecimento. Vamos esclarecer isso para vocês.

Existe esse reconhecimento. Isso é a presença da consciência mental, é o simples reconhecimento. Ao ver um rosto, ao ver uma pessoa, ao ver um objeto, há um natural reconhecimento desse fato, dessa coisa simples e objetiva; essa é a memória normal, a memória natural, uma coisa que nós precisamos dela, até para trabalhar, para funcionar no mundo, pelo menos nesse sonho chamado “vida humana”. Precisamos saber o endereço de nossa casa, precisamos ter a clara lembrança do nosso nome, reconhecer o rosto da esposa… porque, se você confunde a sua esposa com uma outra mulher, você vai ter problemas. Então, precisamos ter essa memória! Tem algo errado com você se isso acontece! Então, nós precisamos disso!

Então, a memória dos fatos é simples. Só que nós temos um problema aqui – eu chamaria isso de falso reconhecimento, a ilusão desse reconhecimento. É aqui que surgem os problemas para todos nós. O sentido do “eu”, do ego, dessa identidade… e, aqui, eu uso essa expressão “ego” nesse sentido: no sentido de uma identidade presente dentro de um falso reconhecimento. OK?

Se eu lhe mostro um objeto, há o reconhecimento simples e direto. Você diz “isso é um copo”, “isso é uma mesa”. Se eu lhe mostro uma foto, você diz “essa é a minha esposa” ou “esse é o meu filho”. Esse é o reconhecimento natural. Isso requer um cérebro funcionando perfeitamente bem, para que isso seja possível. Mas existe esse reconhecimento falso, esse reconhecimento que eu chamaria de reconhecimento em dualidade. Seria alguém reconhecendo a experiência se vendo separado da experiência.

Os problemas que nós temos, todos eles, estão em cima desse reconhecimento da dualidade, ou melhor, desse reconhecimento em dualidade, no qual existe você e aquilo que se mostra, você e aquilo que se apresenta. Todo o nosso fundo psicológico – que nos causa sofrimento no nosso viver, no nosso dia a dia, nos persegue no estado de vigília e nos persegue também nos sonhos à noite – está nesse princípio de que existe esse “eu”, esse “mim”, esse ego, vendo isso, sentindo isso, disso querendo se livrar, disso querendo se proteger, dessa determinada coisa, julgando, avaliando, comparando com outras… Isso é possível dentro desse princípio de reconhecimento (como estou chamando agora aqui) em dualidade: o sentido de um “eu”, presente nessa experiência.

A sensação presente do medo, por exemplo, ou da raiva, do ódio, da ansiedade, dessa ânsia por mais, toda forma de desconforto presente, psicológico, em nós, está em razão desse princípio ilusório de reconhecimento em dualidade.

Nós não temos só o pensamento claro, objetivo, funcional, que se faz necessário para uma vida nesse mundo de sonho, natural. Nós temos também esse conjunto de memórias, de lembranças, de pensamentos, psicológico.

Nessa qualidade de pensamento, nós somos “alguém” especial. Esse “mim” precisa se preencher em suas experiências. Então, tem ele – esse “mim”, esse “eu” – e a experiência para preenchê-lo. Nessa divisão, se estabelece o sofrimento, se estabelece o conflito.

Então, quando o medo está presente, quando a raiva está presente, o ódio está presente, é esse “eu” presente rejeitando, lutando, em contradição com essa dada experiência, querendo fazer algo com aquilo. Isso sustenta em nós essa falsa identidade, que é o “eu”, que é o ego, que é esse sentido de “alguém”.

Então, há essa ilusão de “observador e coisa observada”; o observador e a coisa observada... O pensamento em você diz coisas que não tem a menor realidade. Isso passa a ser muito real para você quando você se vê como sendo “alguém” que está pensando aquilo. Então, não é só um reconhecimento, é “alguém” se separando daquele pensamento, tentando lidar com aquilo, tentando fazer alguma coisa com relação àquilo.

As imagens que nós temos uns dos outros: “eu gosto de você”; “não gosto dele”; “eu quero isso”; “eu não quero aquilo”; “sinto muita falta disso”; “sem isso, eu não consigo ser feliz”... Esses pensamentos todos denotam a presença desse falso reconhecimento, desse reconhecimento em dualidade. Nosso comportamento egoísta, nosso comportamento egocêntrico, nosso comportamento se separando para exigir, para cobrar, para tentar mudar, sustenta em nós a raiva, sustenta em nós o ódio, sustenta em nós o conflito em nossas relações.

Esse comportamento é o comportamento do “eu”, do ego, é a qualidade de reconhecimento em dualidade, o sentido de “alguém” presente querendo mudar o mundo, querendo mudar as coisas, querendo mudar o outro. Então, há sempre em nós esse problema: o problema do “eu”; isso é o ego.

A vida não está completa, ela não é uma vida onde não há qualquer separação, onde está tudo certo, onde está tudo correto, onde está tudo no lugar. Há sempre o sentido de “alguém” se separando dentro desse reconhecimento, se vendo separado daquilo que se mostra, exigindo algo, cobrando algo, reclamando de algo, tentando modificar alguma coisa para se autopreencher. Esse é o sentido do ego presente!

Então, como a mente egoica funciona? Dentro dessa condição! Isso implica infelicidade, isso implica sofrimento; a implicação disso é inquietude psicológica. Então, nós temos uma mente inquieta, tagarela, onde os pensamentos são descontrolados, repetitivos; onde as imagens surgem sem qualquer controle, sem qualquer percepção de nossa parte, porque elas estão ali criando, em nós, estados, se sustentando em estados emocionais e de sentimentos em nós, nesse corpo, nesse mecanismo, e a gente não sabe lidar com isso. Tudo isso em razão dessa não compreensão de como a mente funciona.

Olhar para aquilo que a mente traz agora aqui e perceber o aparecimento dessa separação entre o observador e a coisa observada, entre o medo e “eu”; ver essa separação desse “eu” e o medo, ver essa separação entre “eu” e a imagem que tenho de alguém, o julgamento que faço dela, a crítica que faço sobre ela, o quanto ela me ofende, o quanto ela me magoa, o quanto ela me me entristece; perceber que ela é um objeto e eu sou o sujeito passivo dessa aparente experiência, recebendo consequências disso; ver esse quadro, que é o quadro da identidade egoica, desse “eu”... Perceber isso é perceber como a mente egoica funciona.

Tudo que você precisa é descobrir como a mente funciona – e, aqui, eu quero me referir a essa mente em dualidade, não à mente de que nós fazemos uso no dia a dia de uma forma muito direta, à mente de que nós precisamos para escrever uma carta, para fazer qualquer atividade, mas a essa mente conflituosa, essa mente caótica, desordenada, essa mente dentro dessa insanidade, dentro dessa loucura, sustentando divisão, separação, em nossas relações.

Um exemplo muito simples é a relação entre pessoas, entre nós. Numa relação, você tem o reconhecimento de uma imagem: a imagem do marido, da esposa, dos filhos, do patrão, do empregado… E, ao olhar para ele, você gosta, não gosta, ou é indiferente, ou se sente ameaçado, ou triste com a presença dele ou dela… Isso só é possível porque você se separa como sendo o observador, se separando dessa imagem, que o próprio pensamento está construindo e sustentando em suas relações.

As nossas relações com as pessoas estão baseadas nessas crenças, nesses modelos. A pergunta é: é possível termos, no contato com alguém, apenas o direto reconhecimento do rosto, do nome, do lugar que ela ocupa em nossas relações, mas sem esse fundo de condicionamento psicológico, sem esse fundo de separação? É possível a gente lidar com as pessoas como elas são, não como o pensamento, dentro de nós, idealiza que elas deveriam ser, ou poderiam ser, ou precisariam ser, para nós?

Ficou claro, agora, o que é essa dualidade? Isso é direto da Advaita Vedanta. O sentido de dualidade não tem Verdade. Só há Consciência, e essa Consciência é Aquilo que Você é em seu Ser. Não existe uma segunda coisa, não existe o mundo, não existe a “pessoa”, não existe o “eu”, não existe esse “mim”. Se há esse “eu”, tem o outro; se há esse “mim”, tem o mundo. Só há essa Consciência! Isso é Advaita, a não dualidade.

Quando a mente está em seu Natural Estado Real, de Pura Consciência, ela é como um lago, um lago sem agitação, um lago plácido, calmo… Eu chamaria isso de Mente Divina, a mente em seu Natural Estado, onde essa Consciência funciona de uma forma real. Essa Consciência é a Verdade da Não Dualidade.

Então, é possível vivermos livres das imagens, desses quadros, desses pensamentos… vivermos livres dessa condição psicológica de reconhecimento em dualidade (“eu e ele”, “eu e ela”)? Viver além desse “gostar”, “não gostar”, “essa é uma boa pessoa”, “aquela é uma má pessoa”...? Viver sem essa ilusão de amigos, inimigos? Viver sem esse sentido do “eu”, do “mim”, do ego?

A possibilidade disso está em perceber em si mesmo, olhar para dentro de si mesmo e ver esse movimento da mente e o que ela está produzindo nessa condição de memória psicológica… esse tipo de memória, né? Ficou claro aqui para vocês: a memória que sustenta esse “mim”, esse “eu”, esse ego.

Esse é o assunto aqui para vocês, esse é o assunto que nós investigamos juntos dentro desse encontro. OK? Ficou claro isso aí?

Valeu pelo encontro. Até a próxima!

Dezembro de 2022
Gravatá-PE
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