terça-feira, 26 de outubro de 2021

Não há um “eu” dentro nem fora

Participante: Mestre, às vezes não consigo distinguir claramente o "eu" de fora e o "eu" de dentro. Tem como clarear essa dúvida?

Mestre Gualberto: Pega o "eu" de fora e o "eu" de dentro e joga fora, aí clareia a dúvida. A sua dúvida está exatamente nessa tentativa de separar. Quem está nessa separação? Quem é esse que separa o "eu" de dentro e o "eu" de fora? Isso ainda é "você", é a "pessoa", é a mente. Você tem que jogar os dois "eus" fora, o de dentro e o de fora, e aí haverá Clareza. Haverá Clareza não porque um "eu" de dentro teve "clareza" e jogou o "eu" de fora para longe, mas porque não ficará nem o "eu" de dentro nem o "eu" de fora. Livre-se dos dois e, depois, se a pergunta ainda estiver presente, traga-a novamente.

Parece que se você se livra dos dois, fica só a Clareza. Só que não é a "clareza" de alguém, é só a Clareza. Clareza é o seu Estado Natural. Você é Clareza! Se existe essa dicotomia, se existe essa divisão, ela ainda é parte da dualidade.

Participante: Mestre, como saber que é Deus quem está realizando e não eu? Devemos estar em inércia?

Mestre Gualberto: É a mesma resposta. Quem é esse que fica sabendo quem está realizando, se é Deus ou não? Para quem é essa dúvida? Isso é como uma dúvida quanto à existência de um "eu" interno e um "eu" externo. Livre-se dessa ideia de um "eu" que possa saber e um "não eu" do qual você tem que se livrar. Livre-se dos dois.

Quanto à questão "devemos estar em inércia?", eu lhe digo que a inércia é impossível, pois a natureza sempre vai colocar esse organismo aí para fazer algo. Experimente ficar em inércia. Diga assim "eu não vou fazer mais nada", tome essa decisão e depois me diga quem tomou essa decisão e se ela foi cumprida. Inércia é impossível!

Aqui, a ênfase está em estar ciente do show, do que ocorre no palco, e não de parar o que está acontecendo nele. Isso é como estar ciente da tela onde o filme acontece, mas não parar o filme e deixar a tela em branco. A tela não vai ficar em branco, sempre haverá um filme passando nela. Tome ciência da tela e curta o show. O show não vai parar! Da mesma forma que não há como acontecer a inércia, não há como o espetáculo parar.

Esse show não está sendo produzido, dirigido ou colocado em cena por você. Há algo fazendo esse show acontecer. A sua liberdade está em tomar ciência dessa Consciência. A sua liberdade está em tomar ciência do palco e assistir ao show, inclusive interagindo sem nenhuma ideia como "estou fazendo, eu sou o fazedor, faço parte do show". Não existe isso, existe só o show e ele acontece no palco.

A Liberdade da Felicidade de Ser reside em não se separar, em não ter a ilusão da separação entre o que acontece e o "lugar" onde tudo acontece. Não há separação! É porque, misteriosamente, tudo que acontece nesse palco ainda é parte dele. Não há nenhuma separação, está tudo no lugar, está tudo certo e o show não vai parar.

É a mente egoica, separatista, conflituosa que quer se livrar das experiências para ter paz. Ela imagina uma paz fora das experiências e quer se livrar delas para ter essa paz – isso é parte da ilusão do conflito da mente.

O problema não está na experiência, não está no espetáculo, não está no que acontece, mas na inconsciência do palco, na resistência à presença do palco, à presença de tudo.

Então, o que é ver essa Consciência? É permanecer Naquilo que é, permanecer na Verdade. Essa é a Visão Divina, a Visão da Graça, a visão de Deus. Essa Graça, essa Presença, é algo que brilha claramente no que quer que esteja aparecendo. Ela é o fundo de toda experiência, de todo acontecimento. Ela é o palco, é a tela.

É que você esquece sempre o palco, a tela, e se envolve demais com o drama, com o romance, com a comédia, com a tragédia, com o que está acontecendo ou aparecendo. Aí você personifica, particulariza isso e, então, entra em conflito, entra em guerra e tem problemas – são problemas criados pela ilusão da separação. Assim, sua atenção está fora da Consciência, pois está presa ao objeto da experiência.

Você fica preso a um falso saber, a um falso entender, a um falso controlar, a um falso resolver, a um falso decidir, a um falso escolher… Ah, e isso é fator de estresse, claro! Então, você pensa muito, não come direito, não dorme direito, quer carregar o mundo nas costas, quer resolver todos os problemas de ordem particular. Você pensa em termos de uma entidade presente que tem que resolver as coisas, e isso é muito pesado.

Meu Guru sempre dizia: "Entregue para Bhagavan que Bhagavan cuida". Parece que é uma lição difícil para alguns de vocês pegarem rapidamente e, então, deixarem Deus cuidar de tudo, ou seja, caírem fora dessa condição precipitada, arrogante, de controle, de poder de resolver, de mudar as coisas, de capacidade de salvar "A", "B", "C" ou "D" do destino de cada um, enfim, essas fantasias todas que o ego tem.

Esse senso de responsabilidade, de consciência social, política, espiritual, moral… É tanta "consciência" que a Consciência real – que é ausência de conflito, de peso, a Graça Divina – está ausente. Dessa Consciência, ninguém fala! Ninguém fala para você "olha, a única Consciência possível é a da Presença de Deus, e é Ele que faz tudo, o show é Dele! Renda-se!" Então, há muita resistência.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 23 de junho de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

Não perca a tela de vista

Participante: Mestre, é possível estar ciente no sono?

Mestre Gualberto: Não é possível a pessoa estar ciente, a pessoa é inconsciência sempre! A vigília, o sono e o sonho aparecem e desaparecem, mas sua Natureza Real não tem isso – Ela não aparece e desaparece. Então, quando você pergunta "é possível?", eu pergunto: para quem?

A Consciência jamais deixa de permanecer no lugar Dela. Na verdade, não está faltando Consciência em você, esse não é o problema. O problema é que essa Consciência em você está embolada com o sono, a vigília e o sonho. É como se Ela estivesse esquecida.

É como num filme, em que ninguém presta atenção na tela. Mas sem tela não há filme! A coisa mais evidente é a tela, mas ninguém dá atenção a ela. O seu problema é o interesse no filme, diferentemente do Sábio, daquele que está Realizado, pois todo o interesse Dele está na tela. Ele só observa o que acontece no filme, mas não esquece a tela.

Você foi condicionado a ficar com a representação, com a teatralidade, e não com a tela. Quando você vem a Satsang, o meu trabalho com você é lhe mostrar a tela. Eu lhe mostro a tela e depois digo: "Olhe, tudo vai acontecer aí, está certo? Então, não perca a tela de vista. Se você não perdê-la de vista, você vai sempre ver o que quer que esteja acontecendo ali como algo que vai passar, que não é eterno, que não é real, que é só uma representação cênica, um show".

Essa é uma perspectiva nova, eu lhe dou uma nova visão. Você considera real o que acontece. Para aquele que está Realizado, o "lugar" onde tudo acontece é real e o que acontece é só uma aparição.

Participante: Mestre, a Meditação está sempre presente?

Mestre Gualberto: Sim. A Consciência nunca está fora do seu lugar. Não está lhe faltando Meditação, o que está lhe faltando é a ciência da presença da Meditação, porque você está se identificando com uma quantidade enorme de aparições que não são você. Meditação é o seu Estado Natural, como Consciência.

A gente nunca separa Meditação de Estado Natural e Estado Natural de Iluminação. Isso é como perguntar "quando vou me iluminar?". Essa é uma pergunta que envolve tempo, então não pode ter realidade, porque ela coloca o funcionamento da representação teatral em ação. É a ausência dessa teatralidade que é Iluminação. É por isso que ninguém jamais se Ilumina, porque não existe alguém que possa, porque "alguém" é a representação teatral.

É como perguntar "quando irei tomar consciência de Deus?". Quando você colocar seus olhos Nele. Seus olhos estão voltados para experiências, acontecimentos, lugares, pessoas, pensamentos, sensações, medos, desejos… Como é que você pode ver Deus sem colocar os olhos Nele? Seus olhos estão na história, no personagem, nos cuidados, nas preocupações com assuntos que, absolutamente, não são reais, são assuntos do show, são assuntos da própria Consciência.

Coloque seu olhar na Consciência e você vai ver Deus. Isso é Meditação! A mente pode dizer "eu já alcancei, já estou Iluminado!". A mente pode dizer qualquer coisa! A mente pode fazer falas sobre Advaita, sobre não dualidade… Isso tudo é infantilidade. Estamos falando aqui da ciência direta da sua Natureza Essencial, e Isso é colocado à prova o tempo todo!

Uma pessoa embolada, se confundindo com o que acontece na tela, pode imaginar também algo fora dela, mas é só uma questão de tempo para ela perceber que ainda está dentro do circuito do tempo, dessa representação. Mas que seu Estado Natural é Meditação, Ele é; que seu Estado Natural é Inteligência, Ele é; que é ausência de sofrimento, de conflito, sim, Ele é.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 23 de junho de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

O palco de toda experiência

Participante: Como é viver em Deus? Como reconhecer o "fazedor" e não cair na ilusão do "eu"?

Mestre Gualberto: Todo acontecimento é uma experiência ocorrendo, da qual estamos sempre cientes. Por exemplo: um pensamento presente, como uma memória da infância, é um acontecimento, uma experiência da qual tomamos ciência. Assim também é com uma emoção, um sentimento, uma sensação de dor no corpo, de fome, de sede… tudo isso são experiências acontecendo, dentro das quais há algo que está sempre presente e ciente disso. Esse "algo" é Aquilo que está sempre atento, quer você se sinta bem ou mal, triste, solitário, alegre, em paz, feliz, infeliz, angustiado ou preocupado.

A sua pergunta é "como não cair na ilusão de um 'eu', de uma identidade separada?". Não cair nisso significa se manter Naquilo que está consciente da experiência, sem colocar uma identidade nisso. Essa Realidade, que está sempre consciente do quer que esteja acontecendo, de qualquer experiência surgindo, aparecendo e também desaparecendo, é impessoal. Ela não está envolvida no processo e sempre se mantém livre, não se confunde com o que acontece.

Quando um pensamento aparece, é só um pensamento acontecendo. Essa Presença, essa Consciência, não está envolvida com esse pensamento. Quando a fome aparece no corpo, isso é um acontecimento no corpo e para o corpo. A Consciência não está envolvida nesse processo. Ela é a testemunha disso, é Aquela que está ciente do acontecimento ou da experiência. Ela está sempre ciente desse conteúdo, mas não é o conteúdo.

Então esse "Saber", essa Ciência, essa Atenção, é sempre o elemento que se mantém inalterado, que não sofre mudança. Então, como viver em Deus? Viver em Deus representa não se confundir, não se embolar, com esse processo, com essa experiência, com esse acontecimento.

Existem acontecimentos referentes ao corpo, à mente e ao mundo. Agora temos a pandemia, as questões sociais, econômicas, políticas... O que é viver em Deus? É permanecer cônscio da experiência sem se embolar com isso.

A sua Natureza Essencial é Aquilo que está ciente dos acontecimentos e das experiências. A ilusão de uma identidade aí é essa parte que se confunde com isso. Essa suposta entidade particulariza o que quer que esteja acontecendo, como se aquilo estivesse acontecendo para ela ou atingindo-a; e de fato está, se ela se encontra presente.

Isso não lhe foi apresentado até agora, desde a infância. Não lhe foi apresentado que você é o Campo da experiência e não a figura da experiência. É como um palco onde tem atores se apresentando. A você foi apresentada a peça, não o palco.

Para o Despertar, o palco é importante. A peça pode sofrer mudanças, o diretor pode mudar a fala dos personagens, os personagens podem ter um final feliz ou triste, mas o palco não muda.

Neste trabalho aqui, eu lhe apresento o palco. Enquanto seus pais, professores, toda a cultura, toda a sociedade, todo o mundo à sua volta só fala da peça, eu só falo do palco.

O palco não sofre alteração, a peça sofre. Aliás, não é só uma peça, são várias peças acontecendo dentro desse mesmo teatro, nesse mesmo palco. A Consciência é esse palco. Isso é algo que permanece constante, presente.

Por exemplo, agora você está acordado, mas daqui a algumas horas você vai se deitar e dormir, então vai entrar num estado chamado sono, no qual acontece um estado chamado sonho. Tanto dentro do estado de vigília como desse estado de sonho e sono, tudo o que você tem é uma representação teatral, é só uma peça teatral.

Tanto a vigília, como o sonho e o sono profundo são parte do que acontece, estão dentro da experiência. O palco não muda. Então, a vigília vem, o sono vem, o sonho vem, as experiências surgem, e elas podem ser de alegria, de tristeza, de sentimento, de emoção, de pensamento… Na verdade, tudo isso são atos de uma peça teatral, atos de representação no tempo.

Esse palco é algo fora do tempo. A beleza da Meditação é estar assentado nessa dimensão fora do tempo. Todas essas experiências objetivas, como pensamentos, sentimentos, emoções, imagens, percepções, vigília, sonho, sono profundo, onde acontecem o nascer e o morrer, estão presentes no tempo.

O personagem, esse falso centro, esse falso "eu", essa pessoa com suas particularidades, é o que acontece na peça, no teatro. O palco comporta o personagem e sua representação teatral, mas ele não é isso.

Essa Consciência é algo que permeia intimamente o que quer que esteja acontecendo, mas nunca se altera. Sua vida vem sofrendo mudanças desde a sua infância. Na realidade, desde antes de você nascer, esse mecanismo aí – esse corpo e essa mente – vem sofrendo mudanças, mas isso não tem absolutamente nada a ver com Aquilo em você que não nasce e não morre, que é a sua Realidade.

Então, todas essas mudanças na sua vida não têm realidade fora dessa Consciência. Essa "realidade" é um fenômeno dentro dessa Consciência. A "realidade" dessas mudanças tem como base Aquilo que não se altera, Aquilo que não muda. Nesse sentido, a única Realidade da sua vida é aquilo que não sofre mudanças.

A questão toda aqui é que quando o pensamento, uma emoção, um sentimento ou uma sensação surgem, você está tão viciado em se ver como alguém dentro do corpo, que tem essa experiência como uma peça da qual você é o ator principal. Você é a figura principal envolvida nisso, fazendo isso, realizando isso. Então, de uma forma ativa ou passiva, fazendo a ação ou sofrendo a ação, existe sempre a ilusão de que tem você nisso.

Eu sempre chamo a sua atenção para tomar ciência Daquilo que está fora do que está aparecendo. Então, você deve sempre se perguntar "para quem isso ocorre?". Quando faz essa pergunta, você não encontra a resposta; aliás, se encontrar uma resposta, será falsa, pois será o pensamento produzindo-a. Quando a pergunta atinge um nível de Inteligência Real, ela fica sem resposta, fica só a pergunta: "para quem isso ocorre?" ou "quem está triste?".

Sem nenhuma resposta de fundo de conhecimento, de memória, de lembrança, de explicação, fica só a pergunta. Essa pergunta sem resposta leva você a essa dimensão de ciência do palco.

O palco é essa Consciência, então a Meditação traz você de volta à Fonte. Não estou falando da meditação que você conhece por aí, mas Daquilo que eu coloco como Meditação. Você passa algum tempo nessa proximidade em Satsang e, então, descobre o que eu entendo por Meditação.

O que se ensina por aí como meditação não funciona, apenas acalma você, relaxa, mas… até uma crise bater! Não temos interesse nisso aqui. A proposta aqui é para que você descubra o que é, verdadeiramente, viver em seu Ser, fora da ilusão do tempo onde acontecem a vigília, o sono, o sonho profundo, a alegria e a tristeza, o prazer e a dor, onde os personagens estão vivendo os seus dramas.

Toda a sua dificuldade é porque você está ligado ao drama, à comédia, à tragédia, ao romance, à teatralidade, ao que está acontecendo, à experiência. Você está ligado ao que parece ser e não ao que é. O palco é o que é; o que parece ser é o acontecimento, a experiência, o drama, a tragédia, o romance, a história desse personagem, a vigília, o sonho e o sono profundo.

A única Realidade é a Consciência, então tudo é uma grande teatralidade, um grande show divino; só não é particular. Isso não é o seu show! É um show na Consciência, mas não é para o personagem. Para o personagem é o trágico, o cômico, o romance, a experiência, o acontecimento.

Esse "senso do eu", que é o ego, a "pessoa", está todo dentro do cenário, girando em torno dos seus assuntos particulares. Uma hora é comédia, outra hora é drama, tragédia, medo, raiva, ciúmes, inveja, preocupação, ansiedade… É assim que a pessoa vive! "Pessoa" não é nada além disso.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 23 de junho de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

terça-feira, 5 de outubro de 2021

A testemunha do show

A Consciência é uma testemunha do show que a mente produz; Ela não se envolve nisso. A Consciência não é uma criação da mente, não faz parte dos objetos, não pode ser objetivada. Ela é algo fora de todo conceito.

Então, quando estamos falando dessa testemunha do show, estamos nos referindo a algo que está além do pensamento, além do pensador, além do sentimento, além daquilo que o sentimento conta, além da dor do sentimento. E Meditação é Isso, é não ser capturado, é permanecer livre do que o pensamento, o sentimento, a emoção, a sensação, a experiência conta sobre o que anda acontecendo.

Participante: O que faço para dar esse salto para a Consciência?

Mestre Gualberto: Você não pode dar esse salto para a Consciência. Você pode – e precisa – começar com a experiência, com esse sentir, esse pensar, essa sensação relacionada àquilo que está sendo mostrado aqui e agora. Você não vai dar salto nenhum!

É a mente que é intermitente, e não Você, como Consciência. É a mente que está dando os seus saltos, são os sentimentos que estão mudando o tempo inteiro, assim como os pensamentos, as sensações, as emoções, e não Você.

Então, só lhe resta usar isso a seu favor, observar, colocar Presença nessa observação, trazer Consciência para este momento presente. Não é o momento presente do que está do lado de fora, é o momento presente de tudo o que acontece interna e externamente. Não é uma fixação para estar consciente: "Vou permanecer consciente! Preciso estar consciente!". Essa atenção é egoica, não é isso, não estou falando disso. Isso ainda é um esforço da mente.

Eu estou dizendo: permaneça relaxado na observação da mente tentando produzir objetivações, querendo se livrar disso ou daquilo, querendo ganhar isso ou aquilo, preocupada com isso ou aquilo, produzindo pensamentos e dizendo "estou pensando". Mantenha-se relaxado e ciente de todo esse processo, sem esforço. Isso não requer esforço!

A atenção não requer esforço. Não é tensão, é atenção! Apenas esteja atento ao que se passa aí dentro. Qual é a primeira lição de casa que eu tenho recomendado para você ao acordar pela manhã? Permaneça antes do "eu", não se embole com o "eu", permaneça sem se embolar com o pensamento quando ele começar a dizer o que tem que ser feito ou quem irá fazer ou quais os problemas que irão acontecer naquele dia.

Você pode observar que o primeiro pensamento que surge chamando sua atenção já traz um estado, que é para esse falso "eu" viver sua experiência objetivada de dor, de preocupação, de sofrimento e de complicação. É sempre esse falso "eu" que acorda de manhã para viver de novo o sonho de mais um dia. Não precisa! Você acorda de manhã e já traz Consciência. Acorde antes do "eu" acordar! Quando o corpo acorda, o "eu" acorda e já sai carregando o corpo, mas você não vê isso, porque não há Presença, não há Consciência, não há Ciência de Si mesmo. Essa atenção é a base da Meditação, e Meditação é a única chave que você tem.

Se surge um pensamento de preocupação, aquilo fica o dia inteiro agarrado a você. Eu já vi pessoas que passam o dia inteiro carregando isso! Isso porque elas se embolam com o pensamento, não colocam Consciência, não colocam Atenção, não colocam Presença na experiência. Assim, toda a maluquice típica do pensamento toma posse do corpo, cria um "eu" sofredor vivendo uma experiência especial, a experiência de ser "alguém" – alguém miserável, claro, porque "alguém" sempre está em miséria, em sofrimento, nunca está em seu Ser, que é Paz, Amor, Liberdade, Consciência e Inteligência.

Uma das ferramentas que estou lhe dando hoje é perceber o que está aí para ser percebido. O que está aí para ser percebido? Sentimento? Então, apenas se torne cônscio do que está aí para ser percebido. O que está aí para ser percebido? Uma tristeza? Torne-se cônscio disso, perceba o que está aí para ser percebido, não se embole com isso, não se separe e diga "eu estou triste". Quando faz isso, você objetiva a experiência da tristeza mais uma vez. Tem o "eu" e a tristeza, o "eu" e angústia, o "eu" e a preocupação, o "eu" e o que vai acontecer, o "eu" e o futuro, o "eu" e o pensamento "por que eu deixei aquilo acontecer?", o "eu" e a culpa do passado.

Faça isso, apenas perceba a presença disso se aproximando, querendo alojar, encontrar espaço, possuir seu corpo, como uma espécie de obsessor psicológico. O ego é isso: um obsessor psicológico, uma entidade ilusória separada, uma espécie de fantasma assumindo uma posição e tomando o lugar da Paz, da Consciência, do Silêncio, da Inteligência.

Esse show de horrores que a mente está produzindo não tem nada a ver com a Consciência, nada a ver com Deus, com o Ser.

Participante: Fugir de uma pessoa assim, presa a todos esses horrores negativos, é correto? É que não dá para ajudar.

Mestre Gualberto: Se você começar a cuidar de si mesma, não vai ter tempo nem interesse de cuidar do mundo à sua volta. Então, não se trata de fugir, mas de não ter nada para se fazer ali.

Se você não pode lidar com uma determinada situação, você não está fugindo. Na verdade, você está sendo realmente inteligente ao perceber que não tem condições de lidar com aquela situação. Não se trata de fugir, mas de compreender que isso não é um assunto seu. Cuidar do outro não é um assunto seu, mas dar conta de si mesma, sim, isso é um assunto seu, que ninguém poderá fazer em seu lugar. Deixe Deus cuidar do mundo!

Participante: Eu não sei cuidar de ninguém, mas ouvir uma pessoa sempre com o mesmo discurso é muito violento para mim.

Mestre Gualberto: Você não tem obrigação nenhuma de ficar ouvindo a sua própria mente, então por que você teria que ficar ouvindo a mente maluca do outro? Acho que assim responde, não é? Você já conseguiu perceber isso? Alguém da sala já deve ter percebido isso. Se você tem que parar de ouvir as suas próprias loucuras, que obrigação você tem de ficar ouvindo maluquices dos outros? Eu vejo como algo completamente sem sentido! Na verdade, se você ficar ouvindo as maluquices do ego, ele vai procurá-lo e encontrar em você apoio.

Se você é alguém interessado em se libertar desse "alguém" que traz dentro de si, se você já está cuidando de suas próprias maluquices internas e se livrando delas, por que tem que ficar ouvindo maluquices alheias? Desobrigue-se disso! Não há nada de real nisso! Não existe nenhuma caridade verdadeira em ficar ouvindo a maluquice dos outros.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 11 de abril de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Além das lentes coloridas

Você precisa apenas corrigir a perspectiva, corrigir a visão. Viver na mente é como andar com óculos de lentes vermelhas, que fazem você ver tudo vermelho. Tudo fica vermelho ou com uma certa gradação de vermelho. Se você colocar esses óculos e olhar para um objeto, vai vê-lo com uma gradação forte de cor vermelha, não vai vê-lo como ele é.

Da mesma forma, quando você diz "eu sou isso", "eu sou aquilo", "está me faltando amor", "está me faltando liberdade", "eu não tenho paz", você está alterando a sua visão – você está "usando óculos". É isso que a mente faz.

A mente é essa cobertura, essa sobreposição, essa lente colorida adulterando a visão. Simples isso, não é? Você olha para uma pessoa, mas não a vê. Tudo que você tem ali é uma sobreposição à Realidade. Não há pessoa ali, há só uma imagem dentro de você. Então, sua filha não é quem ela parece ser, seu genro não é quem ele parece ser, seu marido não é quem ele parece ser, o mundo não é como ele parece ser, você não é como você se vê.

A perspectiva está equivocada. "O mundo precisa de mim" – isso é um pensamento, um equívoco. O mundo não precisa de você, aliás o mundo nem sabe que você existe. Você é só um número nos documentos oficiais do governo. Tem um nome em um documento de algum cartório desse país ou de qualquer outro país no mundo, um documento que diz quem você é, mas é um documento totalmente mentiroso, que não fala nada de verdade sobre você. Diz que você nasceu – e aqui já aparece o primeiro equívoco – em certo país, lugar, cidade… E para todos que perguntam quem é você, você diz o nome que está naquele documento, que inventaram, tiraram de algum lugar da cabeça deles e deram a você. Assim como lhe deram roupas, lhe deram um nome, uma história.

Então, quando você diz "eu sou isso" ou "eu sou aquilo", isso é um erro. Não somos isso ou aquilo. Nós não somos nada… Nós somos tudo! "Estou tão triste hoje" – isso é um pensamento. Em vez de dizer "estou triste", o certo seria você dizer "há um sentimento de tristeza aqui". Isso tudo bem, porque aí você estaria se referindo a um sentimento, você estaria objetivando um sentimento e não a si mesmo. Consegue compreender a diferença? Você está relativizando um sentimento e não a si mesmo. Por que não nos ensinam isso desde crianças?

Esses dias, alguém perguntou sobre como educar as crianças… Ensinando-as a ter uma perspectiva correta do que se passa com elas! Agora, temos que mudar toda a linguagem de nossa civilização. Está toda errada! Se uma criança dissesse "eu tenho um sentimento de alegria aqui", "eu tenho um sentimento de tristeza aqui", seria mais fácil chegar para ela e dizer "mas quem é você? Quem é você sem esse sentimento? Quem é você quando esse sentimento não está? Ele está aí agora, mas ele não está aí o tempo todo".

Veja se foi assim que você aprendeu. Você tem o sentimento como se fosse algo eterno, mas, no fundo, sabe que não é eterno, que ele muda igual à direção do vento, o tempo todo, assim como o pensamento.

Seria mais correto você dizer "há um pensamento aqui agora", e não dizer "estou pensando sobre isso". A ideia aqui nessa segunda frase é "eu sou um pensador", e na primeira é "o pensamento é algo que está acontecendo", que seria uma linguagem mais apropriada, porque o pensamento é uma coisa que aparece agora e daqui a pouco não está mais.

Quando você diz "estou muito certo disso", "eu tenho certeza que fulano é assim", essa é a perspectiva do pensador. Totalmente equivocado! Seria mais correto dizer "olha, há um pensamento aqui sobre fulano", "o pensamento aqui está dizendo que fulano fez isso", porque é só um pensamento, é só uma experiência de pensamento.

Todas as vezes que você se sentir triste, sente-se num lugar e diga para si mesmo: "Há um sentimento de tristeza aqui", e deixe isso se desdobrar, deixe isso se revelar, mas vá para esse segundo plano, apenas observe o sentimento de tristeza com os pensamentos respectivos. Quando faz isso, você dá um grande passo. Não é o último passo, mas é um passo muito importante para discriminar, para separar essa Consciência dessa objetivação.

O que você faz, em geral, é se objetivar: "Oh! eu estou triste!", e desaba a chorar. Depois, acaba a força do choro, a energia do sentimento, o pensamento se dissipa e você volta a ficar bem, mas nada se resolveu, porque você não investigou a natureza da experiência.

As pessoas têm muito isso de objetivar a experiência, de tornar a experiência um objeto para uma entidade separada. Com isso, essa entidade fica tão embolada na experiência, nessa objetivação, que se torna o centro, e a Consciência real, a Verdade, fica sufocada. O senso de separação impera por completo, está em seu império, no domínio total, e não há autoinvestigação assim. Por isso que você sempre perpetua emoções, sentimentos e pensamentos, em especial os negativos.

Ah, como o ego ama pensamentos, sentimentos e emoções negativas! Isso é um prato delicioso para esse falso "eu"! Não existe nada que alimente mais o ego do que o sofrimento. Ego ama sofrimento, se lambuza. É como mel – o sofrimento para o ego é doce como mel na boca. Você não consegue ver isso, a não ser que trabalhe em si mesmo. Se fizer isso, perceberá como você ama o vitimismo, o negativismo, o pessimismo, o derrotismo, o senso de fracasso, de incompetência, de invalidez, o sentimento de ser estúpido, de ser burro, de ser incapaz… Ego ama isso!

Sabe por que o ego ama isso? Porque ele chama muita atenção para si quando ele é infeliz. Todo mundo aprecia gente infeliz, gente triste, gente sofrida. Tem sempre gente para ajudar pessoas assim. Elas se tornam o centro das atenções, ficam importantes quando chamam atenção de outros para seu sofrimento, principalmente dos mais próximos. Elas desejam chamar a atenção deles para se sentirem amadas. Ego ama se sentir amado, apreciado, e nada como o sofrimento para ele se tornar uma joia rara e preciosa para os miseráveis à sua volta – porque só aprecia a miséria do outro quem é miserável também; é uma forma de reciprocidade.

Ego em sofrimento aprecia ego sofrendo. Por que o ego ama notícias ruins? Porque ele sempre se compara. Ele tem como se avaliar para mais vendo que alguém sofre mais do que ele. Ele se sente mais importante, mais valorizado, mais apreciado e, além disso, ele ainda pode ajudar o mais miserável, não é? Ele não deixa de estar na miséria, mas pode ajudar. São aspectos da psicologia egoica, assunto para quem gosta de estudar Psicologia, a ciência da mente, a ciência da maluquice.

Então, voltando: se a tristeza está acontecendo, ela está apenas aparecendo neste momento. Se você deixar esse sentimento de tristeza fluir sem colocar uma identidade nessa experiência, sem objetivar isso, sem se embolar com isso, você perceberá que é só uma experiência.

Nesse momento, você tira os óculos para não dar continuidade a essa figurinha importante na tristeza. Você faz uso da chave que tem nas mãos e não se identifica com isso, não se embola com isso, não dá nome a isso. Objetivar é isso, é dar um nome, é dar uma importância.

Então, você não precisa se movimentar para se livrar disso. Você se senta e se torna cônscio dessa experiência, desse sentimento, e vê a história que o pensamento está construindo sobre isso, mas não objetiva isso, não olha isso através de óculos coloridos.

Quando você tira esses óculos, que é quando você se torna cônscio do que surge aqui e agora, como a tristeza se desdobrando com pensamentos sobre ela, isso explode: tum! Porque isso não tem energia para continuar sem uma identidade presente falsificando a experiência, alimentando isso, cultivando isso. Não importa o que essa experiência agora esteja apresentando, você permanece como Consciência, porque isso não é você, é só um sentimento, um pensamento. Você não se embola com isso, não falsifica isso, não nomeia isso, dizendo "estou triste", "sou uma pessoa triste", não!

Surgiu o pensamento, você o deixa presente; surgiu o sentimento, você o deixa presente, não escape dele, não fuja dele, mas lembre-se: deixá-lo presente significa se tornar ciente do que ele tem para dizer. Você deve apenas "ouvi-lo", e não acreditar no que ele está dizendo. Não é confiar no que a dor está trazendo, é observar o que essa dor tem para contar, aí você logo vai se ver livre dessa imaginária dor, desse imaginário medo.

É o pensamento que está criando um falso "eu" para viver, separadamente, um falso momento de existência. O pensamento está alimentando a experiência de um pensamento, de um sentimento, de uma emoção, para viver um falso momento, um momento de uma existência separada.

Tudo o que nós podemos dizer de verdade, é que a Felicidade, como sua Natureza, não tem nada a ver com esse espetáculo, com esse showzinho que a mente egoica está produzindo. A Consciência não tem nada a ver com isso.

Então, pare de pensar e sentir como uma pessoa. A pessoa sente, pensa, se confunde, sofre, se equivoca e vive de uma forma estúpida, tentando fugir do Mistério da Vida para um cantinho especial que o próprio sentido ilusório de separação criou, para viver o seu momento de experiência como uma entidade separada.

*Transcrição de uma fala ocorrida em 11 de abril de 2021, num encontro online. Para informações sobre os nossos encontros, clique aqui.

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