Participante: Você pode falar sobre ficar no Ser? Por que, às vezes, e como a ilusão do "eu" volta? É um processo?
M.G.: Eu diria que isso é o resultado de um trabalho. A natureza da mente é ser persistente, é não se entregar fácil. A mente só vai até o fim mesmo. Ela jamais se entrega. Permanecer em seu Estado Natural, em seu Estado Real, aquilo que eu chamo de “assentar” em seu Estado Natural, isso é resultado de um trabalho acontecendo aí nesse mecanismo, o trabalho desta mesma Presença, desta mesma Graça, desta mesma Consciência. Sem um trabalho é impossível.
Essa Consciência é uma chama de Presença. Na mente, nós estamos inscientes, inconscientes, não há presença, há só memória, há só identificação com essa memória. Há somente o sentido de separação, o sentido de dualidade, que nós chamamos também de dualismo. Esse é o estado comum, é o estado natural da mente. Satsang é essa proposta do trabalho.
Participante: É sutil a diferença entre procurar controlar a mente – o bandido se fazendo de policial – e a investigação da existência da mente. Você poderia comentar, Marcos?
M.G.: É aí que está o trabalho: na autoinvestigação, na meditação e na entrega. Entrega aqui significa rendição, uma profunda desistência desse agente, desse “eu” no controle. Quando eu falo de autoinvestigação, estou falando de uma investigação que não pode ser feita pela mente. Essa investigação é um trabalho da Consciência. A mente não investiga a mente, a mente se embola com a mente. É o que Ramana chamava de bandido se disfarçando de policial para prender o bandido. Não vai prender nunca.
A mente é inconsciência, ela não pode chegar à Consciência. O trabalho do despertar é um trabalho de descarte do sentido de separatividade, e isso é a mente. A mente não se autosuicida. É necessário um trabalho de autoinvestigação, que é um trabalho da Consciência nesse mecanismo. Esse trabalho é um trabalho de pura investigação, que é um trabalho de meditação. Meditação não está separada dessa investigação, que não está separada dessa entrega. A mente jamais vai deixar de se disfarçar de policial, ela sendo o ladrão. Ela sempre vai dizer: “eu resolvo tudo”, “eu conheço isso”.
Sem uma intervenção desta Presença, que é Consciência, que é Graça, não há trabalho. Sem trabalho, não há o Despertar. Isso porque essa estrutura corpo-mente não entra nessa sintonia, nessa harmonia. Não há um trabalho acontecendo nessa estrutura corpo-mente. Repare que o nosso interesse é muito curto, muito pequeno, muito pouco. Nós não temos o foco suficiente. Isso explica porque levamos muito tempo. Estamos completamente dispersivos. Temos diversos outros interesses antes desse. Nossa energia está completamente dispersa, está em várias direções, menos nessa direção principal. Ficamos entusiasmados por alguns momentos e logo a nossa mente está em busca daquilo que mais interessa, que é a sua continuidade.
Participante: Como se convida essa Consciência, sem se deixar enganar pela mente?
M.G.: Tudo isso é uma ação dessa Presença, dessa Graça. Não se deixar enganar pela mente é resultado desse foco, dessa entrega, desse trabalho. A Graça é algo sempre presente, mas não há foco. A mente tem muitos outros interesses antes desse. Esse ela não tem. E ela se passa por você. Ela nada sabe a respeito do seu Estado Natural, ela não tem qualquer interesse na paz, na liberdade, na Consciência. Na mente não há nada, a não ser esse engano – o engano da autoidentidade. O que temos repetido é que sem estarmos determinados – eu chamei isso aqui de "focados" – somos facilmente desviados por essa falsa identidade. Essas são as nossas tendências internas latentes. Na Índia, eles chamam de vasanas, são os nossos interesses, motivos, razões, desejos, intenções. Essas nossas prioridades.
A Verdade é a última coisa. A Liberação é a última coisa. O fim dessa historinha, dessa suposta identidade, é a última coisa. A mente ama ser o que ela é. Ela ama carregar essa identidade de mãe, de marido, filho, de pessoa, de alguém indo para algum lugar, alguém com um passado, alguém com um futuro. A mente é isso – você é isso nessa ilusão de ser alguém. Um nome, uma forma, uma história. Um passado, um presente, um futuro. Quando você se aproxima desse trabalho, ele não se ajusta a esses interesses dessa suposta identidade.
Participante: Essa sensação de ser alguém é uma imaginação, um sonho?
M.G.: Exatamente. Na verdade, um pesadelo. Um pesadelo disfarçado com alguns momentos de prazer, que chamamos de alegria. Mas a dor e o pesar e o sofrimento é o pesadelo dessa ilusória identidade, desse “alguém” que é o pesadelo – desse pesadelo que é ser “alguém”. Dessa imaginação, desse sonho. Estou apontando pra você algo além disso, além desse "você" que você acredita ser. Isso é a real Liberação, a real Paz, o real Amor, a real Felicidade. Isto é Realização. Tudo o mais que você conhece está dentro desse pesadelo. Todas as fantasias que a mente tem engendrado, criado. Faça uma lista e me mostre, e eu vou lhe dizer: “isso, isso também, isso aí também e isso também”. O que quer que você esteja pensando ainda faz parte desse pesadelo. Você é essa Consciência pura.
Participante: O agora seria o melhor foco?
M.G.: Não. O agora é só uma crença ainda da mente. O melhor foco é o trabalho em Satsang. Isso que está acontecendo agora aqui, esse trabalho de investigação, esse é o melhor foco. A mente pode teorizar sobre o agora, e esse agora nada mais é do que a mente na sua intenção de segurar alguma coisa, de apanhar alguma coisa, de ter alguma coisa ainda, naturalmente dentro do campo dela. É preciso compreendermos quem somos. Se compreendermos nossa real Natureza, essa Presença é a Presença do que É. Isso é o fim da crença do agora. O agora é só uma palavra, enquanto a Consciência é Presença, é Liberação, é Amor, é Paz.
Vocês precisam ter senso de prioridade. Agora é o momento de prioridade. Quantos estão nessa sala? Alguns já foram dormir. Mas já estão dormindo há muito tempo. Agora não é a hora de dormir, é a hora de acordar. Autoinvestigação, meditação e entrega, esse é o foco. Falar do agora é como falar de meditação sem isso. Meditação é o seu Estado Natural. Quando se acorda fica claro que não há qualquer pesadelo. O pesadelo era só a identificação com a mente e esse movimento dela em seus interesses. É o sonho. No acordar, não há pesadelo, porque não há mente, não há “eu”, ego, pessoa, “mim”. Você não está nisso, não tem você nisso.
Participante: Não tem fulano de tal, indivíduo, é só o todo, é só a Graça, sempre foi.
M.G.: É uma bela teoria. Teorizar sobre isso é muito fácil no intelecto, mas isso não resolve. Você está vendo isso, está vivendo isso, isso é você? Você sabe o que está falando?
A beleza de Satsang é a possibilidade de abandonar as crenças, inclusive as crenças das falas de Satsang. Falas de Satsang se tornam crenças, ou seja, lixo. Essas falas são abobrinhas, não servem para nada.