quarta-feira, 22 de março de 2017

O fim dessa ilusão de que você está aqui e agora

Todo e qualquer momento pode ser percebido por cada um de nós como um momento natural, simples, direto, ou um momento em que interpretamos de forma pessoal o que quer que esteja surgindo. De uma forma convencional, esse “eu” já subentende, dentro de cada um de nós, a ideia da mente e do corpo. Essa experiência “eu”, que subentende “mente-corpo”, de uma forma convencional, está sempre consciente de algo acontecendo, de algo aparecendo. Então, de uma forma convencional, nós temos uma crença, basicamente: a crença “eu e o objeto”; “eu e aquilo que está acontecendo do lado de fora (da mente e do corpo)”. Então, nós temos o sujeito e o objeto, o “eu” e aquilo que aparece ou acontece.
De uma forma bastante convencional, nossa crença nos diz que há um “eu” que está consciente do que acontece. É assim que, basicamente, pensamos ou acreditamos ter o contato com a experiência. Para nós, o contato com a experiência é de um sujeito com um objeto; um sujeito dentro com um objeto fora; um que experimenta, que “sou eu”, e aquilo que está fora, que é experimentado, que é a outra coisa, pessoa, situação ou objeto. Basicamente, é assim.
Nessa divisão que, convencionalmente, nós aceitamos como sendo real, está todo o problema humano. Todo o seu sofrimento está na ideia de que você está aí e que a experiência não está sendo favorável a você. Quando ela lhe é favorável, você se sente bem. Quando não é, você se sente mal. Mas mesmo quando você se sente bem, não é o suficiente, porque há uma divisão entre você e a experiência do lado de fora. Seja uma experiência pessoal – que é algo mais íntimo, particular, como o contato com parentes e amigos – ou não tão pessoal, como o contato com um evento, um incidente, um acontecimento do lado de fora.
De qualquer forma, isso é sempre pessoal, porque o seu modo de transitar dentro da experiência é sempre dessa forma convencional: “eu” consciente do que acontece; “eu” experimentando algo; “eu” aqui e essa outra coisa do lado de fora. Nessa divisão está o ego! É bem simples isso. Nessa divisão está o sentido de separação.
O que eu estou dizendo é que você pensa sobre o que acontece e, quando assim faz, você se separa da experiência como sujeito, sendo o sujeito, e o acontecimento, o evento, o incidente ou a relação com o outro, com a outra, é o objeto. Então, você se separa e, quando você se separa, a mente egoica, a mente separatista aparece.
Toda sua história só pode ser contada com base nessa crença, nessa fundamental crença de que você está aí e tem alguma outra coisa do lado de fora. Não há como você reconhecer sua Natureza Real se identificando, se perdendo, se confundindo com esse modo convencional de sentir, pensar e experimentar, o que significa sempre criar, sustentar e alimentar o conflito. Então, a “pessoa” está presente, que é esse “eu”, essa ideia “eu-mente-corpo”.
Não há uma observação sem o observador; não há uma linha de pensamentos sem o pensador; não há uma experiência acontecendo, neste instante, sem o experimentador, e, enquanto houver essa separação, essa divisão, haverá problema. Você sempre estará em apuros! Você é o apuros, você é o problema. Você nunca relaxa em seu Ser, O qual não é consciente da experiência, não é consciente do outro, não é consciente do objeto. Seu Ser é a Consciência, a pura Consciência, só Consciência… Não tem o outro, não tem a experiência, não tem o objeto. Portanto, não tem “eu” consciente do que se passa do lado de fora; não tem esse “mim” sentindo, pensando, experimentado… Esse “mim” é o conflito!
Tudo que estou falando com você, nesse momento, é a chave da Meditação! Meditação não é pernas cruzadas, coluna ereta, respirar de certa forma, criar uma visualização, tentar afastar os pensamentos, tentar seguir uma linha de pensamento ou uma forma de respiração, cantar mantra, ou qualquer uma dessas coisas. Meditação é apenas ficar com o que acontece. Não é estar consciente do que acontece, é ficar com o que acontece. Você não fica consciente do que acontece. O que acontece já é a Consciência.
O pensamento, no seu próprio movimento, ainda é a expressão dessa Consciência; o sentimento ainda é expressão dessa Consciência; o que acontece é a expressão dessa Consciência. O que é visto, sentido, pensado, não é visto, sentido, pensado dessa forma convencional, onde há alguém vendo, sentindo ou pensando. Tem o pensamento, tem o sentimento e tem a visão, mas não tem aquele que vê, aquele que pensa, aquele que sente. Portanto, não há separação e, quando não há separação, você tem a beleza da Meditação. Falar é Meditação; comer é Meditação; trabalhar é Meditação; o pensamento acontecendo sem a ideia de alguém presente na experiência do pensar também é Meditação; o espaço que acontece entre os pensamentos também é Meditação; ouvir é Meditação; falar é Meditação; a vida é Meditação!
Meditação é quando não existe mais a ilusão de um “eu-mente-corpo” consciente do que está acontecendo fora, tendo este “fora” como algo separado da experiência. Na verdade, essa experiência “eu-mente-corpo” também é apenas um acontecimento na Meditação. Tudo está contido dentro da Meditação. Não tem nada como um “eu” especial meditando, um “eu” especial pensando, um “eu” especial concluindo, um “eu” especial consciente do outro, do mundo, da vida. Esse “consciente” é só um modo pessoal de interpretar o que aparece, o que acontece. Isso é a divisão. É o sentido do “eu” preocupado com ele mesmo, preocupado com suas conclusões, com suas crenças, com suas ideias, com o seu desejo de acertar ou o seu medo de errar.
Perceba para onde estamos apontado em Satsang... Estamos apontando para a arte de Ser, que é Meditação, que é não se confundir com esse modo convencional de se mover na existência, como uma entidade separada, como alguém na sua autoimportância, consciente do que acontece. Esse “consciente para alguém” é só um modo condicionado de se mover na mente egoica. Quando há Consciência, não existe o sentido do “eu” na experiência de estar consciente. Quando há Consciência, não existe um “eu” consciente disso ou daquilo. Quando há Consciência, só há Consciência e não há conflito, porque não há divisão. Não há o certo e o errado, o bom e o mau, o agradável e o desagradável, o que deve ser e o que não deve ser, o “eu gosto” e o “eu não gosto”, o “estou triste” e “estou alegre”. Isso está sempre na ideia de alguém presente falsificando a pura experiência.
Na pura experiência, não existe experimentador. No puro ver, não há o observador e a coisa observada. No puro sentir, não há alguém sentindo, não há história. Quando surge a história, surge a mente dando os valores dela ao episódio, ao evento, ao incidente, ao acontecimento, a isso que é só um jogo divino, o jogo das relações com pessoas, lugares, objetos, pensamentos, sentimentos… É só um jogo! Aquele que valoriza isso é o sentido egoico! É o sentido egoico que valoriza um sentimento, que se agarra a um sentimento com muita força e tenta afastar o outro; agarra-se a uma linha de pensamento e tenta afastar uma outra linha; agarra-se a algumas pessoas e tenta afastar outras; agarra-se a uma experiência e tenta afastar outras. Fica nesse jogo, que é um jogo do ego, um jogo de escolhas.
Participante: A mente é complicada!
Mestre Gualberto: Sim, a mente é complicada! A mente é a complicação! Tudo para ela tem que ser assim! Esse “ela” é você na ilusão de que é ela. Você está muito apegado a isso, à ideia desse “eu-mente-corpo” consciente do que está acontecendo, tentando se proteger, se defender, se ajustar, não sofrer, ver todos os desejos cumpridos no tempo e na hora desse “mim”, desse “eu”. Não existe nenhuma liberdade nisso! É uma prisão centrada na ilusão de um “eu” experimentador, na ilusão de que tem alguém aí. Puro condicionamento!
É muito simples, muito natural, trabalhar isso: o fim dessa ilusão de que você está aqui e agora. É preciso se desapegar da autossuficiência, desse autofavorecimento, dessa autoproteção, desse condicionamento. Isso é Meditação! A Meditação é a arte dessa Consciência assumida. Assumir Consciência é Samadhi, é Meditação, é não dualismo. Não dualismo significa o fim da ilusão entre eu e a outra coisa, dessa parede criada pela ilusão dessa suposta entidade no contato com o outro lado, com a outra coisa, com o outro objeto. O fim dessa parede entre sujeito e objeto é o fim da ilusão do sujeito, como uma entidade se separando, e, naturalmente, do objeto. Isso é o fim do dualismo. Então, isso é o fim do ego.
Nada dessa coisa de estudar, analisar, aprender e ir a fundo na história. História é tempo, conhecimento, e está baseada na ideia “eu-mente-corpo” consciente do que acontece do lado de fora, tendo algo para dizer, declarar, escrever, palestrar sobre isso; para se arrepender, para sentir remorso, para sentir orgulho, satisfação, prazer... Tudo isso é muito primário e bastante inútil. O seu ego está tendo vida na história que você está contando para si mesmo o tempo todo; na ilusão “eu-mente-corpo” consciente do que aconteceu ou do que está acontecendo, e pronto pra reconhecer o que há de acontecer.
O futuro é importante porque o passado também foi, então, esse presente também é bastante interessante para se contar uma história, para se investigar o que é possível descrever sobre o que está acontecendo. A autoinvestigação não é descrever o que está acontecendo! Autoinvestigação é tomar Consciência de que só há Consciência, e isso é o fim da ilusão do “eu” consciente do que acontece, porque o presente é tão irreal quanto o passado e o futuro quando não há essa ilusão de alguém que tem algo para contar sobre ele. Dessa forma, não há presente, como não houve passado, como não haverá futuro. Isso é Meditação, isso é Consciência, isso é Presença, isso é Ser, isso é Samadhi.
Participante: Mestre, o corpo está em você e não o contrário. Então, através de que olhos o Senhor vê esse aparente mundo?
Mestre Gualberto: Só há um olhar nessa experiência, e, para esse olhar, o fora e o dentro são a mesma coisa! Esse olhar não está vendo o mundo como um objeto externo, com ele sendo o sujeito interno, como também não está vendo o que há internamente, tendo algo externo a ele. O olhar que vê o mundo é o olhar onde o mundo aparece e desaparece. Quando o mundo aparece, esse olhar vê o mundo em si mesmo; quando o mundo desaparece, esse olhar mantém esse desaparecimento, ou esse sumiço, nele mesmo.
Com que olhos essa Consciência vê o mundo?
O mundo é a Consciência desse olhar e esse olhar é a Consciência desse mundo. Em outras palavras, quando há uma aparição, esse olhar é ela, e, quando não há essa aparição, esse olhar se mantém como essa não aparição. Não há dentro e fora, assim como não há coisa observada e aquilo que observa.
Participante: Através de que olhos o Senhor vê esse aparente mundo?
Mestre Gualberto: Através dos seus olhos, porque só tem os seus olhos, e é neles que esse mundo aparece e desaparece. Esses olhos são os meus olhos, são os olhos de tudo e de todos, porque só há esse olhar! Quando você fecha os olhos, para onde o mundo foi? Quando você abre os olhos, de onde ele está vindo? Aqui, a recomendação é: permaneça em seu Estado Natural, e tudo assume o lugar natural que deve assumir. Simples, porque não há dualismo, não há separação.
A “coisa” já aconteceu! Ela não deixa de acontecer. Não é o seu entender ou não entender que torna isso possível ou impossível. A “coisa” já aconteceu, ou melhor, a “coisa” está acontecendo. Não será no dia em que você entender; será no dia em que a ilusão de alguém que pode entender, ou a ilusão de alguém que não pode entender, desaparecer aí. Ficará claro que isso já aconteceu, ou que está acontecendo, e que não tem você nessa “coisa”. A visão direta de todos aqueles que, ao longo de séculos, ao longo de toda história humana, relatam esse Despertar, ou essa Realização, é a mesma: Isso está aqui! Sempre esteve aqui! Isso já é assim! Isso já é assim!
*Transcrito de uma fala ocorrida em 26 de dezembro de 2016, num encontro aberto online.
Para informações sobre os encontros e instruções de como participar, clique aqui.

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