quarta-feira, 29 de março de 2017

O simples reconhecimento desse "Eu Sou"

Há algo que não permanece presente. Repare que à sua volta tudo muda e dentro de você, também, tudo muda. Da manhã até esse momento, alguns pensamentos passaram por aí, mas eles foram embora e deram lugar a outros pensamentos. Da mesma forma, algumas sensações foram experimentadas no corpo e deram lugar a outras sensações; elas aconteceram e foram embora. É possível que você tenha tido algumas emoções, também, durante o dia, mas elas foram embora, não estão mais aí. Assim, até a hora de dormir você ainda passará por algumas experiências. Percebam o quanto isso é simples e, também, o quanto é simples isso ser observado.
A questão é: o que é isso que está ciente disso que está mudando? É aqui que está o quanto isso é simples. Você, nesse momento, está ciente de si mesmo. O que é esse "Eu Sou"? Você está ciente desse “Eu sou” – esse que passou por tudo isso durante o dia, que está passando, agora, por esta experiência de ouvir essa fala. O que é esse "Eu Sou"? (Esse “Eu Sou” que teve pensamentos, sensações, emoções, diversas experiências que já não estão mais aí, foram embora, e estão dando lugar a outras experiências).
Você está ciente desse “Eu Sou”, mas o que é isso que está ciente? Obviamente é a Consciência. É óbvio que é esse Eu – a Consciência de que estou consciente desse “Eu Sou”. Então, isso é algo muito básico, muito simples. Há algo que está sempre consciente em meio a essas aparições, acontecimentos, variações, pensamentos, sentimentos, sensações, emoções, percepções sensoriais, nesse simples reconhecimento: "Eu Sou". Isso é essa Presença dessa Consciência. Em outras palavras, o simples reconhecimento desse “Eu Sou” é essa Consciência. Então, é Dela que estamos tratando... algo muito simples. A Consciência está consciente; é disso que estamos tratando em Satsang.
Claro isso?
Por isso que é algo muito simples. Enquanto você se perde, confundindo-se com a experiência, seja pensamento, sentimento, emoção ou sensação, há algo presente que está consciente disso. É desse “algo” que nós estamos tratando. Esse “algo” é a Consciência, que está consciente do pensamento, da sensação e do sentimento mudando. É muito claro isso! Repare que estamos sinalizando o Estado Natural, que é Meditação.
Isso é o que Eu Sou, verdadeiramente – este Eu ciente desse "mim mesmo", sinônimo de Consciência, de Presença... Consciente desse "mim", do movimento, do pensamento, da emoção, do sentimento, da sensação... Consciente dessa aparição, que é essa pessoa. A "pessoa" vem e vai; aparece no estado de vigília e no sonho, e desaparece no sono profundo. Mesmo no estado de vigília, ela está mudando o tempo todo! Contudo, essa Consciência está consciente, Nela mesma, do seu Ser, de sua Natureza Verdadeira. Por isso é algo simples, se você não se confunde com a "pessoa". Mas, se você se confunde com a "pessoa", ela predomina e Você desaparece. Esse Você real, que é esse Eu Real, não é esse "eu pessoal", como uma entidade separada. Eu falo desse Eu, mas é um Eu que não conhece o “tu”, o “ele”.
Estamos falando de algo que todos vocês experimentam o tempo todo – o simples conhecimento do seu próprio Ser. É a experiência da Consciência, estando consciente Dela mesma. Isso é algo simples, óbvio, sempre presente; é um fato sempre presente. Não há limitação nessa Consciência. O pensamento, o sentimento, a emoção, a sensação, enfim, toda experiência é limitada, mas não há limitação nessa Consciência. Portanto é disso que estamos tratando em Satsang. Esse é o nosso tema, nosso assunto. Essa Consciência, essa Presença, não está limitada à mente, ao corpo ou a uma experiência, de prazer ou de dor... Ela está além do corpo! A sensação, o prazer sensorial de comer algo, ou qualquer sensação no corpo, não limita essa Consciência. Prazer ou dor não limita essa Consciência.
Você, definitivamente, não é a mente, nem o corpo. O corpo e a mente aparecem em Você. Não é Você que aparece no corpo e na mente. A crença é que existem muitos encarnados, mas isso é uma imaginação. Não existe ninguém encarnado, ninguém no corpo. Eu sei que é muito estranho, mas é assim. Você é essa Consciência, consciente desse "Eu sou". "Eu estou", "eu sinto", "eu caminho", "eu penso", "eu escolho", "eu decido", tudo isso são apenas crenças, das quais, como Consciência, você está consciente. Tudo isso é apenas uma imaginação. "Eu como", "eu durmo", "eu caminho", "eu falo", "eu escuto", "eu penso", "eu faço", "eu desfruto", "eu sofro", "eu amo", "eu odeio", e assim por diante, tratam-se de imaginação! É a ilusão do sentido de "alguém" nessa “coisa”.
Tendo descoberto isso, o que você vai fazer? Comece a viver em conformidade com essa descoberta. Pare de se confundir com esse "alguém". Exatamente isso: comece a viver em conformidade com isso e desconecte-se dessa ilusão, que é a ilusão da "pessoa". Estou propondo isso para você neste encontro.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 25 de Janeiro de 2017, num encontro aberto online.
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segunda-feira, 27 de março de 2017

Você não é quem parece ser

Para quem esses pensamentos acontecem? Para quem esses pensamentos surgem? Para quem eles vêm? Quando os pensamentos aparecem a você, minha dica, em Satsang, é que você pergunte a si mesmo exatamente isso: “Para quem esses pensamentos acontecem?”
O propósito desses encontros é seguir e encontrar essa fonte, a origem, a base dos pensamentos. Encontre a fonte dos seus pensamentos! Você a encontrará neste “eu”. A fonte desses pensamentos é este “eu”. Então, você pergunta: “O que é este ‘eu’?”, “Quem sou eu?” ou “Qual é a fonte do ‘eu’?”. O propósito de Satsang é essa investigação. Nessa investigação, você chega a este “eu”, que é a base desses pensamentos. Mas, onde esse “eu” aparece? Esse pronome “eu” é a primeira palavra, é o primeiro pensamento. Depois deste pronome “eu”, surgem os outros pensamentos: “eu e minha casa”, “eu e minha família”, “eu e meu corpo”, “eu e a minha história”, “eu e o meu nome”, “eu e o meu mundo”… Qualquer outro pensamento, sentimento ou emoção está sempre atrelado, ligado a este “eu”. Tudo está ligado a este “eu”: “eu me sinto alegre”, “eu me sinto triste”, “eu me sinto doente”, “eu me sinto preocupado”, “eu me sinto pobre”, “eu me sinto rico”... Tudo está atado, preso, a essa ideia de “alguém” aí, a esse “eu”. A primeira ideia é este pronome “eu”.
Então, você pode trabalhar isso. Se você busca esse “eu”, você descobre que não existe nenhum “eu”. Tudo está preso, atrelado, atado, a esse “eu”, mas nesse Eu você não encontra nenhum “eu”, isso é só mais um pensamento também. Assim, acontece essa coisa espantosa: o descobrimento de que não existe nenhum “eu”. Você descobrirá que isso é apenas um pensamento e que todos os outros pensamentos estão ligados a esta “ideia-sensação”, “ideia-sentimento”, a essa suposta entidade presente. Não existe uma entidade presente aí. Nunca houve um “eu”!
Você constatará, claramente, que não existe e que nunca existiu esse “eu”. A ilusão está em cima do sentido de separação, assentada nessa ideia principal de que o experimentador está aí, o “eu” está aí, a “pessoa” está aí. Mas não tem “pessoa”, só tem o fenômeno, que é a vida como ela é, com tudo que aparece nela. Isso significa que não teve alguém que nasceu, não tem alguém para morrer, não tem alguém vivendo. Você nunca nasceu! Se nunca nasceu, não poderá morrer. Você nunca morrerá!
É claro que essa fala é bastante estranha, a princípio. Não existem “outros”. Se é assim, que experiência é esta? É só a vida; é só o que acontece. É sempre do ponto de referência de um “eu” que existem os “outros”. Tudo é esse Ser, é essa Consciência, é essa Presença, é essa Vida, sem nenhuma separação. Os seus problemas todos são pessoais. Só pode haver problemas para a “pessoa”. Sem a “pessoa”, as coisas são como são. Sem a referência da “pessoa”, não pode haver problemas, não pode haver dificuldades. É só a vida como ela se expressa, de uma forma positiva ou negativa, boa ou má, e isto está sempre dentro da interpretação pessoal. Existe somente o Ser. Tudo isso é esse Ser.
O corpo aparece sentindo, falando, agindo, nascendo e morrendo, mas o corpo é só uma aparição existencial, não tem alguém especial nisso. Você, em sua Natureza Real, não está no corpo; o corpo está em você, a mente está em você, as experiências sensoriais estão em você. Tudo isso aparece Naquilo que Você É, mas pode aparecer ou não. Como Consciência, você não está preso a essas sensações, sentimentos, emoções, experiências… a esta experiência “corpo-mente-mundo”.
Você é essa Pura Consciência, essa Pura Inteligência, essa Verdade não tocada pelo experimentador, pela experiência, pelo observador e pela coisa observada. Você não é o que parece ser. Você não é quem parece ser!
Por muito tempo, você tem se identificado com o corpo, com as experiências do corpo, nessa ideia de que tem alguém dentro dessa experiência. Então, a princípio, quando você se depara com essa fala, que começa a questionar e a virar toda essa coisa de ponta-cabeça, isso soa estranho. Você precisa agora aprender a ver as experiências a partir desse novo olhar, desse novo modo, aproximando-se de cada evento, de cada incidente, de cada acontecimento, de cada coisa em sua vida, questionando o experimentador dentro disso; esse “eu”, que é só um pensamento nessa experiência. Quando você começa a fazer isso, você tem a possibilidade de ir além desse condicionamento, dessa programação, desse modo repetitivo de pensar, sentir e agir. Então, você pode ir além dessa identificação egoica. É quando você pode descobrir sua Natureza Verdadeira, Aquilo que está fora disso tudo, que não é tocado por nada disso, e que, ao mesmo tempo, é onde isso tudo aparece, acontece, ou parece acontecer.
O seu corpo continuará fazendo coisas, experimentando sensações, emoções, ou seja, você parecerá ser uma pessoa também, mas você perceberá, você saberá, estará desidentificado disso, estará além dessa forma comum, grosseira, de lidar com o mundo e o com que acontece nele.
Nesses encontros, eu tenho procurado trazer este desafio. É importante que você comece a assumir essa Verdade. Você não pode simplesmente se justificar dizendo: “Eu não estou acordado”. Já está acordado sim! Já pode, perfeitamente, se desidentificar dessa ideia do experimentador; já deve começar a treinar isso. Essa é a sua sadhana, esse é o seu trabalho. Se você continuar pelos mesmos velhos caminhos, nas mesmas velhas identificações, crenças, sensações e sentimentos, o velho condicionamento se manterá.
É preciso permitir a si esse real “sentimento”: o “sentimento” da Liberdade, o “sentimento” da Consciência, e não perdê-lo; não sucumbir de novo ao movimento da mente. Está claro isso? Isso eu poderia chamar de Meditação – tomar consciência de si mesmo, momento a momento. Então, você não perderá essa Consciência; não se deixará perder nessa inconsciência! No entanto, se você se perde, você volta de novo, e de novo, e de novo, e de novo… Mas não tem problema, você está trabalhando isso.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 14 de Dezembro de 2016, num encontro aberto online.
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sexta-feira, 24 de março de 2017

Meditação: A pura observação

Qual é a natureza da Realidade? Afinal, o que é Isso que permanece estável? Afinal, o que é Isso que permanece livre? Como podemos nos aproximar Disso?
A sugestão, na mente, é que duas coisas estão presentes: a primeira é a consciência e a segunda são as aparições, são os objetos. Então, na mente há essa divisão, há essa separação entre consciência e as aparições. Você se vê como uma pessoa que está consciente do mundo das formas.
Então, a ideia é a de um “eu” presente vendo o mundo do lado de fora. Há uma consciência – essa é a crença – e, do lado de fora, um mundo do qual essa consciência está consciente.
Dessa forma, nós temos a consciência e as aparições, o “eu” e os objetos. O “eu” como sujeito e os objetos como aparições. O sentido desse alguém presente é a ilusão de alguém que está consciente do mundo; alguém dentro do corpo consciente do mundo fora do corpo.
Deparamo-nos com essa ilusão da dualidade, a ilusão deste “eu” e deste “não-eu” – eu e o mundo, eu e Deus. Essa é a sugestão da mente para tudo isso. Essa consciência é descrita como uma testemunha das aparições. Ela é compreendida como aquele que vê os objetos. Assim, temos aquele que vê e temos os objetos; a testemunha e a coisa testemunhada. Aí está a dualidade!
Nessa base está o conflito, está toda essa problemática do “eu”, porque você se separa como uma entidade – aquele que pensa e os pensamentos; aquele que sente e os sentimentos; aquele que observa e aquilo que é observado. Quando você faz isso, fortalece o sentido de separação. Quando você acredita nisso, você está preso a mais uma crença criada pelo pensamento.
O pensamento é a base dessa divisão, dessa crença, dessa dualidade, desse sentido de separação, dessa ideia. Quero convidar você a observar sem o observador, o que significa uma observação onde não existe observador e coisa observada. Fica a experiência direta, mas não fica “alguém”. Na experiência da pura observação não há separação.
Quero convidá-lo a não se confundir com o pensamento e a não se separar dele. Quando você se separa do pensamento, é o próprio pensamento se separando dele mesmo. Quando você se confunde com o pensamento é o próprio pensamento se confundindo com ele mesmo. Chamaria isso de se desidentificar do observador, se desidentificar do pensador. O pensamento não acontece para você, nem em você; ele só acontece. A observação não acontece em você ou para você. Isso é a Real Meditação! A ação executada sem alguém fazendo; o “ver” sem alguém olhando; o pensamento sem alguém pensando. Então, o pensamento termina; a observação, com o sentido de alguém observando, termina; a ação, nesse sentido de alguém fazendo, também termina. Isso é Meditação!
Para vocês, tem sempre que haver alguém: alguém meditando, alguém pensando, alguém fazendo… Agora mesmo, nesse instante, só há o Silêncio, essa ausência do pensador, do fazedor, do observador, daquele que escuta… Não há alguém escutando e não há alguém falando. A fala acontece, o ouvir acontece, o pensamento acontece, a ação acontece, e isso é Meditação.
Você pode acompanhar isso, mas não pensar sobre isso. Se pensar sobre isso, você volta ao jogo de novo – o jogo de alguém analisando, de alguém procurando compreender, de alguém concordando ou discordando. Simples assim! É só ouvir e, nesse ouvir, há a clareza da Meditação. Essa clareza da Meditação é a compreensão sem alguém compreendendo, sem alguém acumulando, sem alguém concordando com isso ou discordando disso. Se você está ouvindo dessa forma, você está em Meditação. Se está tentando “pegar” isso para levar para o momento seguinte, esse é o próprio movimento da mente egoica. A mente quer capturar isso, mas não dá.
Acompanhar isso é possível, mas alguém acompanhando isso, não! A compreensão disso é possível, mas alguém compreendendo isso, não! É um hábito. A mente egoica tem esse hábito de adquirir, de acumular. Não há espaço nessa Consciência Real para isso. Isso é um espaço forjado pela mente egoica. A mente egoica forja um espaço, o espaço do conhecimento, o espaço da experiência, o espaço da memória, o espaço da informação, o espaço do experimentador.
Essa Consciência é essa amplitude, além de todo espaço, além de toda limitação. Espaço é limitação. Esse não-espaço, essa não-limitação é a Meditação. Essa é a Consciência! Isso é pura observação, sem observador e coisa observada. Isso é pura experiência, sem experimentador e coisa experimentada. Isso é essa realidade que não se separa de uma aparição. Então, essas aparições não estão separadas dessa Realidade. Como não estão separadas, não causam nenhum problema. O pensamento não causa problema, o sentimento não causa problema, a emoção não causa problema, o corpo não causa problema. Quando não há separação, não há sofrimento, então não há problema.
A mente criou essa ilusão de que o corpo é o problema, o pensamento é o problema, o mundo é o problema, a vida é o problema. Mas, na verdade, o problema é só essa ilusão que a própria mente criou, esse sentido de separação entre ela e o pensamento, entre ela e o corpo, entre ela e a vida. Ela quer que a vida seja diferente, que o pensamento seja diferente, que o corpo seja diferente, que tudo seja diferente! Ela se separa para exigir e, quando faz isso, produz sofrimento.
Vocês não precisam se livrar do corpo, da mente, do mundo, da vida, só precisam se livrar da ilusão de que tem “alguém” aí, que está vendo tudo errado, tudo fora do lugar; “alguém” com suas exigências, observando como o observador e julgando: “gosto e não gosto”; “alguém” nessa ilusão de ser um pensador, tentando controlar os pensamentos: “esse eu aprecio, esse não aprecio”; “desse eu gosto e desse eu não gosto”; “eu estou certo disso, não tenho muita certeza daquilo…” Essa é a ilusão! Tem a ilusão do fazedor também – esse “alguém” que está fazendo as coisas, esse “alguém” que faz, que se sente responsável pelas coisas acontecendo à sua volta, como se ele pudesse controlar o que acontece à sua volta. É sempre essa ideia de um “alguém”, que pensa, que faz, que sente.
Você aprende a se desidentificar dessa ilusão, desse “alguém”. É só isso! Assim, você percebe o pensamento, o sentimento, a ação, o mundo e o corpo indo para o seu devido lugar, e esse “você” desaparece. Você ainda está tentando pensar sobre isso? Isso é tão simples que você não precisa pensar sobre isso. Se pensar sobre isso, vai complicar, porque é uma fala fora da mente para a não-mente.
Esse momento de encontro, chamado Satsang, é um momento de Meditação. Na Meditação não tem “alguém”, não tem pensador. Ser é algo muito natural. A crença do pensador é algo aprendido. Nós aprendemos, adquirimos, essa crença de que somos pensadores e que os pensamentos somos nós quem fabricamos. Esse pensador não é Real! Não há nenhum pensador! Pensamento, sim; pensador, não!
Todos os problemas que você tem estão assentados nesse equívoco, nessa compreensão de que você está aí para mudar alguma coisa, para fazer alguma coisa, para consertar alguma coisa. Isso não é verdade! Você está aqui apenas para constatar que não tem ninguém aí, só a Vida! E na Vida não existe pensador, não existe observador, não existe juiz, não existe alguém para consertar ou ajustar. A Vida permanece como um mistério, um acontecimento inexplicável. Isso é Amor, isso é Liberdade, isso é Felicidade!
*Transcrito de uma fala ocorrida em 16 de Janeiro de 2017, num encontro aberto online.
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quarta-feira, 22 de março de 2017

O fim dessa ilusão de que você está aqui e agora

Todo e qualquer momento pode ser percebido por cada um de nós como um momento natural, simples, direto, ou um momento em que interpretamos de forma pessoal o que quer que esteja surgindo. De uma forma convencional, esse “eu” já subentende, dentro de cada um de nós, a ideia da mente e do corpo. Essa experiência “eu”, que subentende “mente-corpo”, de uma forma convencional, está sempre consciente de algo acontecendo, de algo aparecendo. Então, de uma forma convencional, nós temos uma crença, basicamente: a crença “eu e o objeto”; “eu e aquilo que está acontecendo do lado de fora (da mente e do corpo)”. Então, nós temos o sujeito e o objeto, o “eu” e aquilo que aparece ou acontece.
De uma forma bastante convencional, nossa crença nos diz que há um “eu” que está consciente do que acontece. É assim que, basicamente, pensamos ou acreditamos ter o contato com a experiência. Para nós, o contato com a experiência é de um sujeito com um objeto; um sujeito dentro com um objeto fora; um que experimenta, que “sou eu”, e aquilo que está fora, que é experimentado, que é a outra coisa, pessoa, situação ou objeto. Basicamente, é assim.
Nessa divisão que, convencionalmente, nós aceitamos como sendo real, está todo o problema humano. Todo o seu sofrimento está na ideia de que você está aí e que a experiência não está sendo favorável a você. Quando ela lhe é favorável, você se sente bem. Quando não é, você se sente mal. Mas mesmo quando você se sente bem, não é o suficiente, porque há uma divisão entre você e a experiência do lado de fora. Seja uma experiência pessoal – que é algo mais íntimo, particular, como o contato com parentes e amigos – ou não tão pessoal, como o contato com um evento, um incidente, um acontecimento do lado de fora.
De qualquer forma, isso é sempre pessoal, porque o seu modo de transitar dentro da experiência é sempre dessa forma convencional: “eu” consciente do que acontece; “eu” experimentando algo; “eu” aqui e essa outra coisa do lado de fora. Nessa divisão está o ego! É bem simples isso. Nessa divisão está o sentido de separação.
O que eu estou dizendo é que você pensa sobre o que acontece e, quando assim faz, você se separa da experiência como sujeito, sendo o sujeito, e o acontecimento, o evento, o incidente ou a relação com o outro, com a outra, é o objeto. Então, você se separa e, quando você se separa, a mente egoica, a mente separatista aparece.
Toda sua história só pode ser contada com base nessa crença, nessa fundamental crença de que você está aí e tem alguma outra coisa do lado de fora. Não há como você reconhecer sua Natureza Real se identificando, se perdendo, se confundindo com esse modo convencional de sentir, pensar e experimentar, o que significa sempre criar, sustentar e alimentar o conflito. Então, a “pessoa” está presente, que é esse “eu”, essa ideia “eu-mente-corpo”.
Não há uma observação sem o observador; não há uma linha de pensamentos sem o pensador; não há uma experiência acontecendo, neste instante, sem o experimentador, e, enquanto houver essa separação, essa divisão, haverá problema. Você sempre estará em apuros! Você é o apuros, você é o problema. Você nunca relaxa em seu Ser, O qual não é consciente da experiência, não é consciente do outro, não é consciente do objeto. Seu Ser é a Consciência, a pura Consciência, só Consciência… Não tem o outro, não tem a experiência, não tem o objeto. Portanto, não tem “eu” consciente do que se passa do lado de fora; não tem esse “mim” sentindo, pensando, experimentado… Esse “mim” é o conflito!
Tudo que estou falando com você, nesse momento, é a chave da Meditação! Meditação não é pernas cruzadas, coluna ereta, respirar de certa forma, criar uma visualização, tentar afastar os pensamentos, tentar seguir uma linha de pensamento ou uma forma de respiração, cantar mantra, ou qualquer uma dessas coisas. Meditação é apenas ficar com o que acontece. Não é estar consciente do que acontece, é ficar com o que acontece. Você não fica consciente do que acontece. O que acontece já é a Consciência.
O pensamento, no seu próprio movimento, ainda é a expressão dessa Consciência; o sentimento ainda é expressão dessa Consciência; o que acontece é a expressão dessa Consciência. O que é visto, sentido, pensado, não é visto, sentido, pensado dessa forma convencional, onde há alguém vendo, sentindo ou pensando. Tem o pensamento, tem o sentimento e tem a visão, mas não tem aquele que vê, aquele que pensa, aquele que sente. Portanto, não há separação e, quando não há separação, você tem a beleza da Meditação. Falar é Meditação; comer é Meditação; trabalhar é Meditação; o pensamento acontecendo sem a ideia de alguém presente na experiência do pensar também é Meditação; o espaço que acontece entre os pensamentos também é Meditação; ouvir é Meditação; falar é Meditação; a vida é Meditação!
Meditação é quando não existe mais a ilusão de um “eu-mente-corpo” consciente do que está acontecendo fora, tendo este “fora” como algo separado da experiência. Na verdade, essa experiência “eu-mente-corpo” também é apenas um acontecimento na Meditação. Tudo está contido dentro da Meditação. Não tem nada como um “eu” especial meditando, um “eu” especial pensando, um “eu” especial concluindo, um “eu” especial consciente do outro, do mundo, da vida. Esse “consciente” é só um modo pessoal de interpretar o que aparece, o que acontece. Isso é a divisão. É o sentido do “eu” preocupado com ele mesmo, preocupado com suas conclusões, com suas crenças, com suas ideias, com o seu desejo de acertar ou o seu medo de errar.
Perceba para onde estamos apontado em Satsang... Estamos apontando para a arte de Ser, que é Meditação, que é não se confundir com esse modo convencional de se mover na existência, como uma entidade separada, como alguém na sua autoimportância, consciente do que acontece. Esse “consciente para alguém” é só um modo condicionado de se mover na mente egoica. Quando há Consciência, não existe o sentido do “eu” na experiência de estar consciente. Quando há Consciência, não existe um “eu” consciente disso ou daquilo. Quando há Consciência, só há Consciência e não há conflito, porque não há divisão. Não há o certo e o errado, o bom e o mau, o agradável e o desagradável, o que deve ser e o que não deve ser, o “eu gosto” e o “eu não gosto”, o “estou triste” e “estou alegre”. Isso está sempre na ideia de alguém presente falsificando a pura experiência.
Na pura experiência, não existe experimentador. No puro ver, não há o observador e a coisa observada. No puro sentir, não há alguém sentindo, não há história. Quando surge a história, surge a mente dando os valores dela ao episódio, ao evento, ao incidente, ao acontecimento, a isso que é só um jogo divino, o jogo das relações com pessoas, lugares, objetos, pensamentos, sentimentos… É só um jogo! Aquele que valoriza isso é o sentido egoico! É o sentido egoico que valoriza um sentimento, que se agarra a um sentimento com muita força e tenta afastar o outro; agarra-se a uma linha de pensamento e tenta afastar uma outra linha; agarra-se a algumas pessoas e tenta afastar outras; agarra-se a uma experiência e tenta afastar outras. Fica nesse jogo, que é um jogo do ego, um jogo de escolhas.
Participante: A mente é complicada!
Mestre Gualberto: Sim, a mente é complicada! A mente é a complicação! Tudo para ela tem que ser assim! Esse “ela” é você na ilusão de que é ela. Você está muito apegado a isso, à ideia desse “eu-mente-corpo” consciente do que está acontecendo, tentando se proteger, se defender, se ajustar, não sofrer, ver todos os desejos cumpridos no tempo e na hora desse “mim”, desse “eu”. Não existe nenhuma liberdade nisso! É uma prisão centrada na ilusão de um “eu” experimentador, na ilusão de que tem alguém aí. Puro condicionamento!
É muito simples, muito natural, trabalhar isso: o fim dessa ilusão de que você está aqui e agora. É preciso se desapegar da autossuficiência, desse autofavorecimento, dessa autoproteção, desse condicionamento. Isso é Meditação! A Meditação é a arte dessa Consciência assumida. Assumir Consciência é Samadhi, é Meditação, é não dualismo. Não dualismo significa o fim da ilusão entre eu e a outra coisa, dessa parede criada pela ilusão dessa suposta entidade no contato com o outro lado, com a outra coisa, com o outro objeto. O fim dessa parede entre sujeito e objeto é o fim da ilusão do sujeito, como uma entidade se separando, e, naturalmente, do objeto. Isso é o fim do dualismo. Então, isso é o fim do ego.
Nada dessa coisa de estudar, analisar, aprender e ir a fundo na história. História é tempo, conhecimento, e está baseada na ideia “eu-mente-corpo” consciente do que acontece do lado de fora, tendo algo para dizer, declarar, escrever, palestrar sobre isso; para se arrepender, para sentir remorso, para sentir orgulho, satisfação, prazer... Tudo isso é muito primário e bastante inútil. O seu ego está tendo vida na história que você está contando para si mesmo o tempo todo; na ilusão “eu-mente-corpo” consciente do que aconteceu ou do que está acontecendo, e pronto pra reconhecer o que há de acontecer.
O futuro é importante porque o passado também foi, então, esse presente também é bastante interessante para se contar uma história, para se investigar o que é possível descrever sobre o que está acontecendo. A autoinvestigação não é descrever o que está acontecendo! Autoinvestigação é tomar Consciência de que só há Consciência, e isso é o fim da ilusão do “eu” consciente do que acontece, porque o presente é tão irreal quanto o passado e o futuro quando não há essa ilusão de alguém que tem algo para contar sobre ele. Dessa forma, não há presente, como não houve passado, como não haverá futuro. Isso é Meditação, isso é Consciência, isso é Presença, isso é Ser, isso é Samadhi.
Participante: Mestre, o corpo está em você e não o contrário. Então, através de que olhos o Senhor vê esse aparente mundo?
Mestre Gualberto: Só há um olhar nessa experiência, e, para esse olhar, o fora e o dentro são a mesma coisa! Esse olhar não está vendo o mundo como um objeto externo, com ele sendo o sujeito interno, como também não está vendo o que há internamente, tendo algo externo a ele. O olhar que vê o mundo é o olhar onde o mundo aparece e desaparece. Quando o mundo aparece, esse olhar vê o mundo em si mesmo; quando o mundo desaparece, esse olhar mantém esse desaparecimento, ou esse sumiço, nele mesmo.
Com que olhos essa Consciência vê o mundo?
O mundo é a Consciência desse olhar e esse olhar é a Consciência desse mundo. Em outras palavras, quando há uma aparição, esse olhar é ela, e, quando não há essa aparição, esse olhar se mantém como essa não aparição. Não há dentro e fora, assim como não há coisa observada e aquilo que observa.
Participante: Através de que olhos o Senhor vê esse aparente mundo?
Mestre Gualberto: Através dos seus olhos, porque só tem os seus olhos, e é neles que esse mundo aparece e desaparece. Esses olhos são os meus olhos, são os olhos de tudo e de todos, porque só há esse olhar! Quando você fecha os olhos, para onde o mundo foi? Quando você abre os olhos, de onde ele está vindo? Aqui, a recomendação é: permaneça em seu Estado Natural, e tudo assume o lugar natural que deve assumir. Simples, porque não há dualismo, não há separação.
A “coisa” já aconteceu! Ela não deixa de acontecer. Não é o seu entender ou não entender que torna isso possível ou impossível. A “coisa” já aconteceu, ou melhor, a “coisa” está acontecendo. Não será no dia em que você entender; será no dia em que a ilusão de alguém que pode entender, ou a ilusão de alguém que não pode entender, desaparecer aí. Ficará claro que isso já aconteceu, ou que está acontecendo, e que não tem você nessa “coisa”. A visão direta de todos aqueles que, ao longo de séculos, ao longo de toda história humana, relatam esse Despertar, ou essa Realização, é a mesma: Isso está aqui! Sempre esteve aqui! Isso já é assim! Isso já é assim!
*Transcrito de uma fala ocorrida em 26 de dezembro de 2016, num encontro aberto online.
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segunda-feira, 20 de março de 2017

Mestre, o que é a realidade?

Nós estamos sempre diante de uma brincadeira divina bastante interessante. Ela é algo que está acontecendo, mas, ao mesmo tempo, não está. Cada pequena aparição, pequena coisa, está viva e em busca de uma autoexpressão. Todas as coisas estão! Nós aprendemos na ciência que há coisas vivas e não vivas. Este é o modo como a ciência representa o mundo das formas: objetos animados e inanimados.
Do ponto de vista da Verdade, da Realidade, da visão do Sábio, a coisa é muito mais simples: tudo está vivo e se autoexpressando. Não há tal coisa como a morte. Não existe morte! Tudo está vivo e se expressando, desde o menor inseto até o maior de todos os astros. Nós temos a Terra, o Sol, a Lua, as estrelas, as plantas, as flores, os animais, assim como os metais, as rochas... Tudo aquilo que é visível, que está aparecendo, está vivo. Tudo está vivo! Tudo é a expressão dessa Vida! A Vida se expressa em tudo! Esta é a visão do Sábio: tudo está vivo e não há coisas animadas nem inanimadas!
A palavra "anima" vem de alma, de vida. Então, há coisas animadas e coisas inanimadas. Do ponto de vista da Realidade, tudo é vida, tudo está vivo. É aqui que entra a coisa curiosa nessa brincadeira divina. Apesar de tudo estar vivo e presenciarmos uma multiplicidade indescritível de formas e de aparições, curiosamente, quando falamos do Despertar, dessa Realização, estamos falando que todas essas aparições não são reais. Elas estão aparecendo como tudo aparece enquanto você sonha. Quando você acorda, tudo desaparece. Estou dizendo que todas essas aparições desse, assim chamado, universo, mundo, são mentais. Quando você volta a sonhar, tudo volta a aparecer, e, quando você para de sonhar, o "sonhador" desaparece, também. Quando não há sonho, não há o "sonhador", não há o mundo e não há a mente.
A parte curiosa dessa brincadeira divina é que tudo é muito real enquanto aparece. Uma vez que desaparece, não está mais ali. A mente está trazendo à baila a sua existência, a sua manifestação. Toda a sua manifestação é mental, mas essa manifestação ainda é uma aparição nesta Presença, nesta Realidade, nesta Verdade que somos. A mente está projetando a “realidade” dela, mas é, ainda, a "realidade” de uma aparição, que só pode aparecer nesta Presença, que Você É, porque Você É essa Realidade, essa Consciência. Então, é aqui que tudo fica bastante curioso.
Você está nessa multiplicidade de formas, tendo-a como verdade, e o que está fazendo isso é a mente. A única coisa que faz isso é a mente em sua projeção. No momento em que você se reconhece como Consciência, Presença, todo esse mundo é apenas uma aparição sem importância, assim como o sonho não tem importância para quem acorda. Isso é o Despertar. Para aquele que acorda, o sonho não tem mais nenhuma importância, é só um sonho, mas, enquanto não acorda, o sonho para ele é bastante real. Todo o seu sofrimento, os seus conflitos, aflições, além dos problemas pessoais, individuais e particulares, seja de saúde ou qualquer outro, são problemas do sonho, do "sonhador". O problema no sonho é um problema do "sonhador", que é a mente aceitando seu projeto como uma única realidade. Então, você se separa como se fosse uma entidade presente gerenciando toda essa coisa e, quando faz isso, o sofrimento e os problemas aparecem. Isso é bastante curioso, porque não é real.
Real é apenas Aquilo no qual isso está surgindo, tomando forma, onde essa coisa chamada mente está se levantando e fazendo aparecer todo o seu projeto. Enquanto você estiver se confundindo com essas aparições, irá se ver, se comportar, sentir e sofrer como uma "pessoa". Quando for traído, se sentirá enganado; quando for elogiado, se sentirá reconhecido pelos seus méritos e feitos; quando for criticado, se sentirá triste ou com raiva ou bastante ofendido. Tudo isso está acontecendo apenas na sua mente; não tem nenhuma realidade fora da sua cabeça. Portanto, quando você vem e se depara com esse momento de investigação da realidade, está se deparando com a possibilidade de abandonar esse "sonho", essa ideia de que você está aí presente nessas múltiplas experiências de um suposto "eu", de uma suposta identidade presente, que tem um nome, uma forma e uma história.
Assim, voltamos ao básico: você é uma fraude, não é real. Não é possível nem ficar ofendido, porque ninguém está aí para se ofender com isso. Quando você se confunde com a mente, o sentimento de ofensa aparece e, consequentemente, o ofendido aparece, porque estamos desmerecendo sua “real presença” no universo. Você, no sentido de um "eu", considera-se muito importante e nada disso é real. Aqui está o ponto curioso e engraçado nessa coisa chamada Despertar. É muito real, mas não é Real. Na Índia, eles chamam de leela essa brincadeira divina, que, quando é particularizada para o "sentido de alguém", não se chama mais de leela, mas de maya, a ilusão. Quando aparece no cenário a ideia de "alguém" na leela, isso é maya, a ilusão – a ilusão da multiplicidade, da separatividade, de um "eu", de uma "pessoa"; essa "pessoa" e seus conflitos, medos, acertos ou erros, virtudes ou vícios.
Claro isso? Difícil demais? Dá para acompanhar isso?
Portanto, você como "mãe", "avó", "pai", "filho", "marido", etc., é uma crença, porque há somente uma única Presença, Consciência, Realidade – você em sua Natureza Real. Isto é o seu Estado Natural, quando você não se confunde com esse "sonho" de avó, filha, filho, marido, esposa, homem, mulher, jovem, velho, criança... Não há "pessoa" quando não há história. Não há história, então, não há "pessoa". Tem história? Então, tem uma "pessoa" envolvida nisso.
A vida é uma leela de Deus, para o Sábio. Para aquele que se identifica com a mente egoica, a vida é maya. Em maya, tem os vivos e os mortos, os sábios e os tolos, os viciados e os virtuosos, os santos e os demônios; tem a tristeza e a alegria, o bem e o mal; tem o passado, o presente e o futuro; tem os amigos e os inimigos; tem história, tem pessoa... Tem tudo isso! Assim, não há Paz, Liberdade, Felicidade, Amor, Consciência... Só tem história.
Quando eu falo Paz, Liberdade, Felicidade, Amor, Consciência, não estou falando de algo que tem um contrário. Por exemplo, a paz tem o contrário, que é o conflito; a felicidade tem o contrário, que é a infelicidade; a liberdade tem o contrário, que é a prisão... Não estou falando dessa liberdade, dessa felicidade e dessa paz. O amor tem o contrário, que é o ódio, mas não estou falando desse amor. Estou falando do Amor, de uma Felicidade, de uma Consciência, de uma Paz, que não tem contrário, opostos, ou seja, não faz parte da história, do "seu mundo"... É algo desconhecido; algo de sua Natureza Real.
Quando eu digo “desconhecido”, é porque não é algo que possa ser conhecido. É algo que permanecerá sempre como o mistério chamado vida, que, na mente, você divide entre seres animados e inanimados, vivos e mortos. Quando eu digo para você ir além da mente, estou dizendo para ir além de maya, além da história, além da pessoa, além desse sentido de se sentir magoado, ofendido, humilhado, arrependido, triste, alegre, sábio ou tolo.
É como a história de um discípulo que foi ao Mestre e perguntou: "Mestre, o que é a Realidade? O que é essa Verdade?". Eles estavam perto um pé de laranja, no campo, e o Mestre disse: "Pegue uma daquelas laranjas". O discípulo pegou uma laranja e o Mestre disse-lhe: "Corte-a ao meio"; o discípulo fez isso. O Mestre perguntou-lhe: "O que você vê?", ao que o discípulo respondeu: "Eu vejo gomos de laranja". "O que tem nesse gomo?", perguntou o Mestre ao discípulo, apontando para as sementes, e disse-lhe: “Tire uma dessas sementes e corte-a ao meio”, o que foi feito. “Corte de novo, mais uma vez… Mais uma vez…”. Até que chegou num ponto em que não dava mais para cortar aquela semente. Então, o Mestre perguntou: “O que você vê agora?”. “Mestre, agora não tem nada”, respondeu o discípulo. O Mestre, então, disse: “Aí está o sentido da Realidade: não tem nada!”.
Esse Vazio é o sentido da Realidade. É desse Nada, desse Vazio, que veio a semente, que vieram os gomos, que veio a laranja, a árvore, a terra em que essa laranjeira está plantada; que veio esse campo, esse lugar; que veio esse mundo e esse universo. A Realidade é esse Nada, onde tudo aparece e desaparece. Esse Nada é a Consciência, é o Amor, é a Felicidade, é o desconhecido. Então, lembre-se disso: se você pode descrever, não é a Felicidade; se você pode descrever, não é a Paz, a Verdade, a Realidade. O que você pode descrever está dentro da história e o que está dentro da história é pessoal.
Nesses encontros, em Satsang, estamos apontando para você o fim de tudo isso… Estamos apontando o Nada. Mas o Nada, lembre-se, tem a qualidade de Sat-Chit-Ananda – Ser, Consciência, Felicidade. Então, não é um nada de vacuidade, de nulidade; é um Nada de Plenitude, de Totalidade. É um Nada que contém o Todo e onde o Todo desaparece. Então, é um Nada de uma qualidade completamente diferente. É um Nada que é a Natureza do Sábio, da Verdade. É lindo estar em Satsang, porque Satsang aponta somente para Isso. Não aponta para a ciência, filosofia, física quântica, artes, dança, música... Satsang aponta para o Nada, que não é o nada de “coisa nenhuma”; é o Nada onde tudo aparece e se dissolve. Então, lembre-se: o que você pode descrever não é Isso. Olhe de novo, de novo e de novo... Curve-se diante desse Nada – isso é adoração! Curve-se diante desse Vazio – isso é oração! Curve-se diante desse Nada Vazio – isso é autoinvestigação.
Tudo que eu ensino é o Nada. Eu o ensino a dar um "bye, bye", um "tchau, tchau" para as aparições, começando pelas aparições íntimas, próximas, ligadas ao sentido de uma identidade presente aí. O meu ensino não é uma instrução, nem forma você a ponto de torná-lo "alguém instruído". O meu ensino esvazia você de todo conteúdo, conhecimento, de todo conteúdo do experimentador. Então, o meu ensino é um não-ensino. Não escute com a sua cabeça, porque não vai funcionar. Em qualquer lugar você poderia ouvir com a sua cabeça, menos nesse espaço chamado Satsang.
Não tente analisar isso, encontrar a lógica, a aplicabilidade, o bom senso disso. Não dá! Não há bom senso em minha fala e não é algo aplicável, utilitário ou que fortalecerá você. Isso iria somente fortalecer sua história e, quando isso acontece, a "sua pessoa" fica mais forte, e o propósito não é esse. Não acreditem em minhas palavras. Não aprendam, decorem ou tentem enquadrar minhas palavras. Fiquem com o que está por trás delas. Mas vocês não podem fazer isso com a "cabeça"... Não escutem com a "cabeça". Aqui, começando por mim, ninguém é importante. Não tem ninguém importante. "Alguém importante" é a história, a instrução, o conhecimento e a experiência sendo compartilhados. ISSO aqui não é uma experiência que pode ser compartilhada.
Quando você olha para isso que acontece em Satsang, está apenas olhando para um espelho. Se você ainda estiver se vendo nesse espelho, sua visão está equivocada, porque não tem ninguém lá no espelho. O espelho está sempre vazio. Se você está encontrando uma imagem nesse espelho é, ainda, a sua história. Eu disse olhar para o espelho, não disse se ver no espelho. Tudo o que você fez, até hoje, foi para se encontrar e quando se encontra é como "você", que é o mesmo que se ver no espelho. Você vai melhorando essa imagem que vê de si mesmo no espelho. Em todos os lugares e trabalhos a intenção é essa: melhorar essa imagem, melhorar a "pessoa" que você acredita ser e encontra quando olha para o espelho.
Aqui, em Satsang, eu convido você a olhar para o espelho e descobrir que ele está sempre vazio; não tem "alguém" ali. Quando as pessoas começam a ler livros e ouvir falas desse tipo, passam a decorar essas palavras e, daqui a pouco, acreditam que se tornaram mestres do assunto e podem até sair por aí dando Satsang, porque elas estão perfeitamente instruídas na [teoria] Advaita. Isso é curioso, porque Advaita não é instrução. Advaita é não-dualidade. É esse Nada, esse Vazio... É o fim do sentido de um "eu".
*Transcrito de uma fala ocorrida em 23 de Dezembro de 2016, num encontro aberto online.
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sábado, 18 de março de 2017

Não é possível aprender sobre isso

Os encontros chamados Satsang são presenciais. Nós temos aqui (referindo-se aos encontros online) uma oportunidade juntos, mas isso não configura, de fato, um trabalho real. Você fica apenas com uma aproximação de investigação. Não podemos negar a Presença, também, dentro destes encontros, mesmo online, mas eles têm uma grande importância, de fato, para aqueles que estão presentes nesse trabalho de dissolução desse sentido de um “eu”, de desconstrução desse sentido de separação. Os demais precisam aparecer presencialmente. É preciso ir além dos conceitos, além das teorias.
Quando falamos desta Realização, estamos falando que a única Realidade, a única Verdade, é essa Consciência. Estamos sempre tratando desta Consciência reconhecendo a Si mesma. Quando Ela se reconhece, Ela o faz naquilo que chamamos de experiência pura – a experiência sem o experimentador. Só há Consciência, sempre! E Ela conhece a Si mesma o tempo todo, nessa experiência. Tudo que você está vivendo, neste instante, é a experiência. Não é a experiência de alguém, é a experiência.
A experiência pode estar acontecendo para o corpo, para a mente, mas ainda é só uma experiência nessa Consciência, e não uma experiência para alguém. A ilusão é a de que você está aqui, mas a única Realidade, aqui, é essa Consciência, não é você! Quando digo “você”, refiro-me a esses pensamentos acerca do que está acontecendo, os quais, também, estão acontecendo nesta Consciência, como uma experiência na Consciência. Não é algo particular, não é algo pessoal.
A ideia é a de que você está pensando, sentindo, falando e ouvindo na ação, mas não há tal coisa. Isso é só uma ilusão criada pelo próprio pensamento, uma imaginação, e nós estamos investigando isso. Os Sábios, os Antigos, em sua Sabedoria, deixaram essa visão em suas palavras, as quais, depois, transformaram-se apenas em ideias, em crenças.
Na antiga Índia, os Sábios eram chamados de videntes. Eles deixaram uma visão, mas essa visão, para os cegos, se torna uma crença. A visão é para os videntes, mas quando eles falam dela para os cegos, estes passam a acreditar nela e a repeti-la em palavras. É como se você ensinasse a um cego sobre cores e ele começasse a repetir os nomes delas – o que são só palavras e não fazem o menor sentido para ele. Mas ele repete, porque quem vê cores disse os nomes delas para ele. Então, sendo um cego que só guarda palavras, ele repete. Isso se chama “Advaita para cegos”.
Estamos vivendo um momento assim. Há muitos cegos descrevendo as cores; há muitos supostos videntes descrevendo uma suposta visão, o que é, na verdade, só uma crença. Você não precisa aprender nada sobre isso, decorar palavras sobre isso, escrever livros ou poemas sobre isso. Você só precisa ver, apenas ver.
Então, os Antigos, em sua visão, em sua Sabedoria, falaram desse “não dois”, que é Advaita. Só há Um, uma única Realidade. Um já é demais, e esse “Um” é indizível, é incomunicável em palavras, é indescritível e, se realmente você está vendo, se você é um vidente, você silencia, você permanece em Silêncio. Mas, se você não é um vidente, você cria canções sobre Isso. Você pode ver, mas não pode comunicar. Não há como comunicar! É possível saber, mas não “alguém” sabendo; é possível saber, mas não “alguém” para descrever, para explicar, para ensinar. Não é possível aprender sobre Isso; é possível ver. Ver Isso é natural, porque estamos falando dessa Natureza Verdadeira, estamos falando disso que Você É, de sua Natureza Real.
Não há nada separado dessa Consciência. Em outras palavras, nenhuma aparição surge separada dessa Consciência. Então, pensamentos não são problemas; sensações também não; o corpo também não. Presumir que haja algo separado dessa Consciência é uma ilusão, e isso reforça o sentido de dualidade, de separatividade. Estamos apontando sempre para uma única Realidade, inominável, indescritível, e essa única Realidade é a sua Natureza Verdadeira, é a sua Natureza Real! Isso é Você em seu Ser! Não é você em seu modelo de pensar, em sua crença. Não torne Isso complicado, pensando a respeito. Você não pode alcançar Isso no pensamento. O pensamento aparece dentro Disso, mas o pensamento não abarca Isso. Isso abarca tudo, inclusive o pensamento. Não só o pensamento, mas qualquer outra aparição.
A linguagem é sempre limitada, mas as palavras nascidas do Silêncio, mesmo sendo limitadas, são como uma mulher grávida: elas carregam algo dentro delas. Portanto, essas palavras estão “grávidas”; são palavras que carregam algo, porque são nascidas dessa Consciência, desse Silêncio. Elas carregam o poder desse Silêncio, o poder dessa Presença. Elas não comunicam intelectualmente, elas entregam algo, estão “dando à luz” algo, embora sejam limitadas. Mas, como nascem desse Silêncio, como nascem dessa Consciência, carregam um poder por trás delas. Maior que essas palavras, está o Silêncio por trás delas. Essas palavras são como mísseis atingindo um alvo!
O que está presente agora é esta Presença, esta Graça, esta Consciência, este Poder... Tudo está Agora, Aqui. Isso é completamente diferente do que você tem ouvido por aí, na filosofia, na religião, nos chamados “gurus” dos tempos modernos.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 18 de Janeiro de 2017, num encontro aberto online.
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quarta-feira, 15 de março de 2017

O vazio da totalidade

Mais uma vez estamos nos voltando para esse momento de investigação, onde investigamos a natureza da ilusão, que nos parece algo bastante convincente.
Assim, é esse funcionamento, perfeitamente disfarçado, da mente egoica, que tem uma quantidade enorme de argumentos. A mente egoica tem como dizer, justificar e explicar qualquer coisa, pois ela possui alguns milhões de argumentos, todos eles bem lógicos, perfeitamente corretos. Esta mente está, aparentemente, velando, ocultando, mascarando essa Verdade... Vela e oculta a Verdade (a real condição daquilo que está presente, de toda experiência presente). A experiência presente, toda ela, é a experiência da Paz e da Felicidade, mas a mente tem como velar e ocultar isso. Tudo isso acontece de uma forma aparente, mas muito convincente nela, para ela.
Esse imaginário “eu”, esse imaginário “ser” (que a mente faz “parecer ser”), esse aparente “ser” que você acredita ser, com suas conclusões, convicções, teorias, crenças e pensamentos, está sempre buscando a Paz, a Felicidade, a Liberdade, o Amor, mas sempre do lado de fora – em objetos, no outro e no mundo. Com esse movimento, ele oculta, vela, a condição real dessa experiência neste exato momento, que é Liberdade, Paz e Felicidade. Esta é a real condição da experiência desse instante, mas a mente está cheia de conceitos, histórias, teorias, crenças, conclusões, certezas, e você se confunde com ela, surgindo daí a dor do sentido de separação.
A mente, em sua razão, está certa, mas você está equivocado, por estar na experiência da identificação com esse mecanismo, então, a mente está certa e você equivocado, e a maioria das pessoas vive assim. Essa é a atividade comum da mente, na qual você foi treinado a viver.
A questão é que não há saída, não há como sair desse labirinto. Eu já falei isso outras vezes... A mente é um labirinto no qual você se encontra, paradoxalmente, sem estar ali, porque você está ali quando a experiência desse momento é interpretada sob a ótica do pensamento. Quando tudo é ótica do pensamento, do sentimento, que é basicamente crença, conceito, teoria, opiniões, julgamentos e conclusões, você está dentro de um labirinto, que é o labirinto da mente. Ao acontecer isso, não há Amor, Paz, Liberdade e Felicidade, que ficam completamente ocultos nessa aparente miséria, que é a existência da mente egoica, separatista, pessoal. Então, nesse ponto, você está dentro desse labirinto.
O paradoxo aqui é que você não está nesse labirinto, porque você permanece, sempre, independente dessa condição, seja qual for a condição de sofrimento, dor e problema, no âmago, no interior. A Verdade do seu Ser permanece como a Verdade dessa experiência, e como Verdade dessa experiência, você permanece livre. Em seu Ser: Amor, Liberdade, Felicidade; em sua mente: conflito, sofrimento, miséria. Dessa forma, ou você se confunde, se perde, se identifica e se encontra dentro de um labirinto, por estar desatento, insciente desse movimento, ou você dá um salto para fora disso. Esse salto é a desidentificação com a história desse "alguém".
Vocês estão muito viciados na história, levam tudo para o pessoal; tudo tem que ter o colorido, o toque da "pessoa" e nada pode acontecer por acontecer, no movimento da própria vida. É como se você fosse muito importante. Essa é sua crença: tudo tem que acontecer, acontece, aconteceu ou acontecerá em torno desse personagem, dessa suposta identidade presente nessa experiência. Desabituar-se; essa é a palavra! Parar de dar consideração, de considerar o outro nesse "si mesmo"; esse é o trabalho!
Quando você está aberto à sua Natureza Real, à sua Natureza Essencial, esse Vazio – que é a ausência desse "alguém" – é realizado em sua experiência, como a Realidade, a substância Real dessas aparições. Escute isso com atenção: a constatação da substância Real dessas aparições nesse momento, nesse Vazio, que é a ausência da autoimportância, ausência desse "alguém" nesse contexto de história, é uma questão de trabalho de se desabituar, de parar de valorizar a "pessoa". Então, aparece essa experiência pura, que é a natureza da experiência desse momento. É nessa experiência pura que o Amor está presente.
O Amor é a ausência da ilusão do outro. Há a presença do outro na ilusão; o outro que faz a sua história ser uma "história pessoal". Esse outro é o seu filho, o seu marido, a sua família, o seu patrão, o seu empregado, é a pessoa com quem a "pessoa", aí, está lidando constantemente. Essa "pessoa" desaparece quando o outro desaparece. Quando o outro desaparece, não tem "você". Quando não tem "você", o Amor está presente, e o Amor não está em conflito, não conhece dualidade, preocupação, medo. Não há outros. Quando não há outros, o Amor está presente. Quando não há objetos, a Beleza está presente. Quando não há história, os problemas não estão e a Vida se apresenta como Ela é; o Amor como é; a Beleza como é; o evento, o acontecimento (favorável ou não) como é. Então, a Beleza é descobrir que não existem objetos; o Amor é descobrir que não existe "o outro"; e o fim dos problemas é descobrir que a Vida não é pessoal, não está sendo construída para a "pessoa" ser. Essa é a grande revelação de nossa Verdadeira Natureza e isso coloca um fim a essa "novela". Quando terminam as novelas, eles colocam uma palavrinha no final: FIM; é o fim daqueles capítulos. Esse é o livro de "nossas vidas pessoais", no qual nós acreditamos que somos pessoas importantes, separadas, que nascemos e nos movemos nesse mundo, que estamos mudando e controlando as coisas, crescendo, envelhecendo e caminhando para a morte.
Faz algum sentido ouvir isso?
Assumir ISSO como a verdade de sua Real Natureza é o fim dessa ilusão – a ilusão de um labirinto, de um espaço onde você, supostamente, entrou e de onde não consegue sair. Esse labirinto é o sentido de separatividade, o sentido do "eu", esse sentido de "ser alguém". O que estou dizendo é que quando essa real experiência (que é o sentido daquilo que se apresenta, nesse instante, sem nenhuma desfiguração, sem nenhum julgamento, sem nenhuma ideia e sobreposição sobre isso) não é ignorada, ou seja, quando você não ignora a sua Real Natureza, essa Presença, Consciência, é a Verdade, a Liberdade, a Felicidade, o Amor.
O meu convite para você, em Satsang, é Ser, que é esse Vazio – o Vazio que é a Totalidade. Todos desejam ser alguma coisa. Ser “alguém" é ser alguma coisa, porém, Ser é Ser, apenas Ser... Não é tudo, nem nada... É apenas Ser. Ser não conhece história, assim, não conhece problemas. Ser não é ser “alguém", assim, não conhece o outro, e isso é o fim da "novela", o capítulo final. Mas ninguém quer morrer, todos querem continuar com a história, continuar a ser “alguém”.
É preciso deixar essa autoimportância. Quando isso acontece nessa Liberdade, Felicidade, nesse Amor, aquilo que fica, como mente ou corpo ou mundo, tem uma outra qualidade, toma uma outra qualidade – a qualidade da própria Consciência, da própria Presença. Isto porque essa mente, o corpo e o mundo também não estão separados dessa Consciência, dessa Presença. Tudo fica pleno, preenchido ou saturado desta Presença, que é Paz e Felicidade. Essa é a nossa Real Natureza, mas não tem história "pessoal"; não tem "alguém pessoal" Nisso.
Participante: Como lidar com isso e todas as obrigações do mundo?
Mestre Gualberto: Não é possível lidar com isso e todas as obrigações do mundo. Vou repetir: não é possível lidar com isso e com todas as obrigações do mundo. Essas obrigações são de quem criou o mundo; lidar com isso é a sua única obrigação. Você lida com isso e Aquele que criou o mundo cuida das obrigações Dele. Somente a ilusão de que você está aí, tendo que lidar com isso e com as obrigações do mundo, cria o conflito. O resultado disso é que você não lida com isso, nem cuida, de fato, das obrigações do mundo, porque estas não são suas obrigações. Então, não é possível você cuidar disso e lidar com isso. Você está tão identificado como "alguém", sendo o autor das ações, fazendo disso uma crença e querendo lidar com assuntos que não são os seus assuntos, mas sim os assuntos de Deus, que você não faz uma coisa nem outra.
A única coisa para você, é ir além dessa ilusão – a ilusão de ser o autor, de estar no controle. Assim, você deixa o corpo cuidando das ações que ele tem que cuidar, o pensamento responsável por aquilo que ele tem que dar conta. Você mesmo cai fora disso, permanece em seu Ser, em sua Natureza Real. O sentido de "ser autor" das ações coloca um peso muito grande sobre os seus ombros; você está andando encurvado sob esse peso.
Participante: Sinto que estou invisível. Isso é magnífico! Não tem ninguém aqui.
Mestre Gualberto: Não tem ninguém em lugar nenhum. Quando o pensamento aparece com uma história, trazendo nomes e formas, pessoas, coisas e lugares, é que esse "alguém" aparece, surge. Esse momento contém todas as aparições, exceto uma: essa aparição da "pessoa". Tudo é real, a "pessoa" não. Tudo é real como uma aparição, nesse momento, mas a "pessoa" não. Portanto, quando eu o convido a lidar com isso, estou convidando você a permanecer em seu Ser, onde tudo está presente e “você” não está. Em seu Ser, as obrigações do mundo são cuidadas por Aquele que expressa e manifesta o mundo, e isso não tem nada a ver com essa ideia de "alguém" fazendo alguma coisa, ou tendo que fazer alguma coisa, ou sendo responsável por alguma obrigação. A sua Natureza Real é Consciência, Felicidade, Ser. Na Índia eles chamam isso de Sat-Chit-Ananda. A sua Natureza Real é Sat-Chit-Ananda.
Você se abre, e esse abrir-se é não se identificar, não se perder, não se confundir com o que se passa aí, em sua cabeça, com esses pensamentos e sentimentos, com essas conclusões, crenças e ideias. Quando o seu Ser é ignorado, a sua Natureza Real é ignorada, as limitadas qualidades da mente egoica (essa mente separatista que cria a ilusão da “pessoa” presente) aparecem, e esse imaginário "eu" volta à sua antiga busca de paz, felicidade, amor, do lado de fora. Quanto maior é o seu esforço, o seu trabalho, quanto mais ele caminha em direção à sua ambição de "ser", você deixa de Ser. Na ambição de ser, a mente assume que você, aparentemente, deixa de ser, porque se confunde com isso.
Participante: Se os outros não existem, eu não existo; se eu não existo, os outros não existem... É isso?
Mestre Gualberto: É uma conclusão intelectual. Quando ISSO está presente é assim, mas não há nenhuma conclusão a respeito; nenhuma pergunta e nenhuma resposta.
*Transcrito de uma fala ocorrida em 11 de Janeiro de 2017, num encontro aberto online.
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segunda-feira, 13 de março de 2017

A ilusão de ser alguém

As pessoas vêm a mim e acreditam que eu posso ajudá-las. Isso não é verdade! Eu não posso ajudá-las, porque elas estão confusas, e o que elas chamam de ajuda é alguém que coopere na confusão delas com suas escolhas. Então, não posso ajudá-las! Quando elas vêm a mim como pessoas, eu digo: “Não tem alguém aí!” Elas me falam de suas ações nascidas da confusão, que deram a elas uma alternativa de escolha, e relatam que estas escolhas não estão dando certo, que algo está dando errado. Quando elas vêm a mim, relatam os problemas delas, e eu olho para elas e digo: “Não tem você aí! A crença de estar aí está produzindo a confusão, que, logo depois, produz uma escolha!” Mas elas não ficam satisfeitas. Elas voltam para o caminho comum delas, onde elas podem ser ensinadas sobre o que fazer ou não, por um coaching, um terapeuta ou um facilitador desses inúmeros trabalhos que existem por aí. Mas, tudo, exatamente tudo, continuará na mesma, porque enquanto houver o sentido de “alguém” presente, aprendendo ou ensinando, dando ou recebendo, tudo continuará na mesma. Por isso, não adianta vir a mim! O que eu tenho para lhe dizer é: Caia fora! Não aja! Fique quieto! Não faça absolutamente nada! Quem, afinal, faria? Por que faria?
O meu enfoque é outro: o meu interesse é em você, não no que você acredita ser. Estou com meu coração profundamente envolvido com você, e não com o que você acredita ser. O que você acredita ser é aquela raiz. Lembra da árvore, da mangueira dos frutos azedos? Pronto! Assim como aquela árvore tinha uma raiz da qual todos os frutos azedos apareciam ano após ano, a raiz, aí, está na ilusão de que você está presente, de que existe um “eu” aí, de que existe um “sentido de alguém” presente fazendo coisas. Não há autor das ações. Não há alguém decidindo a partir de uma escolha, que, como colocamos agora, nasce naturalmente da confusão. Não tem alguém aí! A “raiz” é o sentido de alguém presente aí. Portanto, quando você usa o pronome “eu”, se referindo a uma pessoa, à primeira pessoa do singular, falando de um “mim”, desse “si mesmo”, é uma ilusão. Essa é a raiz dessa mangueira, com toda sua vida, toda sua seiva vital, com todas as suas folhagens, com toda sua sombra, com tudo que ela produz, inclusive os frutos. A sua vida só pode ser uma balbúrdia, uma tremenda confusão, uma tremenda miséria.
Nesses dias eu falei isso, aqui mesmo nessa sala, e alguém me interrompeu e disse: “Não é assim! A minha vida não é miserável!” E eu disse: “Eu sei! É porque você tem um emprego, tem um salário, tem dinheiro, come bem, dorme bem? Ou porque você tem um marido, ou um namorado?” A vida humana é tão miserável que nem a miséria consegue ser vista. Um dos aspectos da miserabilidade da vida humana, nesse sentido do “eu”, do “mim”, do ego, é que jamais o miserável se vê assim; tal é o teor, tal é a qualidade, tal é a densidade da miséria. É um cego que não se vê cego. Tanto tempo na escuridão que não sabe o que é luz; então, escuridão é “luz”.
Quando você vem me ouvir, você pode se ouvir, e isso é ter Clareza, é descobrir o Amor presente no viver, e esse Amor, como uma árvore de frutos doces, só produz ações que nascem dessa Inteligência, dessa Liberdade, dessa Felicidade, dessa Sabedoria.
O que você vai fazer agora com isso? Você quer continuar sendo o João, a Maria, o Pedro? Você quer continuar “sendo”? O que significa esse “continuar sendo”? Significa continuar na ilusão de ser. Ser não conhece a ilusão de ser. Ser não é “continuar sendo”. Ser é agora, sempre agora, e é nesse momento que nasce a ação. Ser, nesse momento, traz a ação correta, a ação impessoal da Consciência, que é pura Inteligência. Uma ação que nasce desse Lugar não carrega medo. O arrependimento é um bisneto do medo; a culpa é uma filha direta do medo. Existe uma família enorme ligada ao medo.
O meu convite é para Ser, Ser agora! Não tem alguém! Não tem ele, não tem ela, não tem você, não tem sucesso! Que história é essa de sucesso? O sucesso cria muitos fracassados. O sucesso criou o fracasso como seu oposto; o bem criou o mal como seu oposto; a verdade criou a mentira como seu oposto. Não tem “verdade”, não tem sucesso, não tem o bem… A Vida Real está além dos opostos: bem e mal, certo e errado, verdade e mentira… Quando eu uso a expressão “Verdade”, compreendam: estou falando de algo além dos opostos. Quando eu uso a expressão “Amor”, compreendam: estou falando de algo além dos opostos. O amor que você conhece, que está ligado à sensação, à emoção, ao sentimentalismo, ao tesão, não é Amor! Isso é carência, é dependência, que também estão na família do medo, lembra?
Agora posso perguntar a você: o que é a ação? Quando foi que você esteve presente na ação? Pois eu posso afirmar: nunca! Quando a ação está, você não está! A ação é a expressão da Consciência, ela não é pessoal. Então, ela pode usar essas mãos aí, ligadas a esses braços, nesse corpo, ou pode usar as mãos ligadas a outro corpo, mas nem esse corpo aí é seu, nem aquele lá. Essa é a ação! Na ação você não existe, você não é real, você não aparece, você não está presente.
É possível essa ação? Eu pergunto, mas posso responder: só é possível essa ação. Como, até hoje, você nunca esteve presente, você nunca estará presente nessa ação. É possível essa ação? Só essa ação é possível, e ela é possível quando você não está. Aí, surge outra pergunta: “É possível eu não estar?” E eu dou a resposta: só é possível você não estar, porque você é uma crença, é uma fraude, é uma mentira. Desculpe-me se você está tentando ajudar outros, de uma forma ou de outra. Na verdade, você está criando mais confusão, mais confusão no mundo!
Não importa se somamos zero a zero, ou dividimos zero por zero, ou diminuímos zero de zero. Compreende o que eu disse? O resultado será sempre o mesmo: um grande zero, uma grande nulidade, uma grande futilidade, uma grande inutilidade. O que você faz, mesmo tentando ajudar, é escolha nascida da confusão, do sentido de um “eu” presente querendo ser alguém, querendo fazer alguma diferença, ajudar de alguma forma. Nesse “fazer” está a confusão. Eu lhe recomendo, primeiramente, realizar Isso que Você É, e, a partir dessa Inteligência, desse Amor, dessa Presença, dessa Consciência, dessa Graça, dessa Ação, observar o que acontece à sua volta. No budismo, eles chamam de Compaixão, que é quando esse Estado Natural, que produz ação natural, está presente.
Quer ajudar as pessoas? Abandone a ideia de ser “alguém”. Abandone essa crença, abandone essa fraude, abandone essa ilusão, vá além do sentido do “eu”, vá além da necessidade, ainda sutil e disfarçada, de ser ajudada, de ser ajudado. Se você ainda precisa ser ajudado, ou precisa de alguém para ajudá-lo, você só pode continuar nesse zero vezes zero, ou zero mais zero, ou zero dividido por zero.
Estamos falando da ação natural, a ação do Sábio, a ação do Jnani, a ação de Deus. Só há Ele! Quando Ele está, você não está. Essa é a ação correta, essa é a ação natural. Eu não chamo isso de uma vida de sucesso, eu chamaria isso de triunfo da Verdade. Um Buda vive como um rei, quer esteja numa caverna, com cabelo desgrenhado, sem banho, afastado de todos, ou esteja em um escritório, com ar-condicionado, acesso à internet de alta velocidade, ou numa mesa como presidente de uma Corporação. Um Buda vive como um imperador, quer ele seja um guardador de carros, um funcionário da Receita Federal, um empregado, um patrão, dono de um comércio, de um pequeno negócio ou um soldado. Um Buda vive como um imperador e não dá para medi-lo. Ele não vai passar pelo seu critério de sucesso, Ele não vai ser aprovado nessa sua prova. Primeiro, porque Ele está invisível nessa vida, em triunfo, nessa Realização. E não estou falando de alguém lá, estou falando de “alguém” aqui. “Alguém” aqui que não é mais alguém; “alguém” aqui que não se sente alguém; “alguém” aqui que não se vê como alguém; e esse “alguém” aqui é a Liberdade… A Liberdade aí assentada; a Liberdade aí falando, ouvindo, gesticulando… Algo tão natural, nessa ação natural.
*Transcrito de uma fala ocorrida em Janeiro de 2017, num encontro presencial, na cidade de Fortaleza/CE.
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sexta-feira, 10 de março de 2017

Entrega, rendição e confiança

É evidente que esses encontros aqui pelo Paltalk não substituem um encontro presencial. Fica aí o convite para um trabalho real, nessa proximidade. Esses encontros aqui pelo Paltalk são como namoro à distância, que não dá para casar... Tem que ser presencial. Somente, então, é possível um trabalho direto.
Nesses encontros nós estamos falando dessa Inteligência, dessa Realidade. É importante que você pare de pensar sobre isso, pois, quando pensa sobre isso, você destrói essa coisa. Eu desaconselho você a pensar sobre aquilo que escuta aqui e, muito menos, a guardar essas palavras, porque isso pode criar a falsa ilusão dessa Realização, ou essa verdadeira ilusão de uma realização meramente conceitual. O que estamos dizendo em Satsang não é para você guardar! O que estamos dizendo é para você observar e descobrir, diretamente. Você escuta nessas falas palavras como: "você é essa Consciência", "você é essa Inteligência", "você é essa Absoluta Realidade", mas não pense sobre Isso. Não pense, na verdade, nada sobre Isso.
Acordar não é pensar sobre isso, pois pensar sobre Isso é sonhar. Você precisa Acordar! Quando você Acorda, está em seu Estado Verdadeiro e não há pensamento sobre Isso! Quando Acorda, você está vendo. Então, não é pensar sobre Isso... É Acordar! É ver diretamente, sem teorias e crenças. Estou convidando você para ir além dos problemas, dos conflitos, do sofrimento; ir para o seu Estado Natural! Esqueça seus problemas! Em seu Estado Natural há um Poder que toma conta de tudo! Ouviram isso?
É necessário estar aberto, permitir isso... Permitir-se a essa entrega! Você deve render o seu ego, seus conceitos, suas opiniões, seus questionamentos, suas respostas, seu poder também... tudo... Render o seu ego. É exatamente assim mesmo que acontece. Essa rendição, entrega, esse envolvimento total é a possibilidade que você tem de ir além do ego, da mente egoica. Então, o que é que você faz? Nada! Então, você se torna o seu próprio Ser, deixa o mundo sozinho e permanece nessa rendição, nessa entrega. Você permanece nesse envolvimento total com a realidade e, então, vai além do corpo e da mente. Aí está a cura, a Liberação. Aí está você em seu Estado Divino, em seu Estado Natural.
Então, você compreenderá, completamente, que não é aquele que faz, não é o fazedor, não é aquele que realiza as coisas! Há um Poder tomando conta disso! Pare de lutar, de tentar fazer as coisas acontecerem! Renda-se! Entregue-se! Aí está a beleza dessa Realidade, a Verdade, a Liberação! Assim, você é simplesmente o Ser, essa Realidade! Você não tem, absolutamente, nada que você possa fazer, que precise fazer, que possa fazer quanto a isso!
Coloque o seu coração e a sua mente, no Ser, em seu Ser Real... O seu coração no Coração. Este Ser é o seu Coração! Seu Ser Real é o seu Coração. Então, você coloca sua mente e o seu coração no Coração, no Real Coração! Seu Coração é Deus! Mantenha sua mente em Deus! Deus em seu Coração! Confiança, entrega, rendição total a essa Absoluta Realidade, a essa Presença Real, a esse Coração real! Voltar-se para Isso... Ir além desse mundo imaginado pelo pensamento. Em outras palavras, não permita os pensamentos correrem para fora, a mente se voltar para fora. Traga esses pensamentos, que estavam indo para o exterior, para o Coração. Encontre a Paz, a Felicidade em si mesmo, aí... Pare de ir para fora.
Esse Poder misterioso sabe tudo... Tudo de que necessitamos, de que você necessita! Não precisamos saber como esse Poder cuida de nós, precisamos apenas permitir que esse Poder cuide de tudo! Esse misterioso Poder, que é essa Presença Real, essa Presença Divina, essa Verdade, está aqui nessa noite... Ela está Aqui! Se permita isso... Permita esse Poder tomar conta de tudo! Nós temos que permitir esse Poder!
Não me pergunte por que cada uma dessas falas vai numa determinada direção; eu também não sei!
Você pergunta se tem essa capacidade de se permitir... Eu respondo: TOTAL! Todos vocês têm! Isso porque você já é essa Presença, esse Poder. Você é Sat-Chit-Ananda! Você não é o corpo, a mente, o mundo! O mundo, o corpo e a mente aparecem, mas isso não é Você.
Como é que soa para você essa coisa toda? É uma questão de entrega, de rendição, de confiança! É uma questão de fé! É uma questão de tirar o seu ego, seu controle, a sua escolha, suas respostas, os seus conceitos pessoais; tirar tudo isso de campo! Abandonar-se ao Divino... Render-se a Deus, à Verdade. Então, quando "você" não está, Ele está. Você nunca vai entender essa Presença, essa Graça, esse Poder, essa Verdade e o modo como Ela faz. Você nunca vai entender e nem precisa entender... Apenas fique receptivo, permita-se, fique Vazio! Lembre-se de que esse Vazio não é o vazio, é a Verdadeira Benção, a Verdadeira Graça!
Namastê para todos! Nos veremos no próximo encontro!
*Transcrito de uma fala ocorrida em 30 de novembro de 201, num encontro aberto online.
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quarta-feira, 8 de março de 2017

O caminho da Autoinvestigação e da Devoção

Eu só conheço duas ferramentas que funcionam para o Despertar: a auto-observação – que é a investigação da natureza efêmera do ego, da natureza temporária, volúvel, do “eu” – e a devoção. Eu diria até que é curioso eu tratar dessa auto-observação, dessa investigação da natureza de maya, da ilusão, do ego, porque, particularmente, o elemento que mais predominou no trabalho aqui [nesse corpo-mente] foi a devoção. Eu nunca tive interesse em conhecer os aspectos teóricos e teológicos desse assunto. Nunca havia lido ou ouvido falar sobre isso, o que se mostrou de grande valor para mim, porque eu fui sempre pego de surpresa dentro desse processo, desse trabalho do Despertar, e foi assim até o final. O caminho mais direto para realizar isso é a completa confiança no Guru, é a maturidade de lidar com Deus na forma do Guru. Mas quando você tem isso, você não discute com o Guru, porque você não duvida dele. Você não o questiona, não questiona o amor Dele por você. Eu já peguei vários de vocês discutindo comigo. Então, tem que ser pelo caminho da autoinvestigação mesmo.
O caminho da autoinvestigação é aquele caminho da desconfiança, da dúvida, do medo da rendição, da teimosia, do intelecto. O caminho da devoção é o caminho do coração, da rendição, da não dúvida, da certeza de estar diante do Sagrado. Um caminho assim é ingênuo, sem dúvida. Lembra a criança que, até uma certa idade, confia muito no pai e na mãe. Então, essa coisa de lidar com o Guru deve ser uma coisa assim para o devoto. O não devoto, aquele discípulo mais “cabeção” [que tenta capturar isso com o intelecto], fica dizendo: “Será que eu vou? Será que não vou? Será que é? Será que não é? Será que dá para confiar? Será que não dá?” Aí discute com o Guru. O caminho da devoção é muito mais direto, mas é muito mais arriscado, pode até resultar em morte, morte rápida [do ego]. O meu caminho com o meu Mestre não teve muitos atropelos, mas se esse código de confiança é rompido, essa senha é quebrada, aí não há mais como ter acesso.
A autoinvestigação é uma coisa muito árida, muito seca, muito impessoal. É uma bela ferramenta! A devoção é uma coisa assim muito calorosa, muito pessoal, uma coisa mais íntima. Ramana chegou a dizer que o Sábio é o real devoto. Quem é Deus para você? Quem é essa Consciência? Quem é essa Presença? Quem é o Guru? Não me fale do ponto de vista teórico, verbal, intelectual, expressando conceitos advaitas. Ramana era um exemplo claro de Sábio (Jnani) e de devoto.
[O mestre passa a ler a transcrição de uma fala de Robert Adams].
“Ramana Maharshi sempre disse que devoção, fé e autoinvestigação são a mesma coisa. Você não pode apenas ter a autoinvestigação seca, você tem que sentir o amor, você tem que sentir devoção, você tem que colocar Deus em primeiro lugar.
A menos que você ponha Deus em primeiro lugar, você vai ter apenas palavras secas, e as palavras lhe darão um intelecto afiado. Você será capaz de recitar todos os tipos de coisas, memorizar livros, ouvir palestras e se lembrar disso, mas você nunca vai realmente despertar. É por isso que às vezes Advaita Vedanta pode ser perigoso para algumas pessoas. No entanto, se elas realmente lerem os livros sobre Advaita Vedanta, elas vão entender que têm de desenvolver uma tremenda fé.
Pense em alguns dos professores que você conhece ou ouviu falar. Nisargadatta... Ele sempre orava. Ele percebeu que era Consciência. Ele se autorrealizou, mas ao mesmo tempo cantava, orava, tinha devoção. Parece uma contradição, pois você pode dizer: ‘Se alguém se autorrealiza e sabe que é tudo o que existe, a quem ele reza?’ Tente lembrar que toda a vida espiritual é uma contradição. É uma contradição porque as palavras não podem explicá-la. Mesmo quando você é o Ser, você pode orar para o Ser, que é você.
Ramana Maharshi sempre cantava no ashram, orações, cânticos devocionais. Essas coisas são muito importantes. Muitos ocidentais, que professam ser ateus, vêm para ouvir palestras sobre Advaita Vedanta, e nada ainda acontece em suas vidas. Enquanto você não tiver devoção, fé, amor, discernimento, desapego, será muito difícil despertar” [Robert Adams].
Robert Adams despertou com quatorze anos de idade, fazendo uma prova de matemática numa sala de aula. Quando ele era um bebê, ele via um pigmeu em seu berço. Quando ele cresceu um pouco mais, encontrou um livro na estante de uma livraria e reconheceu o pigmeu que ficava falando com ele no berço. Aquele pigmeu falou com ele até os sete anos de idade e, naquele momento, ele viu a foto dele no livro. Olha o pigmeu que apareceu para ele desde bebê e “trabalhou” com ele até os sete anos [o Mestre aponta para a foto de Ramana Maharshi].
Depois dos 14 anos, Robert Adams foi ver Joel Goldsmith, que o mandou para Yogananda. Ao se encontrar com Yogananda, este lhe disse: “Eu não sou o seu Guru. Vá atrás do seu Guru, ele está na Índia”. Então, com dezoito anos de idade, ele foi para a Índia, e ficou três anos com Ramana. Nos últimos três anos de vida de Ramana, ele estava aos seus pés.
Aprender com o Guru a cantar, a orar, a fazer puja, a entregar a sua vida a ele, a Deus, é uma ótima ferramenta. Robert Adams, quando não tinha músicos, colocava discos de devoção numa vitrola. Um dia perguntaram: “Por que você sempre coloca essas músicas para a gente ouvir?” Ele respondeu: “Vocês precisam ouvir essas músicas. Vocês são muito secos, precisam se molhar um pouco mais”. E continuou dizendo: “Quando uma semente está na terra, ela não brota, não germina. A terra tem que estar úmida. É preciso molhar a terra. O coração de vocês é assim. Vocês são muito secos, uma terra árida. Nenhuma semente pode germinar aí. Então, eu quero que vocês aprendam a orar e a cantar”.
*Transcrito de uma fala ocorrida no retiro de Réveillon 2016-2017, na cidade de Campos do Jordão/SP.
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segunda-feira, 6 de março de 2017

Satsang é um contato com essa Presença

Sejam todos bem-vindos ao Satsang, neste encontro aqui pelo Paltalk.
Essa é a primeira coisa a ser percebida aqui, nesse instante: se você pode ouvir essas palavras, elas estão acontecendo nessa Consciência. Tanto esse falar, quanto esse ouvir, só é possível nessa Presença, que nunca está ausente. Portanto, não existe nenhuma separação entre um experimentador e a experiência. Não existe tal coisa como a experiência e aquele que experimenta – isso é o pensamento que cria. A mente criou essa separação. Não há qualquer separação, nenhuma separação. Então, o que estamos nesse momento vivenciando é essa Consciência. O pensamento é que se separa como "o pensador", como "alguém" dentro dessa experiência, e cria a ilusão de "alguém" aí presente. Mas, não tem alguém presente, tem a Consciência presente... Tem a Presença e essa Presença é a Consciência. Essa é a primeira e a última coisa!
O que quer que seja conhecido, ou experimentado, é por essa Consciência, é nessa Consciência. Isso é bem interessante. Não é a pessoa que conhece; a pessoa é conhecida nessa Consciência. A Consciência é essa Presença que conhece; a pessoa é uma aparição nessa Consciência. A mente não conhece, a mente é conhecida. A mente aparece como algo conhecido nessa Consciência, e nós a chamamos de "mente". Portanto, a Consciência é completamente independente de suas aparições. Essas aparições estão Nela, mas Ela se mantém completamente independente dessas aparições, de todas as aparições, de todas as condições. Deus é assim. A Presença é assim! A Consciência é assim!
Acompanham isso?
Essas falas são para serem acompanhadas e não decoradas. Não decore isso, nem aprenda intelectualmente; só acompanhe. Acompanhar já é libertador, porque você só acompanha de forma real desidentificando-se da mente e das suas aparições. Então, isso já é Meditação, já é o trabalho. O propósito dessas falas em Satsang é trazer Isso, trazer essa Consciência, fazê-la se expressar de forma autofulgente. Então, acompanhar essa fala é Meditação. Não guardando palavras, porque isso não é acompanhar, nesse sentido; é apenas aprender, decorar, ouvir como se escuta numa sala de aula. Isso não funciona aqui. Satsang é um contato com essa Presença, com essa Consciência. Essa Consciência está sempre independente de qualquer condição, seja a condição do corpo ou da mente, completamente independente das aparições. Essas aparições aparecem Nela, mas Ela permanece independente dessas aparições. Paradoxalmente, essas aparições também são Consciência e não se separam Dela.
Você só tem problemas porque se confunde com a mente. Quando se confunde com a mente, você está identificado com uma aparição, confundindo-se com um sentimento, um pensamento, com uma sensação, uma emoção – esse é o sentido de separação. Tudo é conhecido nessa Consciência. Essa Consciência conhece a Si mesma, Nela mesma... Conhece a Si mesma por meio do corpo, da mente, das experiências. A Consciência conhece Ela mesma, Nela mesma. Ela não está presa ao cérebro, nem ao corpo.
Quando se vê nessa confusão criada pelo pensamento, você se identifica com o corpo. Assim, você se identifica com o cérebro e com essa suposta entidade presente no corpo; identifica-se com a ilusão de um "eu", de uma entidade, de uma identidade de "alguém presente", sendo um homem ou uma mulher, uma mãe, um pai, um filho, um avó, uma avô, uma “pessoa”. Essa Consciência presente não tem nenhum relacionamento com isso, não está nesse relacionamento com a mente e com o corpo. Para haver relacionamento é preciso dois (tem que haver dois), a Consciência e o corpo, a Consciência e a mente... Nessa Consciência não há relacionamento, não há dualidade, não há objetos. Consciência é Deus! Consciência é Amor! Consciência é Verdade! Você é Consciência!
Se você permanece desidentificado, como Pura Consciência, a vida acontece como uma aparição. Você se identifica com a mente, com o que ela "diz", e aí está você, de novo, de volta ao antigo jogo.
Claro isso?
Nesse antigo jogo, você quer ajudar as pessoas, as pessoas precisam de você e você precisa delas... Nesse jogo, você, as pessoas e o mundo têm problemas, e você quer salvar o mundo, mudar tudo, consertar tudo; enfim, você está em apuros. Identificado com essa ilusão de "ser alguém", você tem muitos assuntos para resolver até morrer. Curiosamente, você morre e não resolve nada. Tudo vai continuar do mesmo jeito, como sempre foi, e você só se afligiu, conflitou, “se aperreou" bastante, como se diz aqui no Nordeste. Você está carregando um peso enorme, de um mundo que você não pode mudar, porque não é o "seu mundo". Você não tem nenhum poder sobre esse mundo criado pelo pensamento, o qual você foi ensinado a tentar mudar, alterar, e a "levar nas costas".
Vamos ficar por aqui. Até o nosso próximo encontro. Namastê!
*Transcrito de uma fala ocorrida em 13 de Janeiro de 2017, num encontro aberto online.
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sexta-feira, 3 de março de 2017

Como se libertar da prisão do desejo?

Vamos ver a mecânica do desejo.
Esse mecanismo (corpo/mente) carrega a memória da dor e do prazer, e isto está aí como uma impressão gravada na estrutura, no organismo. Essa impressão é muito valiosa para o experimentador. O experimentador nada mais é do que memória, mas é algo muito real em sua impressão nessa máquina, nesse mecanismo. Aparece o objeto de atração e a primeira coisa está no “ver”, mas o “ver” se transforma em "alguém" vendo, que é o experimentador voltando. Quando esse experimentador aparece, nesse "vendo", com ele aparece o pensamento, a memória, a lembrança. Então, a memória e a lembrança criam um quadro: "como é bonito isto", e o pensamento diz: "eu quero".
Essa imagem que o pensamento cria começa a tomar vida e, na razão em que ela toma vida, dá maior estrutura ao experimentador. Claro, tudo isso é imaginário, mas muito real. Então, quando esse experimentador surge e diz "quero" e as imagens começam a se desenrolar, como um filme, temos o desejo. Isso vale para um homem bonito, uma mulher bonita, um carro, um sapato na vitrine, um vestido, um celular anunciado na TV ou em alguma mídia…
A imagem aparece e o pensamento salta sobre essa imagem, criando uma história, um filme, e, então, o experimentador surge, com esse fundo de memória, de prazer; ele se vê nesse prazer e aí surge o desejo. Então, esse desejo começa a queimar até que seja preenchido, mas, como a natureza do desejo é nunca se preencher, ele se modifica. Depois que adquire o objeto, ele fica tentando criar modalidades de satisfações com esse mesmo objeto, até que ele se desgasta. Então, o pensamento constrói uma outra imagem, uma outra imaginação, com um novo objeto. É o que acontece quando você quer mudar de namorado, quer experimentar outras formas de sexo, outros tipos de roupa, outro estilo de corte de cabelo, e assim vai. Isso não termina! A continuidade desse movimento é a "pessoa", essa ego-identidade. Se você foi capturado nesse processo, não tem mais jeito. Aqui entra o que eu chamo de paciência, para encontrar o espaço de desligamento dessa mecânica da máquina.
Portanto, o trabalho agora é de quebra desse processo, de desligamento dessa mecânica, mas isso envolve muita dor e o experimentador, esse suposto "eu" envolvido nisso, não quer essa dor da quebra, do rompimento. Assim, você passa a vida toda capturado, de uma forma ou de outra, pelo objeto de desejo.
A questão é: é possível olhar e ficar atento a esse movimento quando ele surge? Você olha um rosto bonito, um corpo bonito, e no mesmo momento acontece algo aí, na estrutura corpo/mente, que é memória. Então, você diz: "Eu quero". Vocês chamam isso de "química", que é um nome que o pensamento criou para justificar padrões da mente egoica. Tem “química” para um e não tem para outro; tem “química” para um modelo, mas não tem para outro. Isso explica a bissexualidade, a homossexualidade, a heterossexualidade, porque esse "eu" gosta do que gosta. É só um condicionamento... Uma experiência lá na infância, uma experiência em algum momento, despertou o sentimento de satisfação, preenchimento, prazer, quando o experimentador saltou sobre isso e guardou aquilo como memória, e aí você diz: "Eu sou heterossexual"; "Eu sou bissexual"; "Eu sou homossexual"; "Eu gosto de sorvete; “Eu gosto de chocolate"; "Eu gosto desse estilo de carro"; "Eu gosto desse estilo de roupa"...
Tudo isso é condicionamento. Esse "eu" é essa estrutura corpo/mente, ego, "pessoa", entidade, "mim". Tudo isso é falso, não é Você, não é real. Não tem vida real nisso, mas uma vida fictícia, imaginária – uma vida "real" na imaginação – nunca fora do pensamento, do sentimento.
Então, a primeira lição que você tem que ter em Satsang é: “eu não sou o corpo”. Assim, você não tem como justificar histórias para si mesmo, para esse "mim mesmo", como: “Quando eu era criança, eu passei por experiências, e hoje eu estou aqui nessa situação...”. Isso é fatal para a continuação da ideia "eu sou um miserável", "eu sou alto ou baixo, santo ou pecador". Então, você se identifica com o corpo e diz: "Eu não tive chance"; "Eu passei por isso”; Eu fui abusada"; "Eu fui...". "Eu" quem? A mente pega isso para justificar a continuidade dessa ego-identidade nessa história "eu sou o corpo".
Então, a primeira lição é: nada disso é você. Você nunca viveu isso. Eu sei que isso vai contra tudo que vocês aprenderam, estudaram na faculdade, ou leram sobre Freud. Tudo isso é muito "real" apenas para essa estrutura imaginária de uma ego-identidade presente nessa experiência "eu sou o corpo". Então, desse ponto de vista, todas essas inúmeras teses que existem estão certas, só que isso não é verdade. Todas estão certas... Só que não! Enquanto se conservar a memória, a ego-identidade, o experimentador, tudo isso vai se justificar ou será passível de algum cuidado, de alguma ajuda, de algum tratamento, de alguma suposta cura. Mas não tem cura, não tem tratamento eficaz. Tem substituições através da hipnose e de outras técnicas de terapias, em que você substitui uma carta marcada por outra carta marcada, uma coisa por outra coisa.
A pergunta para você é: é possível ficar com os sentidos e com a beleza presente nessa alegria do som, da visão, do paladar? Repare que há alegria no paladar, no tato, nas cores, no som. Quando acontece a escolha dessa percepção sensorial, você não tem mais a alegria; tem o prazer ou a dor, o gostar e o não gostar. Então, você tem a confusão. Lembra? A confusão é a rainha, a mãe das escolhas. Reparem que quando você para a sua cabeça, por dois segundos, o cérebro "diz": "Vire-se. Vá buscar algo". Há uma alegria em cores, em formas. A não ser que você esteja voltado para dentro, se você parar a cabeça por um segundo, o cérebro já vai buscar uma outra coisa, porque os olhos querem ver coisas novas; o ouvido, da mesma forma, quer ouvir novos sons; a mão quer experimentar formas táteis. Essa é a mecânica do corpo na sua busca por sensações.
Tem um outro elemento que entra nessa experiência sensorial: é o experimentador, que quer transformar aquilo que vê, ou aquilo que escuta, num objeto de prazer. Para isso, o experimentador precisa da memória, criando, a partir dela, uma história. Assim, quando você escuta uma música, ela o leva para "aquele" lugar, que é um lugar imaginário de prazer, onde você é "alguém" sentindo, onde há essa contração de "ser alguém", uma coisa assim que, se vacilar, pode levar até ao orgasmo. Isso porque é muito sensorial, é muito físico (cria arrepios no corpo, as lágrimas rolam...), é uma história individual, pessoal, particular, centrada nessa "pessoa". Não tem nada a ver com a realidade do que É, mas, sim, com o imaginário mundo de "ser alguém".
O sentido do "eu" faz isso usando o quê? Os sentidos. Uma coisa tão bonita no corpo, uma mecânica no corpo tão inocente, mas agora a serviço de uma ego-identidade, a serviço do sofrimento. Tudo isso você faz porque, no fundo, você quer se sentir vivo e isso significa estar nessa contração de "alguém" vivendo uma realidade sua, única, pessoal. Como está distanciado do que É, isso representa sofrimento.
Acompanharam-me até aqui? É possível ficar apenas com os sentidos, sem aquilo que o pensamento pode criar sobre a experiência sensorial? É possível?
*Transcrito de uma fala ocorrida em Janeiro de 2017, num encontro presencial, na cidade de Fortaleza/CE.
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